EXPRESSO: Opinião

23-07-2001
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17/3/2001

OPINIÃO

A espada fiscal Patinha Antão

«Pina Moura desembainhou a espada fiscal, arrastando Guterres para uma aventura de consequências para ambos imprevisíveis. Pode um primeiro-ministro pouco perceber de política fiscal, se coabitar com um ministro das Finanças que a conheça bem; mas quando este é aprendiz de feiticeiro, e quer mostrar serviço para sobreviver, bem pode aquele temer o pior.» SE ME colocarem entre a espada e a parede, prefiro a espada», advertiu Guterres, no início do seu segundo mandato. Mas, fosse pela imagem conciliatória até então cultivada ou pelo episódio subsequente do OE «limiano», o país não levou a ameaça a sério. Porém, Pina Moura percebeu que estava ali o pretexto para sobreviver nas Finanças, depois de perder, duplamente, a Economia - o ministério, primeiro, e a convergência com a Europa, depois. E desembainhou a espada fiscal, arrastando Guterres para uma aventura de consequências para ambos imprevisíveis. Pode um primeiro-ministro pouco perceber de política fiscal, se coabitar com um ministro das Finanças que a conheça bem; mas quando este é aprendiz de feiticeiro, e quer mostrar serviço para sobreviver, bem pode aquele temer o pior. A competitividade fiscal do país foi-se e, com ela, a capacidade de atrair o grande investimento directo, nacional ou estrangeiro - com a abolição do diferimento do imposto de mais-valias e a invenção de um regime de preços de transferência próprio de um país exportador de multinacionais. A Bolsa, de pequena, ruma a uma dimensão paroquial, com a deserção de emitentes e investidores que Pina Moura persegue como inimigos de classe - impedindo os bancos de titularizar créditos, as empresas de emitir obrigações e realizar aumentos de capital e a poupança privada de obter tratamento fiscal equivalente ao da média europeia e ao do consumo interno. E toda a pequena actividade empresarial ou afim passou a ser suspeita de evasão fiscal e merecedora do castigo de um regime simplificado tosco, inconstitucional e com erros de paralaxe. Previ, há dois meses, uma revolta fiscal surda e parece que não me enganei - conseguir a condenação uníssona da AEP, AIP, CCP, CTP, é obra; conseguir, também, a reprovação das autoridades da Bolsa , aumenta a proeza; e conseguir, ainda, penalizar os rendimentos débeis de pequenos empresários, mediadores de seguros, estudantes explicadores e pré-reformados é a entrada directa no Guinness. Guterres já deve ter percebido o logro em que caiu e o perigo em que se meteu. E daí as duas primeiras «interpretações criativas» da lei para acalmar a indignação que já ia na praça pública - o novo regime deixa de ser aplicado aos pré-reformados actuais e só atingirá os futuros; e os actos isolados passam a abranger toda a facturação em recibo verde que não atinja a colecta mínima de 469 contos (o que, como diria Jorge Coelho, «safa» o estudante explicador mas não o mediador de seguros). Porque é que os industriais, empresários de serviços e viúvas donas de comércios - de pequena dimensão, mas com contabilidade organizada e tributados pelo lucro real (e por maioria de razão, o farmacêutico que a lei obriga a trabalhar na farmácia ) - deixam agora de poder deduzir ao lucro da sua empresa o salário do seu trabalho e de familiares seus empregados? Porque é que se quer acabar com o que resta da pequena empresa agrícola (da courela minhota à pecuária beirã e ao silvicultor de medronho algarvio), nestes cruéis tempos de vacas loucas e febres aftosas, com três estocadas fiscais, qual delas a mais gravosa? Acabou Pina Moura com o regime especial para as empresas agrícolas que isentava de IRC as que tivessem vendas inferiores a 3 mil contos e tributava as restantes por 40% da taxa normal de IRC . Acabou, também, com a isenção da tributação dos subsídios comunitários por redução forçada da actividade agrícola ou para reinvestimento florestal. E, por último ( como o Governo já há um ano sabia), o Tribunal de Justiça da UE acaba de condenar o Estado português obrigando-o a aplicar a taxa de IVA normal de 17% (em vez da taxa reduzida de 5%) aos vinhos e às alfaias e máquinas agrícolas. Tudo junto, Pina Moura põe, contra a parede, aí uns 90% dos 800 mil contribuintes deste universo - para tributar, pouco, o escasso peixe, grande evasor, que aí se abriga, sabendo toda a gente que os grandes cardumes do mesmo navegam noutras águas - em nome de quê ? De uma defunta e marxiana tese de iniquidade entre o Trabalho e o Capital, em tempos de capital humano e mercado único ? Bem pode Guterres voltar a embainhar a espada fiscal e desfazer mais estas e outras asneiras. Mas alguém terá que vir a fazer haraquiri. Até porque ter que esperar por um novo governo, para se fazer uma verdadeira reforma fiscal, também dói. E-mail: mpantao@ip.pt

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

3 comentários 1 a 3

21 Março 2001 às 18:24

José Ferreira ( zeluiz@pop.agri.ch )

Este Patinha Antão é dos tais para quem os impostos têm de ser "competitivos" antes de serem justos. Senão, os empresários fogem, que horror!

