EXPRESSO: Opinião

22-03-2002
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A reforma da Saúde

Paulo Pisco*

«Merece aqui uma referência especial o Artigo 26, relativamente ao qual se gerou um equívoco que importa esclarecer. Enquanto que a actual lei permite a total promiscuidade entre o exercício público e o privado, a futura define um regime de incompatibilidades entre ambos os sectores, seja através de um pedido de autorização prévia ou de qualquer outra forma, que se manterá com esta ou com outra redacção.»

A SUBSTITUIÇÃO da actual Lei de Bases da Saúde por aquela que agora está em discussão é um passo fundamental para mudar um conjunto de maus princípios e comportamentos, reforçar o Serviço Nacional de Saúde e clarificar a relação entre os seus diversos elementos e melhorar o acesso dos utentes aos hospitais e centros de saúde.

A lei até aqui em vigor, datada de 1990 e concebida no auge do cavaquismo, não só falhou rotundamente como permitiu a sedimentação de vícios nos diferentes domínios do sistema de saúde. O pecado maior da Lei de Bases da Saúde do PSD foi permitir que todo o sistema girasse em torno da actividade privada, com as óbvias vantagens pessoais daí decorrentes.

Basta ver alguns exemplos flagrantes desta lei que ainda rege o sistema de saúde: «Os médicos podem assistir nos hospitais os seus doentes privados»; «O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado em concorrência com o público»; «É facilitada a mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de Saúde que deseje trabalhar no privado e são concedidos incentivos à criação de unidades privadas de saúde», entre várias outras facilidades. Foi isto que deu origem aos abusos que hoje estão a ser alvo de inspecções e o que levou a que muitos profissionais de saúde deixassem de cumprir as suas obrigações públicas para satisfazer as suas ambições pessoais. Numa palavra, foi isto que, com a opção deliberada de estrangular a formação de profissionais de saúde, acabou por criar bloqueios no sistema, tornando-o altamente permeável a chantagens de todo o tipo.

Foi a partir destas facilidades que se criaram cumplicidades opacas entre os vários agentes da saúde, erguendo-se assim uma poderosa fortaleza povoada de intocáveis. Criou-se um sistema que se auto-regula e autofiscaliza, com um imenso poder e capacidade de influência.

Estarão aqui algumas das razões que explicam que exista entre o sistema de saúde e os cidadãos uma distância tão grande, com demoras e listas de espera inaceitáveis, e é também por isso que o Governo não deve vacilar no caminho das reformas iniciadas, aplicando as soluções mais adequadas para os diagnósticos que têm vindo a ser feitos desde há algum tempo. Já se percebeu que quando as corporações da área da saúde se agitam a pedir reformas e mudanças é porque elas estão em curso e esses grupos de pressão não as querem.

A futura Lei de Bases da Saúde do Governo do Partido Socialista tem subjacente a necessidade de acabar com estes excessos que geram injustiças e distorções no sistema e dificultam aos cidadãos o acesso a uma prestação de cuidados de saúde rápida e com qualidade.

Tem o propósito inequívoco de melhorar o funcionamento do sistema, definindo as posições e o relacionamento entre os diversos agentes e clarificando a sua actividade. É a consagração do controlo, da avaliação e da fiscalização. É a opção real e indiscutível pelo Serviço Nacional de Saúde, o que não acontece com a lei de 1990, em que ele é invocado na teoria e esvaziado na prática. Enquanto a futura lei define a sua natureza jurídica, a estrutura e as entidades que estão dependentes da sua administração, a que está ainda em vigor refugia-se em generalidades sobre a sua universalidade.

Consagra a complementaridade como uma das formas estruturantes para aproveitar a capacidade instalada no Serviço Nacional de Saúde, excluindo o conceito ainda em vigor dos sectores concorrenciais, tão do agrado dos privados.

Enquanto a actual, como atrás se referiu, dá todas as facilidades às actividades privadas na prestação de cuidados de saúde e consagra a autofiscalização e a auto-regulação, a futura condiciona a sua integração no sistema a determinados parâmetros e submete a actividade dos profissionais à fiscalização do Ministério da Saúde.

Merece aqui uma referência especial o Artigo 26, relativamente ao qual se gerou um equívoco que importa esclarecer. Enquanto que a actual lei permite a total promiscuidade entre o exercício público e o privado, a futura define um regime de incompatibilidades entre ambos os sectores, seja através de um pedido de autorização prévia ou de qualquer outra forma, que se manterá com esta ou com outra redacção. O Governo não recuou. Na imprensa é que se quis fazer passar essa ideia. É que aquele princípio é demasiado importante para se deixar cair.

