Rectificativo condiciona debate

09-09-2001
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Rectificativo Condiciona Debate

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA E EUNICE LOURENÇO

Sexta, 29 de Junho de 2001 Guterres foi até onde podia, Durão fez o discurso que tinha de fazer. Passou mais um dia com o país político à espera da remodelação. Decididamente o dia de ontem não era o que mais convinha para o Parlamento debater o estado da nação. Pelo menos ao Governo e ao PSD. É que hoje é votado e aprovado, com a abstenção dos sociais-democratas, o orçamento do Estado rectificativo. Assim, com o debate agendado fora do tempo para a sua realização - o ideal seria depois do rectificativo e a seguir também à clarificação sobre a situação dos ministros que saem ou não saem do Governo -, António Guterres e Durão Barroso confrontaram-se no Parlamento dentro dos limites possíveis. O primeiro-ministro fez o discurso que podia fazer, tendo em conta que o relançamento de política só poderá acontecer após o rectificativo, o líder do PSD fez o discurso que tinha de fazer para não ser trucidado por Paulo Portas, líder do CDS-PP, que tem vindo a tentar colá-lo ao Governo pelo facto de ir viabilizar o orçamento rectificativo. Uma atitude política que o PSD justifica pela sua atitude de responsabilidade de Estado e de partido com vocação de poder. Pela primeira vez, Durão Barroso apresentou-se precisamente com a atitude de quem quer de facto conquistar o poder. E, para o conseguir, fez um discurso de programa de Governo alternativo. Uma proposta de governação que passou pela demarcação ideológica da política do PS, mas entrou também na enunciação concreta de alguns aspectos. Assim, ao afirmar que é preciso mudar de "modelo de governação", Durão defendeu que o Estado "se concentre nas suas funções tradicionais de soberania" e "que se assuma como verdadeiro garante, regulador e fiscalizador, deixando à sociedade tudo o que ela faz melhor". Isto sem pôr em causa uma política social, que o PSD não quer que se limite à criação de "mais sistemas públicos, com mais burocracia e com mais ineficiências, com mais desperdício". E ergueu como preocupação essencial da governação a "produtividade", única forma que vê de levar o país a aproximar-se da Europa e a tornar-se competitivo, após o que então haverá espaço para as políticas sociais. Uma estratégia que o líder parlamentar do PS, Francisco Assis, tentaria desmontar, acusando Durão de demagogia. Por seu lado, António Guterres também fez o discurso da defesa dos valores. Justificando os ajustamentos de política económica com o "abrandamento da actividade económica", o primeiro-ministro contrapôs com o que vê como "um fortíssimo ataque das forças políticas" à sua direita para o descredibilizar. Denunciando a "tese repetida à exaustão nos últimos tempos" de que "o país está em crise, à beira do abismo, com a economia a caminho do caos", o primeiro-ministro apostou em "desmontar a mitologia da catástrofe" e em rejeitar o "alarido catastrofista". Guterres tratou mesmo de acusar os que defendem para Portugal um projecto "assente no desmantelamento do Estado social e na desregulação do mercado de trabalho", dirigindo esta acusação ao PSD e o CDS-PP. Entrando pela argumentação político-ideológica e assumindo as teses sociais-democratas que enformam a política do PS, Guterres investiu, deixando, contudo, difuso o prometido ataque aos empresários: "A lógica da catástrofe, repetida à saciedade, é, de facto, o melhor argumento para a adopção das soluções radicais que muitos reclamam e que se baseiam na substituição dos traços essenciais do modelo social europeu por outros que, em nome da eficácia duvidosa, desumanizam a sociedade e limitam os direitos de cidadania. A lógica da catástrofe serve os que querem precarizar o emprego, desresponsabilizar o Estado da saúde e da segurança social, acabar com o Rendimento Mínimo Garantido." Só que a defesa dos socialistas foi feita sem grande chama, como que por um primeiro-ministro agarrado ainda a uma realidade passada, a um ciclo já fechado e sem suplemento de alma para o relançamento de um projecto. António Guterres ainda garantiu que os tempos vão mudar e tratou de fazer o balanço das medidas contidas no rectificativo e no plano de redução de despesas. Mas avisou que os tempos que vêm já não serão de "vacas gordas" e jurou: "Pela minha parte, não virei aqui dizer-vos que tudo está bem, ignorar os problemas, inventar uma versão serôdia de um qualquer oásis cor-de-rosa, só para fazer jus à já estafada memória do oásis laranja." À parte o duelo entre o primeiro-ministro e aquele que se assumiu ontem como candidato ao cargo, condicionados pela própria lógica da agenda política, o debate processou-se ainda ao nível da direita parlamentar. Durão Barroso libertou-se do risco de ser encostado às cordas por Paulo Portas, ao assumir-se como candidato ao poder e ao tratar da apresentação de um programa, ainda que em traços genéricos. E, travado pelo facto de hoje se ir abster no orçamento rectificativo, indiciou uma espécie de apelo não assumido directamente a que o Presidente da República convoque eleições. Já Paulo Portas tentou cavalgar o Governo e o PSD e fazer saltar a contradição que vê no facto de os sociais-democratas viabilizarem o rectificativo. Mas o líder do CDS-PP não conseguiu passar do discurso agressivo e cheio de truques mediáticos e revelou mesmo uma inusitada inquietação. Quanto ao PCP, Carlos Carvalhas reproduziu as críticas já manifestadas pelo comité central e nunca assumiu a co-autoria da reforma fiscal. Assim como o Bloco de Esquerda passou ao lado das propostas que aprovou com os socialistas, com Fernando Rosas a limitar-se às críticas. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Rectificativo condiciona debate