Só resta saber para onde.

Mas eu também sou a favor dos impostos competitivos. E a tal ponto que não me repugnaria que as empresas pagassem muito menos impostos do que pagam, ou até que não pagassem nenhuns: mais a favor da competitividade não se pode ser.

Mas atenção: uma coisa são as empresas, outra muito diferente são os empresários. E estes, tal como os profissionais liberais, têm de começar a pagar impostos como os outros cidadãos.

E não se iluda, Patinha Antão: diga você o que disser, façam os empresários as ameaças e as chantagens que fizerem, os cidadãos votantes deste país só consentirão em impostos mais competitivos se primeiro tiverem impostos mais justos. Mas mesmo muito mais justos.

19 Março 2001 às 23:33

Ai, tantas desgraças meu Deus.

O Mundo vai acabar só porque os senhores das AEP, AIP, CCP e CTP vão ter de pagar uns impostositos. Não estavam habituados coitados. Ai, senhor, tão intrépidos empresários mas não vão para lá onde eles dizem que as condições fiscais são uma maravilha. Preferem ficar cá e pagar, vá lá a gente compreender, estou tão comovido.

Vejam lá, o sacrificio que eles vão fazer!

Vão ter de pagar mais de sete contos!

Isso não se faz, que coisa terrível?

E depois, como podem manter as amantes, as prostitutas, os iates, comprar apartamentos para os filhinhos das mulheres e das outras, que coisa terrível, não se faz!

E depois este costa, vejam bem, é do PS, mas não deste que está cheio de submarinos, ai senhor, a marinha tem o problema resolvido...

18 Março 2001 às 3:06

c.costa

Foi com prazer que li este trabalho ,que põe no papel aquilo que sinto . Sou professor do ensino particular ( com paralelismo pedagógico ) , gostaria de poder ler um artigo escrito por a mesma pessoa.

p.s. - sou do PS , mas não deste, cheio de "comunistas".

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A espada fiscal Patinha Antão

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21 Março 2001 às 18:24

José Ferreira ( zeluiz@pop.agri.ch )

Este Patinha Antão é dos tais para quem os impostos têm de ser "competitivos" antes de serem justos. Senão, os empresários fogem, que horror!

Só resta saber para onde.

Mas eu também sou a favor dos impostos competitivos. E a tal ponto que não me repugnaria que as empresas pagassem muito menos impostos do que pagam, ou até que não pagassem nenhuns: mais a favor da competitividade não se pode ser.

Mas atenção: uma coisa são as empresas, outra muito diferente são os empresários. E estes, tal como os profissionais liberais, têm de começar a pagar impostos como os outros cidadãos.

E não se iluda, Patinha Antão: diga você o que disser, façam os empresários as ameaças e as chantagens que fizerem, os cidadãos votantes deste país só consentirão em impostos mais competitivos se primeiro tiverem impostos mais justos. Mas mesmo muito mais justos.

19 Março 2001 às 23:33

Ai, tantas desgraças meu Deus.

O Mundo vai acabar só porque os senhores das AEP, AIP, CCP e CTP vão ter de pagar uns impostositos. Não estavam habituados coitados. Ai, senhor, tão intrépidos empresários mas não vão para lá onde eles dizem que as condições fiscais são uma maravilha. Preferem ficar cá e pagar, vá lá a gente compreender, estou tão comovido.

Vejam lá, o sacrificio que eles vão fazer!

Vão ter de pagar mais de sete contos!

Isso não se faz, que coisa terrível?

E depois, como podem manter as amantes, as prostitutas, os iates, comprar apartamentos para os filhinhos das mulheres e das outras, que coisa terrível, não se faz!

E depois este costa, vejam bem, é do PS, mas não deste que está cheio de submarinos, ai senhor, a marinha tem o problema resolvido...

18 Março 2001 às 3:06

c.costa

Foi com prazer que li este trabalho ,que põe no papel aquilo que sinto . Sou professor do ensino particular ( com paralelismo pedagógico ) , gostaria de poder ler um artigo escrito por a mesma pessoa.

p.s. - sou do PS , mas não deste, cheio de "comunistas".

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