Portugal Online!

11-02-2002
marcar artigo

crónicas

¤ entrevistas

¤ etiqueta

¤ notícias

¤ programas

¤ receitas

¤ restaurantes

¤ roteiros

¤ vinhos

¤ pesquisa

Restaurantes

Receitas

Outras Secções

Limite minimo de 3 caracteres para a pesquisa

¤ roteiro

Conheça Lagos. Uma das terras mais preservadas do Alentejo.

> Serviço Português de Gastronomia > Entrevistas Você está aqui:

Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo Rebelo de Sousa aprecia a cozinha tradicional portuguesa, sobretudo da região Norte e do Minho. Da mesa tira grandes prazeres e já foi à mesa que contribui para grandes decisões da vida política nacional e partidária.

SPG/SAPO - O que pensa da cozinha portuguesa?

Marcelo Rebelo de Sousa - Penso muito bem. Note que tendo uma raiz minhota, pelo lado do meu pai, e uma raiz beirã, pelo lado da minha mãe, a raiz minhota acabou por ser mais forte e prevalecer. No entanto, qualquer delas preserva a cozinha antiga, de qualidade e felizmente temos hoje especialistas que teorizam à cerca da cozinha portuguesa e até se mantém restaurantes que fazem questão em cultivar a cozinha portuguesa, resistindo a uma moda que parecia avassaladora, nos inícios dos anos 60 e 70 por exemplo, da cozinha francesa. Os hotéis fizeram essa opção e juntaram à cozinha tradicional uma cozinha americanizada, com um conjunto de pratos prontos a servir, aparentemente apetecíveis.

SPG/SAPO - Como país de serviços que somos, acha que estamos sensibilizados para a gastronomia tradicional?

Marcelo Rebelo de Sousa - O nosso turismo começou por ser, quer o turismo interno quer o externo, um turismo de veraneio. Num ou noutro caso um turismo de conhecimento de locais de natureza histórica, cultural e em muitos casos até com uma componente religiosa. Muitas vezes a gastronomia esteve associada a esse turismo sem termos a noção disso, um turismo gastronómico sem ser tratado enquanto tal. Já no tempo da ditadura, com António Ferro, e depois mais tarde, houve algumas iniciativas que tiveram o poder, por exemplo nas Pousadas de Portugal, de valorizar a cozinha portuguesa, obrigando a servir alguns pratos típicos. Houve por isso uma habituação de encontrar em alguns locais do país uma cozinha regional. Deu-se um grande salto dado em democracia, já no final do século passado, quando se começou a compreender que havia pessoas que faziam turismo gastronómico. Dando uma grande importância à componente gastronómica no turismo em geral. Cada vez mais, há um certo nível de qualidade. Quer o português, quer o estrangeiro, viaja para certos locais com o objectivo de comer bem. Há certas pessoas que vão a certos restaurantes de referência, mesmo longe, para comer determinados pratos.

SPG/SAPO - Não lhe parece que nesta área a formação profissional tem sido pouco eficaz?

Marcelo Rebelo de Sousa - O problema é duplo. Em primeiro lugar há um problema que é comum em toda a Europa, que é a alta rotação na profissão. Os profissionais entram e saem rapidamente. Essa precariedade, muitas vezes com recurso a muito pessoal estrangeiro, leva a que não haja tempo para a formação. Em segundo lugar, a sensação que eu tenho é que a formação, tanto na restauração como na hotelaria, é feita para a cozinha internacional, sendo um pouco esquecida a cozinha portuguesa. Os meus próprios filhos perderam, em muitos casos, o que é típico das pessoas que vivem na zona da Grande Lisboa, o contactos com os pratos tradicionais portugueses. É mesmo um problema de ruptura cultural.

SPG/SAPO - Como é que o professor relaciona a gastronomia com os amigos, os negócios, a política?

Marcelo Rebelo de Sousa - A mesa é fundamental. Embora os hábitos de vida, o fim do almoço em casa, a televisão, o trânsito, tirem tempo para estar à mesa. No entanto ainda é um prazer estar à mesa. Faz parte da nossa maneira de ser portuguesa.

