O Perigo
Por EDUARDO PRADO COELHO
Quarta-feira, 13 de Dezembro de 2000 Nas vésperas da Europália, fui visitar Torga a Coimbra, na companhia da comissária belga. Ao longo da conversa, Torga quis mostrar a diversidade da natureza humana e referiu a sua experiência de médico. "Por vezes tenho que enfiar uns instrumentos pelo nariz do paciente, e o que acontece à maior parte dos meus clientes é que lhes vêm as lágrimas aos olhos. Mas os chineses, esses que vendem gravatas às esquinas, quando lhes faço a mesma coisa riem." Paulo Portas, em artigo recente, acha que o filme de Luís Filipe Rocha se vê com o maior interesse e que ele se aborrece muito é com Oliveira. Comigo sucedeu exactamente o oposto: no filme de Luís Filipe Rocha, havia longos momentos em que não encontrava nada para ver ou ouvir, no filme de Oliveira não me aborreci um só instante. Admitamos que Portas fará parte dos chineses que riem... Ou eu. Mas quando afirma que "Luís Filipe Rocha está para a gazela como Manoel de Oliveira está para o caracol", faz um tipo de afirmação que, para quem saiba minimamente de cinema, não vale de facto um caracol. É por isso que Oliveira é um dos grandes nomes que fazem a imagem internacional da cultura portuguesa - e certamente o nome do realizador português que não deixará de figurar em primeiro plano em qualquer história do cinema mundial. Mas isto toda a gente sabe - basta ler. E ver. O mais interessante é que, segundo Portas, eu estaria a criticar o filme de Luís Filipe Rocha porque teria entrevisto o "perigo" do filme. Perigo, mas para quê? A pergunta deixa-me divertidíssimo. Já o Miguel Sousa Tavares, num belíssimo texto, chamou a atenção para esta coisa de pasmar: para os que defendem a tese do atentado, os participantes no "complot", e cúmplices do silenciamento, estariam em todo o lado: da embaixada portuguesa em Londres até aos júris dos subsídios e aos críticos de cinema nas redacções dos jornais. Admito que Paulo Portas veja em "Camarate" um excelente exemplo de jornalismo de investigação - porque não? Já me parece inaceitável que confunda jornalismo de investigação com ficção de qualidade. Mas culturalmente há no seu texto um pormenor que me comove. Paulo Portas fala em "desconstrução da justiça". Esta palavra estava inteiramente esquecida quando nos anos 70 Jacques Derrida procurou traduzir para francês a noção de "Destruktion" e de "Abbau" em Heidegger e não queria usar "destruição". Lembrou-se da palavra "desconstrução" e foi ao Littré a ver se ela existia. Existia mesmo. Usou-a e deu origem a um dos importantes movimentos do pensamento contemporâneo. A palavra está tão em moda que chegou a Paulo Portas. É um sinal de esperança: de desconstrução em construção, Portas ainda há-de gostar de Oliveira. OUTROS TÍTULOS EM ÚLTIMA PÁGINA José Alberto Marques substitui Catarino
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Quarta-feira, 13 de Dezembro de 2000 Nas vésperas da Europália, fui visitar Torga a Coimbra, na companhia da comissária belga. Ao longo da conversa, Torga quis mostrar a diversidade da natureza humana e referiu a sua experiência de médico. "Por vezes tenho que enfiar uns instrumentos pelo nariz do paciente, e o que acontece à maior parte dos meus clientes é que lhes vêm as lágrimas aos olhos. Mas os chineses, esses que vendem gravatas às esquinas, quando lhes faço a mesma coisa riem." Paulo Portas, em artigo recente, acha que o filme de Luís Filipe Rocha se vê com o maior interesse e que ele se aborrece muito é com Oliveira. Comigo sucedeu exactamente o oposto: no filme de Luís Filipe Rocha, havia longos momentos em que não encontrava nada para ver ou ouvir, no filme de Oliveira não me aborreci um só instante. Admitamos que Portas fará parte dos chineses que riem... Ou eu. Mas quando afirma que "Luís Filipe Rocha está para a gazela como Manoel de Oliveira está para o caracol", faz um tipo de afirmação que, para quem saiba minimamente de cinema, não vale de facto um caracol. É por isso que Oliveira é um dos grandes nomes que fazem a imagem internacional da cultura portuguesa - e certamente o nome do realizador português que não deixará de figurar em primeiro plano em qualquer história do cinema mundial. Mas isto toda a gente sabe - basta ler. E ver. O mais interessante é que, segundo Portas, eu estaria a criticar o filme de Luís Filipe Rocha porque teria entrevisto o "perigo" do filme. Perigo, mas para quê? A pergunta deixa-me divertidíssimo. Já o Miguel Sousa Tavares, num belíssimo texto, chamou a atenção para esta coisa de pasmar: para os que defendem a tese do atentado, os participantes no "complot", e cúmplices do silenciamento, estariam em todo o lado: da embaixada portuguesa em Londres até aos júris dos subsídios e aos críticos de cinema nas redacções dos jornais. Admito que Paulo Portas veja em "Camarate" um excelente exemplo de jornalismo de investigação - porque não? Já me parece inaceitável que confunda jornalismo de investigação com ficção de qualidade. Mas culturalmente há no seu texto um pormenor que me comove. Paulo Portas fala em "desconstrução da justiça". Esta palavra estava inteiramente esquecida quando nos anos 70 Jacques Derrida procurou traduzir para francês a noção de "Destruktion" e de "Abbau" em Heidegger e não queria usar "destruição". Lembrou-se da palavra "desconstrução" e foi ao Littré a ver se ela existia. Existia mesmo. Usou-a e deu origem a um dos importantes movimentos do pensamento contemporâneo. A palavra está tão em moda que chegou a Paulo Portas. É um sinal de esperança: de desconstrução em construção, Portas ainda há-de gostar de Oliveira. OUTROS TÍTULOS EM ÚLTIMA PÁGINA José Alberto Marques substitui Catarino
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