Ausências de primeiro plano

30-05-2000
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Manifestante da Falungong detida em Macau: os mais de vinte activistas anti-China detidos foram recambiados para os respectivos países

Apesar de poder ter causado estranheza o facto de Almeida Santos não ter participado na cerimónia - tendo sido representado por Narana Coissoró - a explicação para a sua ausência deve-se a razões de Estado. Nas ausências do Presidente da República «tem de ficar o número dois da hierarquia do Estado» a substituí-lo, nas palavras de um assessor de Almeida Santos. E, em termos constitucionais, o número dois é o presidente da Assembleia.

Neste caso, se à chegada a Macau o Presidente estava em território nacional, logo que a soberania passou para a China o número um da hierarquia do Estado passa a estar ausente do país. E, aí, tem de ser substituído por Almeida Santos, que teria de estar em território nacional.

Facto que também suscitou algumas interrogações foi o de Almeida Santos ter sido representado por Narana Coissoró, o vice-presidente da Assembleia designado pelo 4º partido com assento parlamentar. De acordo com o mesmo assessor do presidente da Assembleia, os restantes três vice-presidentes, Manuel Alegre, Mota Amaral e João Amaral, ou não tinham disponibilidade para ir ou «tinham estado em Macau há pouco tempo». Daí o convite a Narana Coissoró.

Já Durão Barroso não se deslocou a Macau porque é contra a sobrerepresentação, considerando que no território já estava toda a hierarquia do Estado. Para o líder do PSD, a presença de membros do seu partido como Cavaco Silva, Pinto Balsemão, Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes ou Fernando Seara fez com que o partido estivesse devidamente representado nas cerimónias. Outro motivo que o levou a ficar foi o aniversário da mãe, no dia 19.

Paulo Portas, por último, invocou razões de agenda - que, como fez questão de sublinhar, «não é ditada pelo politicamente correcto» - para não se deslocar a Macau. O líder do PP, que levou a cabo um debate parlamentar, no passado dia 14, sobre a transição da soberania do território, considera que «o arriar da bandeira nacional em Macau não deve ser motivo de celebração com muita festa».

Manifestantes recambiados

Entretanto, os vinte e três membros da Falungong, seita mística banida na China, que foram detidos pela PSP quando se manifestavam no passado dia 19 na rotunda em frente ao Casino Lisboa, em Macau, foram libertados e «devolvidos» aos seus países de origem.

Os seguidores da Falungong manifestavam-se na manhã do dia da transferência da soberania de Macau para a República Popular da China com cartazes, exigindo a legalização da seita e a libertação dos seus companheiros presos em solo chinês. Porém, alguns minutos depois de se terem reunido, a PSP interveio, detendo os manifestantes e conduzindo-os à esquadra de comando para identificação. Alguns seriam libertados no próprio dia e recambiados para Hong Kong, enquanto outros só seriam libertados no dia seguinte.

Os manifestantes eram todos oriundos de países e territórios limítrofes. Entre eles encontravam-se alguns que nos últimos dias tinham chegado, via Hong Kong, do Japão, França, Nova Zelândia e Coreia do Sul.

No próprio dia da manifestação, as autoridades fronteiriças detentoras de uma «lista negra», contendo os nomes de seguidores da seita, ainda conseguiram impedir a entrada em Macau a alguns elementos, entre os quais dois jornalistas (um japonês e um chinês) residentes nos Estados Unidos, que, no terminal marítimo de Macau, foram obrigados a regressar a Hong Kong.

Jorge Sampaio, mal teve conhecimento da manifestação, ainda terá tentado junto do governador Rocha Vieira evitar qualquer intervenção policial. Mas sem sucesso.

Por seu turno, o primeiro-ministro, António Guterres, instado pela comunicação social sobre o assunto, preferiu evitar comentários, sublinhando apenas a sua confiança no cumprimento pelas novas autoridades da Região Administrativa Especial dos princípios básicos da liberdade de expressão, reunião e manifestação inscritos nos pactos ratificados por Portugal e pela China sobre Macau.

Como justificação para a intervenção policial da manhã do dia 19, as autoridades alegaram que se tratava de uma manifestação não autorizada - razão que levou à detenção dos manifestantes.