SPG/SAPO - O que é que pensa da chamada comida de plástico? Marcelo Rebelo de Sousa - Eu sou uma vítima da chamada comida de plástico. Quer na medida em que andei muito na política, e na política tem que se comer muito, e para grandes massas só é possível fazer comida sem grande requinte e sobretudo, com os horários que eu tenho, é necessário recorrer muitas vezes a uma alimentação rápida. Quando tenho um almoço ou jantar mais rápido eu defendo-me na outra refeição. Como muita fruta.

SPG/SAPO - Quais são os pratos que mais gosta?

Marcelo Rebelo de Sousa - Por uma tradição familiar prefiro pratos nortenhos. Gosto muito de cozido, com os diferentes tipos de carne, de enchidos. Gosto muito de dobrada, de pratos de sarrabulho. Também tenho vindo a gostar cada vez mais de peixe. Mas gosto muito de pratos no forno, do anho pascal. Gosto de arroz, de açorda, de cataplana, e gosto mesmo de misturar pratos de carne com peixe.

SPG/SAPO - Gosta de cozinhar?

Marcelo Rebelo de Sousa - Gosto. Mas não sou um grande cozinheiro. Sou muito básico naquilo que faço. Tenho falta de tempo para a cozinha. Cozinhar, comer e beber é um acto de cultura. Sei cozinhar aquelas coisas básicas, bife à café, vários tipos de bife. Gosto de peixe com molho branco, mas confesso que coisas mais requintadas sou incapaz de fazer.

SPG/SAPO - Tem alguma preocupação com o que come, evita comer alguns alimentos?

Marcelo Rebelo de Sousa - A minha grande regra é a da não acumulação de refeições. Para mim, mais do que comer muito em certos momentos ou beber um pouco mais é não faze-lo em refeições consecutivas. Se tenho um almoço pesado, o jantar é ligeiro. Tenho sempre um pequeno almoço ligeiro, que normalmente é sempre composto de fruta. Se bebo um pouco mais ao jantar ao almoço não bebo. Tento evitar o processo cumulativo. Gosto de pão, gosto de comer pão com azeite e normalmente como manteiga sem sal. Adoro vegetais. Em casa, quando quero fazer uma quebra às refeições muito pesadas, faço uma refeição baseada em vegetais. Como tarte de espinafres, de brócolos, de espargos.

SPG/SAPO - Qual é a região que considera mais rica em termos gastronómicos?

Marcelo Rebelo de Sousa - São todas. Eu ia dizer o Minho, mas chega-se ao Porto e come-se muito bem, em Trás-os-Montes é diferente, mas muito bom. Até nas ilhas se come muito bem, assim como no centro. Onde se come pior é em Lisboa. Não há tradição. Há bons restaurantes mas proporcionalmente em menos quantidade do que no resto do país.

SPG/SAPO - O que é que mais e menos aprecia num restaurante?

Marcelo Rebelo de Sousa - O ambiente é para mim uma das coisas mais importantes. Eu gosto de comer ao ar livre, mas mesmo em espaços fechados onde a decoração, ambiente, o clima que proporcionam é agradável isso é um bom começo. Nós infelizmente somos muito irregulares. Encontramos uma simpatia sem limites no Minho, e em Lisboa quase que nos atiram com os pratos. As casas ainda não perceberam que não podem agir como se estivessem a fazer um favor ao cliente. O cliente é que está a fazer um favor à casa, por frequentá-la. Casa onde sou maltratado uma vez nunca mais lá volto, ou volto muito tempo depois, só para marcar ponto. Aquilo que rodeia o que se come também é importante. É o caso do vinho. O nosso vinho é dos melhores não só da Europa como do mundo. Já havia vinhos de referência em várias regiões do país. O Alentejo deu um salto muito importante, o Douro sofisticou, a Bairrada passou por tempos difíceis, mas está a melhorar, os vinhos de Palmela são uma maravilha. Por todo o continente encontramos bons vinhos. Mas eu prefiro os do Douro e os do Alentejo. É curioso o seguinte, eu não bebia muito, mas devo à política o facto de beber um pouco mais do que bebia. Bebo sobretudo vinho tinto, para mim o branco é meio termo, mas há excepções. Mas vinho para mim é o tinto. Em contrapartida deixei de beber tanto uisque e cortei com as aguardentes.