"O mundo é como é"

Durão pronto para eleições

As propostas de Durão

Guterres prepara comunicação ao país

Contra o "revivalismo cavaquista"

Falta de coragem do Governo é a causa da crise

Mulheres e petróleo

"Venha cá bater-me senhor primeiro-ministro"

Empresários preparam "nova ambição para Portugal"

Os "senadores" no Carlton

Para quê este orçamento rectificativo?

Rectificativo Condiciona Debate

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA E EUNICE LOURENÇO

Sexta, 29 de Junho de 2001 Guterres foi até onde podia, Durão fez o discurso que tinha de fazer. Passou mais um dia com o país político à espera da remodelação. Decididamente o dia de ontem não era o que mais convinha para o Parlamento debater o estado da nação. Pelo menos ao Governo e ao PSD. É que hoje é votado e aprovado, com a abstenção dos sociais-democratas, o orçamento do Estado rectificativo. Assim, com o debate agendado fora do tempo para a sua realização - o ideal seria depois do rectificativo e a seguir também à clarificação sobre a situação dos ministros que saem ou não saem do Governo -, António Guterres e Durão Barroso confrontaram-se no Parlamento dentro dos limites possíveis. O primeiro-ministro fez o discurso que podia fazer, tendo em conta que o relançamento de política só poderá acontecer após o rectificativo, o líder do PSD fez o discurso que tinha de fazer para não ser trucidado por Paulo Portas, líder do CDS-PP, que tem vindo a tentar colá-lo ao Governo pelo facto de ir viabilizar o orçamento rectificativo. Uma atitude política que o PSD justifica pela sua atitude de responsabilidade de Estado e de partido com vocação de poder. Pela primeira vez, Durão Barroso apresentou-se precisamente com a atitude de quem quer de facto conquistar o poder. E, para o conseguir, fez um discurso de programa de Governo alternativo. Uma proposta de governação que passou pela demarcação ideológica da política do PS, mas entrou também na enunciação concreta de alguns aspectos. Assim, ao afirmar que é preciso mudar de "modelo de governação", Durão defendeu que o Estado "se concentre nas suas funções tradicionais de soberania" e "que se assuma como verdadeiro garante, regulador e fiscalizador, deixando à sociedade tudo o que ela faz melhor". Isto sem pôr em causa uma política social, que o PSD não quer que se limite à criação de "mais sistemas públicos, com mais burocracia e com mais ineficiências, com mais desperdício". E ergueu como preocupação essencial da governação a "produtividade", única forma que vê de levar o país a aproximar-se da Europa e a tornar-se competitivo, após o que então haverá espaço para as políticas sociais. Uma estratégia que o líder parlamentar do PS, Francisco Assis, tentaria desmontar, acusando Durão de demagogia. Por seu lado, António Guterres também fez o discurso da defesa dos valores. Justificando os ajustamentos de política económica com o "abrandamento da actividade económica", o primeiro-ministro contrapôs com o que vê como "um fortíssimo ataque das forças políticas" à sua direita para o descredibilizar. Denunciando a "tese repetida à exaustão nos últimos tempos" de que "o país está em crise, à beira do abismo, com a economia a caminho do caos", o primeiro-ministro apostou em "desmontar a mitologia da