SIC notícias em comodato com os poderes

26-02-2001
marcar artigo

SIC Notícias em Comodato com Os Poderes

Por EDUARDO CINTRA TORRES

Segunda-feira, 26 de Fevereiro de 2001 Num país minorca como o nosso, como "aguentar" um canal televisivo de informação? Na TV, as notícias são aliciantes para os espectadores -que as ouvem e vêem sem esforço - mas dificilmente justificam canais 24 horas por dia. Primeiro, porque não há notícias que cheguem para chamar a atenção para o ecrã durante muito tempo. Segundo, porque não há imagens interessantes para uma hora, quanto mais para 24. Terceiro, porque ao exigir a atenção do espectador (por causa da imagem, coisa que não sucede com a rádio), o canal de notícias dá menos do que o que pede. Os canais de telenotícias adoptam por isso estratégias tentando manter-se continuamente interessantes, mesmo quando não há nada de novo. Não é fácil. A SIC Notícias escolheu um rumo habitual: por um lado, o acompanhamento das notícias; por outro lado, programas de entrevista, reportagem, etc. No caso das notícias, segue o registo da normalidade. A temática é a mesma dos noticiários generalistas: política, "casos", notícias-entretenimento, economia, desporto, reportagem, etc. Não houve acrescento qualitativo, só quantitativo. A SIC Notícias não quis correr riscos; o espectador tem à partida disponível um modelo conhecido de informação profissional, de fluxo informativo com o essencial da actualidade; mas, como referi antes, parece faltar qualquer coisa. Quanto aos programas, cobrem os campos habituais (economia, artes, desporto, grande reportagem), que preenchem desejos de uma parte importante do público primordial a que a SIC Notícias se destina. Há também um forte acento na política, no debate e na entrevista, domínio este com elementos contraditórios. Por um lado, o debate é mais do que bem-vindo: há anos que se sentia a falta de espaços destes na TV, complementando programas de rádio na TSF e na Rádio Renascença. Muitos espectadores tinham fome deste tipo de intervenção, nomeadamente política, omisso no CNL. A SIC Notícias apresenta vários destes programas, obrigando a "estação de serviço público" a criar na RTP2 programas do mesmo tipo. De repente, passou-se da fome à fartura. O lado negativo foi referido desde o primeiro dia por Vicente Jorge Silva no PÚBLICO (08.01): "faz alguma confusão que apareçam figuras políticas como comentadores políticos. É diferente estarem num debate político sendo políticos ou estarem como comentadores. Vai afectar sobretudo a área informativa". José Sócrates, Jorge Coelho e Paulo Portas "comentadores"? Que diabo!, uns são ministros e o outro é chefe dum partido! Esta posição dupla é promíscua dos valores e posições que as pessoas assumem na sociedade e na vida. É triste, e estranho, ter que mencionar este facto. Deveria ser natural que um membro do governo ou um líder da oposição não fossem estrelas da TV enquanto estivessem nessas funções. A promiscuidade ficou patente com a brincadeira de Jorge Coelho contra a RTP por causa de meia dúzia de segundos de reportagem em Coimbra. Para além do ridículo da queixa, que credibilidade pode ter o governante quando ele é comentador com banca montada na SIC Notícias, concorrência da RTP? O governo tem acentuado esta dependência tóxica face à informação: ministros escrevem artigos de jornais às pazadas, vão a "talk-shows" e agora aparecem como comentadores na TV. Será admirável se lhes sobrar algum tempo para governar. Quando saírem do governo, estes ministros terão que ir desintoxicar-se dessa droga que é a vontade de aparecer. É óbvio que, à míngua de comentadores independentes, deve haver responsáveis políticos nestes debates, mas nunca ministros nem líderes partidários: nos programas da TSF, e antes da Rádio Comercial, recorreu-se a deputados e dirigentes de segunda linha. Na SIC Notícias, a "overdose" de Sócrates faz ansiar pelos pré-socráticos! A SIC Notícias promove esta promiscuidade. Alguns jornalistas, à medida que sobe a sua posição social e o tu-cá-tu-lá com políticos e senhores da banca, acomodam-se ao poder, ou aos poderes. Já nem dão pela promiscuidade informativa nem pelo seu afastamento do país dos cidadãos. Num programa da SIC Notícias os jornalistas Camilo Lourenço e Nicolau Santos foram acusados por uma dirigente sindical de falarem como assessores de ministro e não como jornalistas. Este facto é bem revelador do acomodamento entre certo jornalismo e os representantes dos poderes, dos enlaçamentos que vão surgindo entre os dois lados e que - a verdade é esta - são perigosos para os espectadores. Que confiança se pode ter num órgão de informação quando ele parece amancebado com os poderes? Esta ligação promíscua aos poderes coexiste com uma grande falta de reportagem de rua. Na SIC Notícias, não se sente o país a vibrar. É um canal aburguesado, de "mocassins" durante o dia e de pantufas à noite. Há por lá dois programas com participação directa do espectador e longe da política pelo lado do poder: um deles, Opinião Pública, reproduz o Forum TSF. Todos os dias debate-se um tema actual com participação de espectadores, havendo convidados que adiantam pistas ou são parte envolvida. Mas, como em qualquer outro programa, há formas de controlo por parte de "poderes ocultos" que o espectador desconhece. Quem escolhe o tema? Quem escolhe os telefonemas que são postos no ar? Quem escolhe o comentador? Nenhum programa deste tipo "pertence" na íntegra aos espectadores. Por exemplo, no dia do Porto-Benfica para a Taça, nas Antas, o Opinião Pública foi um instrumento da estratégia comercial do canal, pois visou criar emoções e audiências. Quer as duas convidadas, aficionadas do Porto e do Benfica, Rute Marques e Cinha Jardim, quer os espectadores, não adiantaram rigorosamente nada de informativo ou opinativo ao tema do programa. Quanto ao Praça Pública, já não é aquele programa fortíssimo, vibrante, com que a SIC inovou a informação e que anos depois de ter desaparecido se manteve como referência para um enorme público fiel da SIC. Esse Praça Pública não mais voltou. O canal acomodou-se. Pode ser que a diferença seja esta: há seis anos, a SIC ajudou a deitar o governo abaixo, e ele caiu; hoje a SIC já não quer deitar governos abaixo. As televisões não têm que derrubar governos nem eleger presidentes - mas o actual regime de comodato não serve os espectadores da melhor maneira. E, por isso, muitos espectadores não sentem necessidade de ver a SIC Notícias. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Indiano reclama invento da televisão com cheiro