SPG/SAPO - Acha que as pessoas com a idade tornam-se mais apreciadoras da gastronomia?

Marcelo Rebelo de Sousa - Sim. Como em tudo na vida. A pessoa mais madura lê os livros com mais prazer, mais vagar, com mais gosto. Vê melhores filmes. Perde a espontaneidade da juventude mas ganha requinte no gosto, no apreciar, no dar valor à ocasião. Isto tem a ver com uma nova dimensão do tempo. Quando somos novos pensamos que somos eternos, depois caímos em nós e concluímos que somos finitos. Vivemos os dias de forma diferente, com menos impaciência e a dar mais valor àquilo que mais gostamos.

SPG/SAPO - Quais são os restaurantes que para si são um ponto de referência.

Marcelo Rebelo de Sousa - Eu posso dizer aqueles a que vou mais mas não são necessariamente os melhores. Também tenho medo de ser injusto e até de deixar de fora aqueles que são bons mas aos quais vou com menos frequência. Por isso o melhor é nem indicar nenhum.

SPG/SAPO - Tem alguma história que se tenha passada num restaurante?

Marcelo Rebelo de Sousa - Tenho tantas. Por exemplo no Congresso da Figueira da Foz, na noite do primeiro dia, em que tudo parecia ainda muito indefinido, com o Dr. João Salgado, o Prof. Cavaco Silva, que ia lá levar a candidatura do Prof. Freitas do Amaral, sem saber como é que o congresso reagiria. Foi à mesa de um restaurante que combinámos tudo o que se tinha de fazer. Apontámos as coisas num guardanapo de papel, e gostámos tanto do restaurante que lá voltámos noite dentro para cear e fazer uma reunião. À mesma hora os apoiantes do Dr. João Salgueiro reuniam-se noutro restaurante, com a fina flor, Mota Amaral, Dr. Balsemão, Dr. Alberto João Jardim, Helena Roseta e outros. Antes da interrupção do Dr. Rui Manchete que era o líder provisório, com grande estupefacção de todos chega ao restaurante. Ele andava com a mulher à procura de um restaurante mas como o congresso tinha muitos congressistas estavam todos cheios. Entretanto entra por uma porta do restaurante e acena para o grupo que estava a preparar a candidatura do Dr. João Salgueiro. Perguntou se se podia sentar e não calhava nada, pois preparam a candidatura do seu sucessor. Conclusão recombinaram tudo e nessa noite o Dr. João Salgueiro reformulou o discurso e já não apresentou a candidatura. Estes dois jantares levaram ao arranca da candidatura do Prof. Cavaco Silva e congelaram a candidatura do Dr. João Salgueiro. O Prof. Cavaco Silva acabou por ganhar e foi a primeiro Ministro. Isto teve que ver com dois jantares na primeira noite do congresso da Figueira da Foz. Podia dizer-lhe que este exemplo se multiplicou em muitas outras histórias. Foi também à mesa que ficou claro que o Prof. Marcelo Caetano não ia ter o mínimo de sucesso na hipótese de mudar a ditadura. Fui a uma série de almoços em Monsanto e o grupo que eu integrava juntamente com o Prof. Freitas do Amaral e outros pronunciou-se pela vontade da existência de partidos e sua legalização. No fim do almoço Marcelo Caetano diz-nos que teve dez almoços, nove concluíram pelo não queriam a legalização dos partidos, o nosso grupo, ao contrário dos outros tinha essa opção. Depois houve um almoço na Duque de Palmela, foi redigido um documento entregue a Marcelo Caetano, novamente houve uma resposta negativa. Isso significou que era difícil evoluir. Isto tudo se passou à volta de uma mesa.

