EXPRESSO: Artigo

31-07-2001
marcar artigo

Congresso PS: Opinião

O Governo hermafrodita (EXPRESSO 28/04/2001) E AO SEXTO ano de vida o guterrismo decidiu passar à auto-oposição. A nova estratégia de comunicação é fazer o dois em um - anunciar que agora é que vai começar a governar; e ultrapassar a oposição na crítica a si próprio. Mas fosse por erro de «casting» ou de guião, a mensagem, em vez de passar subliminarmente, surgiu com o rabinho de fora. O suficiente para o EXPRESSO, na semana passada, expor, à luz do dia o seu narcisismo. Na ironia, lapidar, de José António Saraiva «o PS é, ao mesmo tempo, Governo, Oposição e oposição à Oposição». Saiu-nos pois na rifa, em vez de um apaixonado governo Casanova, um narcísico governo hermafrodita. Importa, porém, olhá-lo mais de perto, para lhe surpreender as incongruências. Desde logo salta à vista o carácter efémero da nova estratégia - não é possível, a um qualquer Governo, fazer oposição a si próprio, durante muito tempo. Foi-se mau, mas ainda se pode ser bom, «se começarmos a governar alguma coisa» - eis a receita de Coelho, com Guterres já a fazer de lebre, para reinverter o desencanto. Ambos sabem, porém, que isso já não é possível e, desde logo, porque o passado, muitas vezes, já pesa demasiado; e porque há ministros com roteiro para xeque-mate com seguros de vida que os tornam não remodeláveis. Pode-se imaginar o que Guterres nunca fará, olhando para o que propõe Carrilho - uma remodelação profunda do Governo, com as saídas de Pina Moura e Manuela Arcanjo à cabeça. É, talvez, nas Finanças, que o peso do passado mais pesa. Bem pode Pina queixar-se que o despesismo galopante da despesa corrente foi a herança envenenada que lhe deixou Sousa Franco. Ou lamuriar-se (como diria Jorge Sampaio) que só comanda 4% da despesa pública. O pecado original é o mesmo - ambos aceitaram perder o comando sobre a política de salários e emprego na função pública (como salientou, em tempo, quem melhor do que ninguém conhece o tema, Cavaco Silva). E assim, o guterrismo fê-los engolir, a ambos, os «boys» e os 100 mil funcionários admitidos a partir de 1996, a bem da conquista da maioria absoluta em 1999 que falhou. É, por isso, quase obsceno que Pina afirme agora que «a administração pública gasta muito e faz pouco», e que prometa, para o futuro, o que devia ter sido feito nos últimos seis anos - uma política de admissões na função pública em ritmo bem inferior ao do número de activos que vão saindo para a reforma. Mas Pina soube comprar um seguro de vida a Guterres, propondo-lhe executar uma pseudo reforma fiscal, em três fases, até ao final da legislatura. Guterres, por certo, já percebeu o logro em que caiu, perante as calamitosas consequências das alterações feitas no IRS e IRC. Mas já é tarde para deixar cair «o coveiro da Nova Maioria», como diz Carrilho, sobretudo agora que Pina avançou para a segunda fase, semeando a confusão e a incerteza quanto à substituição da sisa pelo IVA na venda dos prédios. Qualquer fiscalista sabe - que esta substituição da Sisa pelo IVA se tem que fazer, em simultâneo, com a reforma da CA (Contribuição Autárquica) e a liberalização do regime das rendas antigas; e que, para que tudo seja feito com equidade, o Estado terá que perder consideráveis receitas, no chamado período de transição. É óbvio que só se pode avançar, em equidade, para a eliminação do congelamento das rendas antigas, subsidiando inquilinos e senhorios pobres; e que só se pode minorar esta despesa fiscal, libertando o valor potencial que subjaz nesses prédios antigos (apresentei, há dois anos, uma proposta neste sentido) . É também óbvio que só se pode eliminar a regressividade escandalosa que existe na CA, reajustando rápida e gradualmente o valor matricial dos prédios antigos e reduzindo a taxa da CA, para benefício das famílias que vêem agora terminar o período da respectiva isenção. E é ainda óbvio que é indispensável esta substituição da Sisa pelo IVA, para esmagar a economia paralela que grassa no sector, dada a impossibilidade de dedução do IVA suportado nos terrenos e materiais de construção. Mas, para que também aqui haja equidade, é necessário compensar a regressividade que lhe é intrínseca - nas simulações vindas a público, com a taxa do IVA em 12%, o comprador de uma casa de 30 m.c. pouparia cerca de 800 c e o comprador de uma casa de 20 m.c. pagaria mais 120 c; se a taxa fosse de 5%, ambos pagariam menos e a regressividade seria menor e, se a taxa fosse de 17%, sucederia o contrário. Pina, que está encurralado, e sem folga orçamental para realizar esta reforma como deve ser, encenou um conflito com Bruxelas, para ganhar tempo e sobreviver. Consciente da confusão em que lançou toda a actividade. Tal como Arcanjo que, para esconder o pânico de ver as dívidas do SNS a crescer, se declarou em conflito contra tudo e todos. Guterres que os carregue até 2003, pois como lembrou Mota Amaral, no seu esplendoroso discurso parlamentar, a estabilidade governativa também é, desde 1987, uma conquista irreversível do 25 de Abril.

