«Avante!» Nº 1425

06-03-2002
marcar artigo

O jovem Abranhos

ACTUAL • José Casanova

O novo e jovem ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Paulo Pedroso, deu entrevista ao «JN». Fê-lo no mesmo registo e recorrendo ao mesmo tipo de discurso que utilizou há cerca de um mês – era, então, secretário de Estado – para desmentir o conteúdo de uma célebre reunião que realizou em Évora com os governadores civis do Alentejo e que o «Público» divulgou. Tratava-se de «uma discussão sobre os programas ocupacionais, as verbas e a sua distribuição» mas que, segundo um técnico da Câmara de Évora convocado por lapso para a dita reunião, foi «balizada, explicitamente, pelas necessidades eleitorais do PS relativamente às eleições autárquicas de 2001, tendo estes programas sido referidos como uma importante arma política do PS para obter vitórias eleitorais». O desmentido de Paulo Pedroso - «Não gravei a reunião mas não creio ter dito isso» (...) «isso é uma visão completamente distorcida da maneira como a questão foi colocada»... – é modelar e é caso para dizer que quem fala assim não só não é gago como merece promoção imediata.

Ei-lo, por isso, ministro entrevistado.

À pergunta sobre se os trabalhadores portugueses podem sonhar com salários europeus respondeu: «Temos que ser muito realistas nessa matéria e não ceder a demagogias imediatistas», o que, traduzido para português, significa que os trabalhadores portugueses continuarão a ser os mais mal pagos da União Europeia. E face à observação da entrevistadora de que «as pessoas se sentem cada vez mais distantes» dos salários europeus, o ministro precisou: «Mais distantes não estão. O que está a aumentar é o nosso sentimento dessa distância». (Bom, se é só o sentimento...). E o jovem ministro acrescentou, luminar e piedoso: «Claro que a ambição colectiva deve ser a de melhorar as condições de vida para todos. Mas isso só é possível sem se prometer o Céu hoje para se ter o Inferno depois de amanhã». Há que reconhecer que a tirada é sublime, que estamos perante um pedaço de oratória digno dos nossos maiores tribunos. Dir-se-ia, até, que o jovem ministro mais parece andar pelos cento e tal anos de idade: que me lembre, semelhante elevação e profundidade só a encontramos no jovem conde de Abranhos quando, de social inflamado, proclamou: «Não podemos dar ao operário o pão na terra, mas obrigando-o a cultivar a fé, preparamos-lhe no Céu banquetes de Luz e de Bem-aventurança». Nem mais.

«Avante!» Nº 1425 - 22.Março.2001

O jovem Abranhos

ACTUAL • José Casanova

O novo e jovem ministro do Trabalho e da Solidariedade Social, Paulo Pedroso, deu entrevista ao «JN». Fê-lo no mesmo registo e recorrendo ao mesmo tipo de discurso que utilizou há cerca de um mês – era, então, secretário de Estado – para desmentir o conteúdo de uma célebre reunião que realizou em Évora com os governadores civis do Alentejo e que o «Público» divulgou. Tratava-se de «uma discussão sobre os programas ocupacionais, as verbas e a sua distribuição» mas que, segundo um técnico da Câmara de Évora convocado por lapso para a dita reunião, foi «balizada, explicitamente, pelas necessidades eleitorais do PS relativamente às eleições autárquicas de 2001, tendo estes programas sido referidos como uma importante arma política do PS para obter vitórias eleitorais». O desmentido de Paulo Pedroso - «Não gravei a reunião mas não creio ter dito isso» (...) «isso é uma visão completamente distorcida da maneira como a questão foi colocada»... – é modelar e é caso para dizer que quem fala assim não só não é gago como merece promoção imediata.

Ei-lo, por isso, ministro entrevistado.

À pergunta sobre se os trabalhadores portugueses podem sonhar com salários europeus respondeu: «Temos que ser muito realistas nessa matéria e não ceder a demagogias imediatistas», o que, traduzido para português, significa que os trabalhadores portugueses continuarão a ser os mais mal pagos da União Europeia. E face à observação da entrevistadora de que «as pessoas se sentem cada vez mais distantes» dos salários europeus, o ministro precisou: «Mais distantes não estão. O que está a aumentar é o nosso sentimento dessa distância». (Bom, se é só o sentimento...). E o jovem ministro acrescentou, luminar e piedoso: «Claro que a ambição colectiva deve ser a de melhorar as condições de vida para todos. Mas isso só é possível sem se prometer o Céu hoje para se ter o Inferno depois de amanhã». Há que reconhecer que a tirada é sublime, que estamos perante um pedaço de oratória digno dos nossos maiores tribunos. Dir-se-ia, até, que o jovem ministro mais parece andar pelos cento e tal anos de idade: que me lembre, semelhante elevação e profundidade só a encontramos no jovem conde de Abranhos quando, de social inflamado, proclamou: «Não podemos dar ao operário o pão na terra, mas obrigando-o a cultivar a fé, preparamos-lhe no Céu banquetes de Luz e de Bem-aventurança». Nem mais.

«Avante!» Nº 1425 - 22.Março.2001

marcar artigo