SPG/SAPO - Há alguma recordação de infância associada à gastronomia?

Marcelo Rebelo de Sousa - Imensas. Por exemplo e falando da raiz beirã da minha mãe. O que eu guardo dessa raiz, que ficou muito enfraquecida porque o pai da minha mãe morreu de febre amarela antes dela nascer e a mãe morreu no parto, portanto ficou com poucos laços, têm que ver com grandes comezainas que um primo, Manuel Fernandes Tomás organizava em Teixoso, e em que ia toda a família. São recordações de grandes reuniões familiares com muita comida. Outro exemplo, agora minhoto e da minha infância, que passei em Terras de Basto e Braga. As Semanas Santas, na altura da Páscoa, tinham metade do seu encanto na gastronomia, embora com as limitações da tradição religiosa. No dia de Páscoa, comia-se o anho pascal. Da infância retenho um conjunto de referências gastronómicas. Por exemplo, com a minha avó Joaquina aprendi a gostar muito de bacalhau. Foram tradições que se mantiveram na família. Por exemplo em casa dos meus pais era hábito comer o cozido à portuguesa ao domingo. A família reunia-se para comer este prato e quando foram viver para o Brasil, a seguir ao 25 de Abril, mantiveram o hábito de fazer o cozido à portuguesa ao domingo, o que não era nada fácil de fazer em São Paulo.

SPG/SAPO - Genericamente quais são os comentários que faz à restauração em Portugal.

Marcelo Rebelo de Sousa - Tem subido de nível, em termos gerais, embora haja casos desastrosos. Quer no requinte e no ambiente, quer no requinte do serviço e da cozinha. Até mesmo em comparação com o que se passa lá forma tem melhorado muito.

SPG/SAPO - Não lhe parece que nesta área os empresários deveriam ter formação?

Marcelo Rebelo de Sousa - Pode-se ver as coisas de duas formas; a primeira é que o português tem muito jeito para a cozinha, e por isso dispensa a formação, mas o que também é importante é a de haver a preocupação de na restauração é de haver pratos de cozinha portuguesa. Às vezes vai-se a restaurantes de qualidade, sobretudo em hotéis, que não servem comida regional portuguesa.

Falta-me acrescer uma nota. Não sou grande apreciador de caça. Também não sou caçador.

SPG/SAPO - o que pensa das casas de pasto?

Marcelo Rebelo de Sousa - Tenho pena que estejam a desaparecer. A casa de pasto era uma realidade mais informal, mais familiar, mas com uma confecção caseira. Isto significa a perda destas instituições seculares. O mesmo aconteceu com as leitarias e também já acontece com alguns cafés.

Fotos : Ivo Canelas

Entrevista : Mário Rodrigues

¤ SABIA QUE...

...as carnes de caça exigem um bom vinho tinto encorpado?

¤ OFERTA DE UM FIM DE SEMANA ROMÂNTICO!

Quer concorrer a sete fins de semana com direito a um jantar romântico para agradar à sua cara metade? Veja aqui como é fácil!

¤ ERA UMA VEZ...

...um Fim de Semana à borla na Quinta de Samaiões!!!

¤ FALE CONNOSCO

Se nos quer propor um bom restaurante, se quer tecer algum comentário, crítica, ou simplesmente trocar impressões sobre um restaurante visitado, ou qualquer outro aspecto do SPG, estamos aqui para ouví-lo!

¤ PROGRAMAS

Se anda a pensar num programa à medida do seu descanso e do prazer da boa mesa, está no sítio certo!

¤ CÂMARAS E REGIÕES DE TURISMO

Espaço reservado para Câmaras Municipais e Regiões de Turismo

Produzido por Saber e Lazer, S.A. © 1998/1999/2000 Todos os direitos reservados.