Além dos detidos da Falungong, a polícia deteve também, à tarde, elementos da Comuna de Pedra, grupo artístico de Hong Kong que tentava levar a efeito uma manifestação coreografada no Largo do Leal Senado.

Tal como os primeiros, também estes seriam identificados e posteriormente recambiados para o território vizinho.

Edmund Ho com plano de segurança

Na sua primeira conferência de imprensa realizada na tarde do passado dia 20, o chefe do Executivo da Região Administrativa de Macau, Edmund Ho, comentou ambos os casos mostrando-se solidário com a actuação policial.

A polícia deve actuar com determinação sempre que a lei for violada em Macau, sublinhou Edmund Ho, que acrescentou a propósito que o novo secretário-adjunto para a Segurança possui já um plano completo que será em breve executado na área da segurança pública, sector que o sucessor de Rocha Vieira afirma querer ver melhorado a curto prazo.

Do plano consta nomeadamente uma proposta de lei que em breve baixará à Assembleia Legislativa destinada a ampliar os poderes do Alto Comissariado Contra a Corrupção e Ilegalidade Administrativa.

Até aqui, este órgão limitava em grande parte a sua acção à área da provedoria. O novo projecto, porém, visa potenciar as suas competências na área da investigação policial dirigida essencialmente ao combate contra a corrupção no seio das forças policiais e de segurança.

Na sequência da guerra entre as seitas que provocou este ano já um número recorde de casos de homicídio, Edmund Ho afirmou desde logo ser a segurança a primeira prioridade do seu governo, tendo, nomeadamente, feito logo no primeiro dia da sua governação um aviso directo. «Dei instruções a todos os polícias para agirem como verdadeiros polícias», declarou Ho.

Seja como for, o certo é que a repressão policial sobre a Falungong e a Comuna de Pedra de Hong Kong foi levada a efeito ainda sob as ordens das autoridades portuguesas, isentando Edmund Ho, que continua a afirmar-se um defensor estrénuo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos de Macau consignados na Lei Básica, que constitui a lei fundamental da Região Administrativa da República Popular da China em que Macau se transformou à meia-noite do passado dia 19.

TERESA OLIVEIRA

com JOÃO GUEDES,correspondente em Macau

Manifestante da Falungong detida em Macau: os mais de vinte activistas anti-China detidos foram recambiados para os respectivos países

Apesar de poder ter causado estranheza o facto de Almeida Santos não ter participado na cerimónia - tendo sido representado por Narana Coissoró - a explicação para a sua ausência deve-se a razões de Estado. Nas ausências do Presidente da República «tem de ficar o número dois da hierarquia do Estado» a substituí-lo, nas palavras de um assessor de Almeida Santos. E, em termos constitucionais, o número dois é o presidente da Assembleia.

Neste caso, se à chegada a Macau o Presidente estava em território nacional, logo que a soberania passou para a China o número um da hierarquia do Estado passa a estar ausente do país. E, aí, tem de ser substituído por Almeida Santos, que teria de estar em território nacional.

Facto que também suscitou algumas interrogações foi o de Almeida Santos ter sido representado por Narana Coissoró, o vice-presidente da Assembleia designado pelo 4º partido com assento parlamentar. De acordo com o mesmo assessor do presidente da Assembleia, os restantes três vice-presidentes, Manuel Alegre, Mota Amaral e João Amaral, ou não tinham disponibilidade para ir ou «tinham estado em Macau há pouco tempo». Daí o convite a Narana Coissoró.

Já Durão Barroso não se deslocou a Macau porque é contra a sobrerepresentação, considerando que no território já estava toda a hierarquia do Estado. Para o líder do PSD, a presença de membros do seu partido como Cavaco Silva, Pinto Balsemão, Manuela Ferreira Leite, Marques Mendes ou Fernando Seara fez com que o partido estivesse devidamente representado nas cerimónias. Outro motivo que o levou a ficar foi o aniversário da mãe, no dia 19.

Paulo Portas, por último, invocou razões de agenda - que, como fez questão de sublinhar, «não é ditada pelo politicamente correcto» - para não se deslocar a Macau. O líder do PP, que levou a cabo um debate parlamentar, no passado dia 14, sobre a transição da soberania do território, considera que «o arriar da bandeira nacional em Macau não deve ser motivo de celebração com muita festa».