* Deputado do PS

A reforma da Saúde

Paulo Pisco*

«Merece aqui uma referência especial o Artigo 26, relativamente ao qual se gerou um equívoco que importa esclarecer. Enquanto que a actual lei permite a total promiscuidade entre o exercício público e o privado, a futura define um regime de incompatibilidades entre ambos os sectores, seja através de um pedido de autorização prévia ou de qualquer outra forma, que se manterá com esta ou com outra redacção.»

A SUBSTITUIÇÃO da actual Lei de Bases da Saúde por aquela que agora está em discussão é um passo fundamental para mudar um conjunto de maus princípios e comportamentos, reforçar o Serviço Nacional de Saúde e clarificar a relação entre os seus diversos elementos e melhorar o acesso dos utentes aos hospitais e centros de saúde.

A lei até aqui em vigor, datada de 1990 e concebida no auge do cavaquismo, não só falhou rotundamente como permitiu a sedimentação de vícios nos diferentes domínios do sistema de saúde. O pecado maior da Lei de Bases da Saúde do PSD foi permitir que todo o sistema girasse em torno da actividade privada, com as óbvias vantagens pessoais daí decorrentes.

Basta ver alguns exemplos flagrantes desta lei que ainda rege o sistema de saúde: «Os médicos podem assistir nos hospitais os seus doentes privados»; «O Estado apoia o desenvolvimento do sector privado em concorrência com o público»; «É facilitada a mobilidade do pessoal do Serviço Nacional de Saúde que deseje trabalhar no privado e são concedidos incentivos à criação de unidades privadas de saúde», entre várias outras facilidades. Foi isto que deu origem aos abusos que hoje estão a ser alvo de inspecções e o que levou a que muitos profissionais de saúde deixassem de cumprir as suas obrigações públicas para satisfazer as suas ambições pessoais. Numa palavra, foi isto que, com a opção deliberada de estrangular a formação de profissionais de saúde, acabou por criar bloqueios no sistema, tornando-o altamente permeável a chantagens de todo o tipo.

Foi a partir destas facilidades que se criaram cumplicidades opacas entre os vários agentes da saúde, erguendo-se assim uma poderosa fortaleza povoada de intocáveis. Criou-se um sistema que se auto-regula e autofiscaliza, com um imenso poder e capacidade de influência.

Estarão aqui algumas das razões que explicam que exista entre o sistema de saúde e os cidadãos uma distância tão grande, com demoras e listas de espera inaceitáveis, e é também por isso que o Governo não deve vacilar no caminho das reformas iniciadas, aplicando as soluções mais adequadas para os diagnósticos que têm vindo a ser feitos desde há algum tempo. Já se percebeu que quando as corporações da área da saúde se agitam a pedir reformas e mudanças é porque elas estão em curso e esses grupos de pressão não as querem.

A futura Lei de Bases da Saúde do Governo do Partido Socialista tem subjacente a necessidade de acabar com estes excessos que geram injustiças e distorções no sistema e dificultam aos cidadãos o acesso a uma prestação de cuidados de saúde rápida e com qualidade.

Tem o propósito inequívoco de melhorar o funcionamento do sistema, definindo as posições e o relacionamento entre os diversos agentes e clarificando a sua actividade. É a consagração do controlo, da avaliação e da fiscalização. É a opção real e indiscutível pelo Serviço Nacional de Saúde, o que não acontece com a lei de 1990, em que ele é invocado na teoria e esvaziado na prática. Enquanto a futura lei define a sua natureza jurídica, a estrutura e as entidades que estão dependentes da sua administração, a que está ainda em vigor refugia-se em generalidades sobre a sua universalidade.

Consagra a complementaridade como uma das formas estruturantes para aproveitar a capacidade instalada no Serviço Nacional de Saúde, excluindo o conceito ainda em vigor dos sectores concorrenciais, tão do agrado dos privados.

Enquanto a actual, como atrás se referiu, dá todas as facilidades às actividades privadas na prestação de cuidados de saúde e consagra a autofiscalização e a auto-regulação, a futura condiciona a sua integração no sistema a determinados parâmetros e submete a actividade dos profissionais à fiscalização do Ministério da Saúde.

Merece aqui uma referência especial o Artigo 26, relativamente ao qual se gerou um equívoco que importa esclarecer. Enquanto que a actual lei permite a total promiscuidade entre o exercício público e o privado, a futura define um regime de incompatibilidades entre ambos os sectores, seja através de um pedido de autorização prévia ou de qualquer outra forma, que se manterá com esta ou com outra redacção. O Governo não recuou. Na imprensa é que se quis fazer passar essa ideia. É que aquele princípio é demasiado importante para se deixar cair.

* Deputado do PS

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