O SAPO é uma marca e um motor de busca criado na Universidade de Aveiro

O SAPO é auditado e certificado pela ABC electronic

crónicas

¤ entrevistas

¤ etiqueta

¤ notícias

¤ programas

¤ receitas

¤ restaurantes

¤ roteiros

¤ vinhos

¤ pesquisa

Restaurantes

Receitas

Outras Secções

Limite minimo de 3 caracteres para a pesquisa

¤ roteiro

Conheça Lagos. Uma das terras mais preservadas do Alentejo.

> Serviço Português de Gastronomia > Entrevistas Você está aqui:

Marcelo Rebelo de Sousa

Marcelo Rebelo de Sousa aprecia a cozinha tradicional portuguesa, sobretudo da região Norte e do Minho. Da mesa tira grandes prazeres e já foi à mesa que contribui para grandes decisões da vida política nacional e partidária.

SPG/SAPO - O que pensa da cozinha portuguesa?

Marcelo Rebelo de Sousa - Penso muito bem. Note que tendo uma raiz minhota, pelo lado do meu pai, e uma raiz beirã, pelo lado da minha mãe, a raiz minhota acabou por ser mais forte e prevalecer. No entanto, qualquer delas preserva a cozinha antiga, de qualidade e felizmente temos hoje especialistas que teorizam à cerca da cozinha portuguesa e até se mantém restaurantes que fazem questão em cultivar a cozinha portuguesa, resistindo a uma moda que parecia avassaladora, nos inícios dos anos 60 e 70 por exemplo, da cozinha francesa. Os hotéis fizeram essa opção e juntaram à cozinha tradicional uma cozinha americanizada, com um conjunto de pratos prontos a servir, aparentemente apetecíveis.

SPG/SAPO - Como país de serviços que somos, acha que estamos sensibilizados para a gastronomia tradicional?

Marcelo Rebelo de Sousa - O nosso turismo começou por ser, quer o turismo interno quer o externo, um turismo de veraneio. Num ou noutro caso um turismo de conhecimento de locais de natureza histórica, cultural e em muitos casos até com uma componente religiosa. Muitas vezes a gastronomia esteve associada a esse turismo sem termos a noção disso, um turismo gastronómico sem ser tratado enquanto tal. Já no tempo da ditadura, com António Ferro, e depois mais tarde, houve algumas iniciativas que tiveram o poder, por exemplo nas Pousadas de Portugal, de valorizar a cozinha portuguesa, obrigando a servir alguns pratos típicos. Houve por isso uma habituação de encontrar em alguns locais do país uma cozinha regional. Deu-se um grande salto dado em democracia, já no final do século passado, quando se começou a compreender que havia pessoas que faziam turismo gastronómico. Dando uma grande importância à componente gastronómica no turismo em geral. Cada vez mais, há um certo nível de qualidade. Quer o português, quer o estrangeiro, viaja para certos locais com o objectivo de comer bem. Há certas pessoas que vão a certos restaurantes de referência, mesmo longe, para comer determinados pratos.

SPG/SAPO - Não lhe parece que nesta área a formação profissional tem sido pouco eficaz?

Marcelo Rebelo de Sousa - O problema é duplo. Em primeiro lugar há um problema que é comum em toda a Europa, que é a alta rotação na profissão. Os profissionais entram e saem rapidamente. Essa precariedade, muitas vezes com recurso a muito pessoal estrangeiro, leva a que não haja tempo para a formação. Em segundo lugar, a sensação que eu tenho é que a formação, tanto na restauração como na hotelaria, é feita para a cozinha internacional, sendo um pouco esquecida a cozinha portuguesa. Os meus próprios filhos perderam, em muitos casos, o que é típico das pessoas que vivem na zona da Grande Lisboa, o contactos com os pratos tradicionais portugueses. É mesmo um problema de ruptura cultural.

SPG/SAPO - Como é que o professor relaciona a gastronomia com os amigos, os negócios, a política?

Marcelo Rebelo de Sousa - A mesa é fundamental. Embora os hábitos de vida, o fim do almoço em casa, a televisão, o trânsito, tirem tempo para estar à mesa. No entanto ainda é um prazer estar à mesa. Faz parte da nossa maneira de ser portuguesa.