Mulheres, hispânicos, negros e pobres dos EUA aumentam presença na Internet

TV Hoje

Cinema em casa

Com nome próprio

ARTE colabora com cadeia holandesa NPS

OLHO VIVO

SIC notícias em comodato com os poderes

SIC Notícias em Comodato com Os Poderes

Por EDUARDO CINTRA TORRES

Segunda-feira, 26 de Fevereiro de 2001 Num país minorca como o nosso, como "aguentar" um canal televisivo de informação? Na TV, as notícias são aliciantes para os espectadores -que as ouvem e vêem sem esforço - mas dificilmente justificam canais 24 horas por dia. Primeiro, porque não há notícias que cheguem para chamar a atenção para o ecrã durante muito tempo. Segundo, porque não há imagens interessantes para uma hora, quanto mais para 24. Terceiro, porque ao exigir a atenção do espectador (por causa da imagem, coisa que não sucede com a rádio), o canal de notícias dá menos do que o que pede. Os canais de telenotícias adoptam por isso estratégias tentando manter-se continuamente interessantes, mesmo quando não há nada de novo. Não é fácil. A SIC Notícias escolheu um rumo habitual: por um lado, o acompanhamento das notícias; por outro lado, programas de entrevista, reportagem, etc. No caso das notícias, segue o registo da normalidade. A temática é a mesma dos noticiários generalistas: política, "casos", notícias-entretenimento, economia, desporto, reportagem, etc. Não houve acrescento qualitativo, só quantitativo. A SIC Notícias não quis correr riscos; o espectador tem à partida disponível um modelo conhecido de informação profissional, de fluxo informativo com o essencial da actualidade; mas, como referi antes, parece faltar qualquer coisa. Quanto aos programas, cobrem os campos habituais (economia, artes, desporto, grande reportagem), que preenchem desejos de uma parte importante do público primordial a que a SIC Notícias se destina. Há também um forte acento na política, no debate e na entrevista, domínio este com elementos contraditórios. Por um lado, o debate é mais do que bem-vindo: há anos que se sentia a falta de espaços destes na TV, complementando programas de rádio na TSF e na Rádio Renascença. Muitos espectadores tinham fome deste tipo de intervenção, nomeadamente política, omisso no CNL. A SIC Notícias apresenta vários destes programas, obrigando a "estação de serviço público" a criar na RTP2 programas do mesmo tipo. De repente, passou-se da fome à fartura. O lado negativo foi referido desde o primeiro dia por Vicente Jorge Silva no PÚBLICO (08.01): "faz alguma confusão que apareçam figuras políticas como comentadores políticos. É diferente estarem num debate político sendo políticos ou estarem como comentadores. Vai afectar sobretudo a área informativa". José Sócrates, Jorge Coelho e Paulo Portas "comentadores"? Que diabo!, uns são ministros e o outro é chefe dum partido! Esta posição dupla é promíscua dos valores e posições que as pessoas assumem na sociedade e na vida. É triste, e estranho, ter que mencionar este facto. Deveria ser natural que um membro do governo ou um líder da oposição não fossem estrelas da TV enquanto estivessem nessas funções. A promiscuidade ficou patente com a brincadeira de Jorge Coelho contra a RTP por causa de meia dúzia de segundos de reportagem em Coimbra. Para além do ridículo da queixa, que credibilidade pode ter o governante quando ele é comentador com banca montada na SIC Notícias, concorrência da RTP? O governo tem acentuado esta dependência tóxica face à informação: ministros escrevem