Patinha Antão

Salvar o PS, afirmar o confronto (EXPRESSO 28/04/2001) UM PARTIDO dá muito trabalho a fazer. Mas ainda dá mais trabalho assegurar a sua continuidade, garantir a sua sustentabilidade ao longo do tempo, conseguir que se mantenha relevante apesar da alteração das condições estratégicas. Pode-se dizer o mesmo de uma empresa, de uma escola, de um jornal ou até de uma igreja. São entidades que têm uma dinâmica própria, que evoluem em resposta às mudanças e que desaparecem se não tiverem a capacidade de prever a sua própria evolução, se não souberem antecipar a sua necessidade de mudança. Reabrir uma empresa que foi encerrada é mais caro do que lançar uma empresa nova. Uma escola que perdeu qualidade não conseguirá atrair alunos e professores. Um jornal abandonado pelos leitores deixou de ser estimulante para quem escreve. Uma igreja sem fiéis também não terá padres, não havendo quem continue os rituais ou quem actualize a doutrina. Mas num partido político as coisas são ainda mais complexas, porque a função política orienta a mudança das sociedades, dispõe dos recursos e da legitimidade para estabelecer as linhas estratégicas - não tem nada, em termos do que é humano, que lhe seja superior. É do que faz o partido político, no poder ou na oposição, que depende o que acontecerá na sociedade - na empresa, na escola, no jornal ou na igreja. Dá muito trabalho fazer um partido, dá ainda mais trabalho assegurar a sua continuidade. Mas é da natureza de uma entidade política saber que todo o mundo é feito da mudança que o poder político souber orientar, como também é da natureza de um partido pluralista saber que qualquer democracia é feita do confronto que permitir a vigilância mútua das instituições e a procura do que é novo nas possibilidades estratégicas. No poder ou na oposição, um partido político tem como responsabilidade a configuração do destino, a organização das forças para a concretização dos objectivos estratégicos que escolhe como sendo realizáveis. Não há maior responsabilidade nas sociedades, porque nada na sociedade é superior à política. É habitual atribuir um valor especial à afirmação da vontade dos políticos que assumem o papel histórico de fundadores, a quem fica associada a capacidade excepcional de saberem identificar um lugar eleitoral, uma base programática e um sentido estratégico, fazendo nascer um partido onde antes apenas existiam forças sem configuração ou multidão sem ordem. A tarefa desses fundadores é, muitas vezes, facilitada pelas circunstâncias especiais do tempo histórico da fundação. A crise de uma ordem política que se tornou inviável oferece margens de liberdade que não voltam a existir mais tarde, quando as entidades fundadas nessas circunstâncias excepcionais entrarem na fase de rotina e, depois, de corrupção, precisando de ser revitalizadas ou mesmo refundadas. Reparar é sempre mais difícil (e menos heróico) do que construir. E as circunstâncias históricas, as condições estratégicas nacionais e mundiais, também podem ser mais ingratas no tempo da reparação do que foram na fase da fundação: onde se vão encontrar agora os apoios americanos, alemães, franceses e até venezuelanos que sustentaram a construção inicial? É tão difícil reparar, mais ainda refundar, que o melhor é não deixar degradar e corromper. Para um partido persistir no tempo não pode resumir-se aos seus criadores, por muito importante que seja a sua marca carismática. O verdadeiro teste da relevância de um partido está no modo como responde à mudança das gerações e à mudança dos contextos estratégicos. A mudança das gerações falha-se quando se deixa proliferar a corrupção dos grupos de interesses e das clientelas - que assim se mostram superiores ao partido e aos sucessores dos fundadores, tornando-os incapazes de exercer o poder. A mudança dos contextos estratégicos falha-se quando se pretende fugir ao desafio da mudança pelo artifício da anulação de todas as diferenças, confundindo tudo numa mistura sem configuração e sem orientação, entregando o destino à multidão. Um partido não persiste se for corrompido e se perder a capacidade de confronto que determina a sua identidade. Qualquer poder que perde a noção da diferença e da conflitualidade também perde a noção da mudança, pois a natureza da mudança é a diferença e o confronto, o corte e a transformação. Foi isso que o PS esqueceu para conquistar o poder. Ficou dependente dos resultados, que são maus. E porque não tem uma estratégia de mudança, os resultados só podem ser piores. De tanto querer ser abrangente e gratificante, o PS engole-se a si mesmo, confundido com a multidão. A legenda da actual crise portuguesa pode ser esta: «Diz o murcho ao frouxo: avança tu!». E nada se move, como queria a Inquisição.