SPG/SAPO - O que é que pensa da chamada comida de plástico? Marcelo Rebelo de Sousa - Eu sou uma vítima da chamada comida de plástico. Quer na medida em que andei muito na política, e na política tem que se comer muito, e para grandes massas só é possível fazer comida sem grande requinte e sobretudo, com os horários que eu tenho, é necessário recorrer muitas vezes a uma alimentação rápida. Quando tenho um almoço ou jantar mais rápido eu defendo-me na outra refeição. Como muita fruta.

SPG/SAPO - Quais são os pratos que mais gosta?

Marcelo Rebelo de Sousa - Por uma tradição familiar prefiro pratos nortenhos. Gosto muito de cozido, com os diferentes tipos de carne, de enchidos. Gosto muito de dobrada, de pratos de sarrabulho. Também tenho vindo a gostar cada vez mais de peixe. Mas gosto muito de pratos no forno, do anho pascal. Gosto de arroz, de açorda, de cataplana, e gosto mesmo de misturar pratos de carne com peixe.

SPG/SAPO - Gosta de cozinhar?

Marcelo Rebelo de Sousa - Gosto. Mas não sou um grande cozinheiro. Sou muito básico naquilo que faço. Tenho falta de tempo para a cozinha. Cozinhar, comer e beber é um acto de cultura. Sei cozinhar aquelas coisas básicas, bife à café, vários tipos de bife. Gosto de peixe com molho branco, mas confesso que coisas mais requintadas sou incapaz de fazer.

SPG/SAPO - Tem alguma preocupação com o que come, evita comer alguns alimentos?

Marcelo Rebelo de Sousa - A minha grande regra é a da não acumulação de refeições. Para mim, mais do que comer muito em certos momentos ou beber um pouco mais é não faze-lo em refeições consecutivas. Se tenho um almoço pesado, o jantar é ligeiro. Tenho sempre um pequeno almoço ligeiro, que normalmente é sempre composto de fruta. Se bebo um pouco mais ao jantar ao almoço não bebo. Tento evitar o processo cumulativo. Gosto de pão, gosto de comer pão com azeite e normalmente como manteiga sem sal. Adoro vegetais. Em casa, quando quero fazer uma quebra às refeições muito pesadas, faço uma refeição baseada em vegetais. Como tarte de espinafres, de brócolos, de espargos.

SPG/SAPO - Qual é a região que considera mais rica em termos gastronómicos?

Marcelo Rebelo de Sousa - São todas. Eu ia dizer o Minho, mas chega-se ao Porto e come-se muito bem, em Trás-os-Montes é diferente, mas muito bom. Até nas ilhas se come muito bem, assim como no centro. Onde se come pior é em Lisboa. Não há tradição. Há bons restaurantes mas proporcionalmente em menos quantidade do que no resto do país.

SPG/SAPO - O que é que mais e menos aprecia num restaurante?

Marcelo Rebelo de Sousa - O ambiente é para mim uma das coisas mais importantes. Eu gosto de comer ao ar livre, mas mesmo em espaços fechados onde a decoração, ambiente, o clima que proporcionam é agradável isso é um bom começo. Nós infelizmente somos muito irregulares. Encontramos uma simpatia sem limites no Minho, e em Lisboa quase que nos atiram com os pratos. As casas ainda não perceberam que não podem agir como se estivessem a fazer um favor ao cliente. O cliente é que está a fazer um favor à casa, por frequentá-la. Casa onde sou maltratado uma vez nunca mais lá volto, ou volto muito tempo depois, só para marcar ponto. Aquilo que rodeia o que se come também é importante. É o caso do vinho. O nosso vinho é dos melhores não só da Europa como do mundo. Já havia vinhos de referência em várias regiões do país. O Alentejo deu um salto muito importante, o Douro sofisticou, a Bairrada passou por tempos difíceis, mas está a melhorar, os vinhos de Palmela são uma maravilha. Por todo o continente encontramos bons vinhos. Mas eu prefiro os do Douro e os do Alentejo. É curioso o seguinte, eu não bebia muito, mas devo à política o facto de beber um pouco mais do que bebia. Bebo sobretudo vinho tinto, para mim o branco é meio termo, mas há excepções. Mas vinho para mim é o tinto. Em contrapartida deixei de beber tanto uisque e cortei com as aguardentes.