artigos de jornais às pazadas, vão a "talk-shows" e agora aparecem como comentadores na TV. Será admirável se lhes sobrar algum tempo para governar. Quando saírem do governo, estes ministros terão que ir desintoxicar-se dessa droga que é a vontade de aparecer. É óbvio que, à míngua de comentadores independentes, deve haver responsáveis políticos nestes debates, mas nunca ministros nem líderes partidários: nos programas da TSF, e antes da Rádio Comercial, recorreu-se a deputados e dirigentes de segunda linha. Na SIC Notícias, a "overdose" de Sócrates faz ansiar pelos pré-socráticos! A SIC Notícias promove esta promiscuidade. Alguns jornalistas, à medida que sobe a sua posição social e o tu-cá-tu-lá com políticos e senhores da banca, acomodam-se ao poder, ou aos poderes. Já nem dão pela promiscuidade informativa nem pelo seu afastamento do país dos cidadãos. Num programa da SIC Notícias os jornalistas Camilo Lourenço e Nicolau Santos foram acusados por uma dirigente sindical de falarem como assessores de ministro e não como jornalistas. Este facto é bem revelador do acomodamento entre certo jornalismo e os representantes dos poderes, dos enlaçamentos que vão surgindo entre os dois lados e que - a verdade é esta - são perigosos para os espectadores. Que confiança se pode ter num órgão de informação quando ele parece amancebado com os poderes? Esta ligação promíscua aos poderes coexiste com uma grande falta de reportagem de rua. Na SIC Notícias, não se sente o país a vibrar. É um canal aburguesado, de "mocassins" durante o dia e de pantufas à noite. Há por lá dois programas com participação directa do espectador e longe da política pelo lado do poder: um deles, Opinião Pública, reproduz o Forum TSF. Todos os dias debate-se um tema actual com participação de espectadores, havendo convidados que adiantam pistas ou são parte envolvida. Mas, como em qualquer outro programa, há formas de controlo por parte de "poderes ocultos" que o espectador desconhece. Quem escolhe o tema? Quem escolhe os telefonemas que são postos no ar? Quem escolhe o comentador? Nenhum programa deste tipo "pertence" na íntegra aos espectadores. Por exemplo, no dia do Porto-Benfica para a Taça, nas Antas, o Opinião Pública foi um instrumento da estratégia comercial do canal, pois visou criar emoções e audiências. Quer as duas convidadas, aficionadas do Porto e do Benfica, Rute Marques e Cinha Jardim, quer os espectadores, não adiantaram rigorosamente nada de informativo ou opinativo ao tema do programa. Quanto ao Praça Pública, já não é aquele programa fortíssimo, vibrante, com que a SIC inovou a informação e que anos depois de ter desaparecido se manteve como referência para um enorme público fiel da SIC. Esse Praça Pública não mais voltou. O canal acomodou-se. Pode ser que a diferença seja esta: há seis anos, a SIC ajudou a deitar o governo abaixo, e ele caiu; hoje a SIC já não quer deitar governos abaixo. As televisões não têm que derrubar governos nem eleger presidentes - mas o actual regime de comodato não serve os espectadores da melhor maneira. E, por isso, muitos espectadores não sentem necessidade de ver a SIC Notícias. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Indiano reclama invento da televisão com cheiro

Mulheres, hispânicos, negros e pobres dos EUA aumentam presença na Internet

TV Hoje

Cinema em casa

Com nome próprio

ARTE colabora com cadeia holandesa NPS

OLHO VIVO

SIC notícias em comodato com os poderes

marcar artigo