catástrofe" e em rejeitar o "alarido catastrofista". Guterres tratou mesmo de acusar os que defendem para Portugal um projecto "assente no desmantelamento do Estado social e na desregulação do mercado de trabalho", dirigindo esta acusação ao PSD e o CDS-PP. Entrando pela argumentação político-ideológica e assumindo as teses sociais-democratas que enformam a política do PS, Guterres investiu, deixando, contudo, difuso o prometido ataque aos empresários: "A lógica da catástrofe, repetida à saciedade, é, de facto, o melhor argumento para a adopção das soluções radicais que muitos reclamam e que se baseiam na substituição dos traços essenciais do modelo social europeu por outros que, em nome da eficácia duvidosa, desumanizam a sociedade e limitam os direitos de cidadania. A lógica da catástrofe serve os que querem precarizar o emprego, desresponsabilizar o Estado da saúde e da segurança social, acabar com o Rendimento Mínimo Garantido." Só que a defesa dos socialistas foi feita sem grande chama, como que por um primeiro-ministro agarrado ainda a uma realidade passada, a um ciclo já fechado e sem suplemento de alma para o relançamento de um projecto. António Guterres ainda garantiu que os tempos vão mudar e tratou de fazer o balanço das medidas contidas no rectificativo e no plano de redução de despesas. Mas avisou que os tempos que vêm já não serão de "vacas gordas" e jurou: "Pela minha parte, não virei aqui dizer-vos que tudo está bem, ignorar os problemas, inventar uma versão serôdia de um qualquer oásis cor-de-rosa, só para fazer jus à já estafada memória do oásis laranja." À parte o duelo entre o primeiro-ministro e aquele que se assumiu ontem como candidato ao cargo, condicionados pela própria lógica da agenda política, o debate processou-se ainda ao nível da direita parlamentar. Durão Barroso libertou-se do risco de ser encostado às cordas por Paulo Portas, ao assumir-se como candidato ao poder e ao tratar da apresentação de um programa, ainda que em traços genéricos. E, travado pelo facto de hoje se ir abster no orçamento rectificativo, indiciou uma espécie de apelo não assumido directamente a que o Presidente da República convoque eleições. Já Paulo Portas tentou cavalgar o Governo e o PSD e fazer saltar a contradição que vê no facto de os sociais-democratas viabilizarem o rectificativo. Mas o líder do CDS-PP não conseguiu passar do discurso agressivo e cheio de truques mediáticos e revelou mesmo uma inusitada inquietação. Quanto ao PCP, Carlos Carvalhas reproduziu as críticas já manifestadas pelo comité central e nunca assumiu a co-autoria da reforma fiscal. Assim como o Bloco de Esquerda passou ao lado das propostas que aprovou com os socialistas, com Fernando Rosas a limitar-se às críticas. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE Rectificativo condiciona debate

"O mundo é como é"

Durão pronto para eleições

As propostas de Durão

Guterres prepara comunicação ao país

Contra o "revivalismo cavaquista"

Falta de coragem do Governo é a causa da crise

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"Venha cá bater-me senhor primeiro-ministro"

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Para quê este orçamento rectificativo?

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