SPG/SAPO - Acha que as pessoas com a idade tornam-se mais apreciadoras da gastronomia?

Marcelo Rebelo de Sousa - Sim. Como em tudo na vida. A pessoa mais madura lê os livros com mais prazer, mais vagar, com mais gosto. Vê melhores filmes. Perde a espontaneidade da juventude mas ganha requinte no gosto, no apreciar, no dar valor à ocasião. Isto tem a ver com uma nova dimensão do tempo. Quando somos novos pensamos que somos eternos, depois caímos em nós e concluímos que somos finitos. Vivemos os dias de forma diferente, com menos impaciência e a dar mais valor àquilo que mais gostamos.

SPG/SAPO - Quais são os restaurantes que para si são um ponto de referência.

Marcelo Rebelo de Sousa - Eu posso dizer aqueles a que vou mais mas não são necessariamente os melhores. Também tenho medo de ser injusto e até de deixar de fora aqueles que são bons mas aos quais vou com menos frequência. Por isso o melhor é nem indicar nenhum.

SPG/SAPO - Tem alguma história que se tenha passada num restaurante?

Marcelo Rebelo de Sousa - Tenho tantas. Por exemplo no Congresso da Figueira da Foz, na noite do primeiro dia, em que tudo parecia ainda muito indefinido, com o Dr. João Salgado, o Prof. Cavaco Silva, que ia lá levar a candidatura do Prof. Freitas do Amaral, sem saber como é que o congresso reagiria. Foi à mesa de um restaurante que combinámos tudo o que se tinha de fazer. Apontámos as coisas num guardanapo de papel, e gostámos tanto do restaurante que lá voltámos noite dentro para cear e fazer uma reunião. À mesma hora os apoiantes do Dr. João Salgueiro reuniam-se noutro restaurante, com a fina flor, Mota Amaral, Dr. Balsemão, Dr. Alberto João Jardim, Helena Roseta e outros. Antes da interrupção do Dr. Rui Manchete que era o líder provisório, com grande estupefacção de todos chega ao restaurante. Ele andava com a mulher à procura de um restaurante mas como o congresso tinha muitos congressistas estavam todos cheios. Entretanto entra por uma porta do restaurante e acena para o grupo que estava a preparar a candidatura do Dr. João Salgueiro. Perguntou se se podia sentar e não calhava nada, pois preparam a candidatura do seu sucessor. Conclusão recombinaram tudo e nessa noite o Dr. João Salgueiro reformulou o discurso e já não apresentou a candidatura. Estes dois jantares levaram ao arranca da candidatura do Prof. Cavaco Silva e congelaram a candidatura do Dr. João Salgueiro. O Prof. Cavaco Silva acabou por ganhar e foi a primeiro Ministro. Isto teve que ver com dois jantares na primeira noite do congresso da Figueira da Foz. Podia dizer-lhe que este exemplo se multiplicou em muitas outras histórias. Foi também à mesa que ficou claro que o Prof. Marcelo Caetano não ia ter o mínimo de sucesso na hipótese de mudar a ditadura. Fui a uma série de almoços em Monsanto e o grupo que eu integrava juntamente com o Prof. Freitas do Amaral e outros pronunciou-se pela vontade da existência de partidos e sua legalização. No fim do almoço Marcelo Caetano diz-nos que teve dez almoços, nove concluíram pelo não queriam a legalização dos partidos, o nosso grupo, ao contrário dos outros tinha essa opção. Depois houve um almoço na Duque de Palmela, foi redigido um documento entregue a Marcelo Caetano, novamente houve uma resposta negativa. Isso significou que era difícil evoluir. Isto tudo se passou à volta de uma mesa.