Manifestantes recambiados

Entretanto, os vinte e três membros da Falungong, seita mística banida na China, que foram detidos pela PSP quando se manifestavam no passado dia 19 na rotunda em frente ao Casino Lisboa, em Macau, foram libertados e «devolvidos» aos seus países de origem.

Os seguidores da Falungong manifestavam-se na manhã do dia da transferência da soberania de Macau para a República Popular da China com cartazes, exigindo a legalização da seita e a libertação dos seus companheiros presos em solo chinês. Porém, alguns minutos depois de se terem reunido, a PSP interveio, detendo os manifestantes e conduzindo-os à esquadra de comando para identificação. Alguns seriam libertados no próprio dia e recambiados para Hong Kong, enquanto outros só seriam libertados no dia seguinte.

Os manifestantes eram todos oriundos de países e territórios limítrofes. Entre eles encontravam-se alguns que nos últimos dias tinham chegado, via Hong Kong, do Japão, França, Nova Zelândia e Coreia do Sul.

No próprio dia da manifestação, as autoridades fronteiriças detentoras de uma «lista negra», contendo os nomes de seguidores da seita, ainda conseguiram impedir a entrada em Macau a alguns elementos, entre os quais dois jornalistas (um japonês e um chinês) residentes nos Estados Unidos, que, no terminal marítimo de Macau, foram obrigados a regressar a Hong Kong.

Jorge Sampaio, mal teve conhecimento da manifestação, ainda terá tentado junto do governador Rocha Vieira evitar qualquer intervenção policial. Mas sem sucesso.

Por seu turno, o primeiro-ministro, António Guterres, instado pela comunicação social sobre o assunto, preferiu evitar comentários, sublinhando apenas a sua confiança no cumprimento pelas novas autoridades da Região Administrativa Especial dos princípios básicos da liberdade de expressão, reunião e manifestação inscritos nos pactos ratificados por Portugal e pela China sobre Macau.

Como justificação para a intervenção policial da manhã do dia 19, as autoridades alegaram que se tratava de uma manifestação não autorizada - razão que levou à detenção dos manifestantes.

Além dos detidos da Falungong, a polícia deteve também, à tarde, elementos da Comuna de Pedra, grupo artístico de Hong Kong que tentava levar a efeito uma manifestação coreografada no Largo do Leal Senado.

Tal como os primeiros, também estes seriam identificados e posteriormente recambiados para o território vizinho.

Edmund Ho com plano de segurança

Na sua primeira conferência de imprensa realizada na tarde do passado dia 20, o chefe do Executivo da Região Administrativa de Macau, Edmund Ho, comentou ambos os casos mostrando-se solidário com a actuação policial.

A polícia deve actuar com determinação sempre que a lei for violada em Macau, sublinhou Edmund Ho, que acrescentou a propósito que o novo secretário-adjunto para a Segurança possui já um plano completo que será em breve executado na área da segurança pública, sector que o sucessor de Rocha Vieira afirma querer ver melhorado a curto prazo.

Do plano consta nomeadamente uma proposta de lei que em breve baixará à Assembleia Legislativa destinada a ampliar os poderes do Alto Comissariado Contra a Corrupção e Ilegalidade Administrativa.

Até aqui, este órgão limitava em grande parte a sua acção à área da provedoria. O novo projecto, porém, visa potenciar as suas competências na área da investigação policial dirigida essencialmente ao combate contra a corrupção no seio das forças policiais e de segurança.

Na sequência da guerra entre as seitas que provocou este ano já um número recorde de casos de homicídio, Edmund Ho afirmou desde logo ser a segurança a primeira prioridade do seu governo, tendo, nomeadamente, feito logo no primeiro dia da sua governação um aviso directo. «Dei instruções a todos os polícias para agirem como verdadeiros polícias», declarou Ho.

Seja como for, o certo é que a repressão policial sobre a Falungong e a Comuna de Pedra de Hong Kong foi levada a efeito ainda sob as ordens das autoridades portuguesas, isentando Edmund Ho, que continua a afirmar-se um defensor estrénuo dos direitos, liberdades e garantias dos cidadãos de Macau consignados na Lei Básica, que constitui a lei fundamental da Região Administrativa da República Popular da China em que Macau se transformou à meia-noite do passado dia 19.

TERESA OLIVEIRA

com JOÃO GUEDES,correspondente em Macau

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