Joaquim Aguiar

Ser e não ser (EXPRESSO 28/04/2001) O PARTIDO Socialista, nesta altura, é simultaneamente o ser e o não ser. O sim e o não. O debate da Lei da Liberdade Religiosa foi mais uma confirmação desta verdade. Ela veio mostrar que o PS é um partido anticlerical mas, igualmente, respeitador da Igreja. É anticlerical porque é herdeiro do jacobismo maçónico e muitos militantes seus gostariam de equiparar a Igreja Católica às outras religiões, suprimindo-lhe os privilégios, sujeitando-a às mesmas regras. É respeitador da Igreja porque tem um líder católico e uma maioria moderada, que se reviu na visita que o ministro dos Negócios Estrangeiros fez esta semana ao Papa. Mas esta atitude dúplice do PS em relação à Igreja católica alarga-se a quase todos os sectores. O ministro das Finanças, Pina Moura, esforça-se por satisfazer os empresários e chega a ser acusado de promover a promiscuidade entre o Estado e os interesses económicos - enquanto o ex-ministro Jorge Coelho diz que a base eleitoral do PS são os trabalhadores por conta de outrem e são esses que o partido deve proteger. E o mesmo se passa em relação à esquerda e à direita. Enquanto Mário Soares e Manuel Alegre continuam a dizer-se de «esquerda», António Guterres é acusado de fazer o jogo da direita. E o que dizer da autoridade? Como interpretar o facto de Guterres ter posto sempre o acento no diálogo e de Coelho vir dizer agora que o país precisa de mais autoridade? Esta «dessintonia» tem a sua expressão final na «liderança bicéfala». Enquanto o Governo tem hoje um primeiro-ministro liberal, católico e europeu (António Guterres), o partido tem um líder socialista, laico e bem português (Jorge Coelho). É impossível haver maior duplicidade. É impossível um partido ser simultaneamente mais católico e mais anticlerical, mais protector dos empresários e mais defensor dos trabalhadores, melhor posicionado na esquerda e na direita, mais apologista do diálogo e da autoridade. Claro que, com isto, o PS desnorteia a oposição. Como fazer oposição a alguém que é simultaneamente uma coisa e o seu contrário? É difícil. É, de facto, muito difícil combater um partido que funciona assim. Resta, portanto, à oposição esperar que, à força de defender simultaneamente o branco e o preto, o PS se desuna, se desarticule, ou os portugueses se cansem. Rita Blanco dizia na semana passada ao EXPRESSO que fazia tantas críticas ao seu próprio trabalho que retirava argumentos aos críticos para a criticarem. Com o PS passa-se o mesmo: mostra-se tão contraditório que a oposição fica sem espaço para o contraditar.