SPG/SAPO - Há alguma recordação de infância associada à gastronomia?

Marcelo Rebelo de Sousa - Imensas. Por exemplo e falando da raiz beirã da minha mãe. O que eu guardo dessa raiz, que ficou muito enfraquecida porque o pai da minha mãe morreu de febre amarela antes dela nascer e a mãe morreu no parto, portanto ficou com poucos laços, têm que ver com grandes comezainas que um primo, Manuel Fernandes Tomás organizava em Teixoso, e em que ia toda a família. São recordações de grandes reuniões familiares com muita comida. Outro exemplo, agora minhoto e da minha infância, que passei em Terras de Basto e Braga. As Semanas Santas, na altura da Páscoa, tinham metade do seu encanto na gastronomia, embora com as limitações da tradição religiosa. No dia de Páscoa, comia-se o anho pascal. Da infância retenho um conjunto de referências gastronómicas. Por exemplo, com a minha avó Joaquina aprendi a gostar muito de bacalhau. Foram tradições que se mantiveram na família. Por exemplo em casa dos meus pais era hábito comer o cozido à portuguesa ao domingo. A família reunia-se para comer este prato e quando foram viver para o Brasil, a seguir ao 25 de Abril, mantiveram o hábito de fazer o cozido à portuguesa ao domingo, o que não era nada fácil de fazer em São Paulo.

SPG/SAPO - Genericamente quais são os comentários que faz à restauração em Portugal.

Marcelo Rebelo de Sousa - Tem subido de nível, em termos gerais, embora haja casos desastrosos. Quer no requinte e no ambiente, quer no requinte do serviço e da cozinha. Até mesmo em comparação com o que se passa lá forma tem melhorado muito.

SPG/SAPO - Não lhe parece que nesta área os empresários deveriam ter formação?

Marcelo Rebelo de Sousa - Pode-se ver as coisas de duas formas; a primeira é que o português tem muito jeito para a cozinha, e por isso dispensa a formação, mas o que também é importante é a de haver a preocupação de na restauração é de haver pratos de cozinha portuguesa. Às vezes vai-se a restaurantes de qualidade, sobretudo em hotéis, que não servem comida regional portuguesa.

Falta-me acrescer uma nota. Não sou grande apreciador de caça. Também não sou caçador.

SPG/SAPO - o que pensa das casas de pasto?

Marcelo Rebelo de Sousa - Tenho pena que estejam a desaparecer. A casa de pasto era uma realidade mais informal, mais familiar, mas com uma confecção caseira. Isto significa a perda destas instituições seculares. O mesmo aconteceu com as leitarias e também já acontece com alguns cafés.

Fotos : Ivo Canelas

Entrevista : Mário Rodrigues

¤ SABIA QUE...

...as carnes de caça exigem um bom vinho tinto encorpado?

¤ OFERTA DE UM FIM DE SEMANA ROMÂNTICO!

Quer concorrer a sete fins de semana com direito a um jantar romântico para agradar à sua cara metade? Veja aqui como é fácil!

¤ ERA UMA VEZ...

...um Fim de Semana à borla na Quinta de Samaiões!!!

¤ FALE CONNOSCO

Se nos quer propor um bom restaurante, se quer tecer algum comentário, crítica, ou simplesmente trocar impressões sobre um restaurante visitado, ou qualquer outro aspecto do SPG, estamos aqui para ouví-lo!

¤ PROGRAMAS

Se anda a pensar num programa à medida do seu descanso e do prazer da boa mesa, está no sítio certo!

¤ CÂMARAS E REGIÕES DE TURISMO

Espaço reservado para Câmaras Municipais e Regiões de Turismo

Produzido por Saber e Lazer, S.A. © 1998/1999/2000 Todos os direitos reservados.

O SAPO é uma marca e um motor de busca criado na Universidade de Aveiro

O SAPO é auditado e certificado pela ABC electronic

marcar artigo