José António Saraiva

A cor do Estado (EXPRESSO 28/04/2001) QUALQUER um pode ser apanhado pelas suas próprias palavras, ditas ou escritas noutra época e noutro contexto. Os políticos e os jornalistas da imprensa são, provavelmente, os que mais se expõem porque as palavras são o seu instrumento de trabalho num dia-a-dia de ritmo frenético e ficam registadas para sempre. Há casos em que as palavras perdem sentido, outros em que a evolução da realidade as torna ridículas e outros ainda em que se mantêm actuais anos a fio, mesmo contra o desejo e a expectativa de quem as pronunciou. Às vezes, por um acaso, encontram-se palavras dessas com mais de dez anos, tão teimosas - ou traiçoeiras? - e tão adequadas à realidade que dir-se-ia terem sido aplicadas apenas minutos antes de as lermos. Veja-se o caso das seguintes, reproduzidas nesta mesma página pela jornalista Teresa de Sousa a 11 de Fevereiro de 1989, e proferidas por alguém que enunciava, em entrevista, três «preocupações fundamentais» sobre a vida pública de então. Primeira: «Portugal é hoje um país sem rumo e sem estratégia (...). O Governo governa ao sabor da conjuntura, dos interesses, da pressão dos 'lobbies'». Segunda: «Vivemos um período de prosperidade económica a nível internacional em que as injustiças se acentuam em Portugal». Terceira: «Estamos sinceramente preocupados com aquilo que é a partidarização do Estado - o crescimento do 'Estado laranja' - e com a necessidade de defender os cidadãos face ao Estado». Agora, mude-se a cor do Estado. E repare-se como continuam actuais estas palavras do ex-líder parlamentar do PS António Guterres, que ao tempo ainda usava bigode.

Fernando Madrinha

Onde está António Guterres? (EXPRESSO 27/04/2001) A Igreja Católica produziu esta semana o mais arrasador libelo acusatório à actuação do Governo. Embora as motivações e o «timing» dos bispos portugueses sejam susceptíveis de controvérsia, o certo é que o quadro negro desenhado na pastoral reproduz em larga medida as inquietações éticas, políticas e económicas da generalidade dos cidadãos e, pasme-se, até encontram eco em alguns dos mais destacados ministros de Guterres. E, no entanto, este clima de depressão que mina a coesão social do país continua sem tradução eleitoral, pois o PS triunfa com clareza em todas as sondagens! Desta aparente contradição tem o primeiro-ministro retirado os seus mais fortes argumentos para ignorar a crise, fazendo vista grossa ao facto de que embora os números penalizem fortemente a oposição mascaram também a perigosa deriva dos eleitores para a abstenção. Essa é talvez a mais perturbante conclusão da mais recente sondagem da Universidade Católica para o «Público», Antena 1 e RTP, consistente, aliás, com todos os estudos feitos anteriormente. Mas para o primeiro-ministro parece ser mais cómodo consolar-se com as fracas «performances» da oposição do que combater o divórcio dos portugueses em relação à política. Por isso a sua agenda legislativa está carregada de medidas destinada a aliviar as pressões da conjuntura, enquanto adia para as calendas as indispensáveis respostas aos problemas nucleares da sociedade portuguesa. Onde está o António Guterres que liderou a «revolução rosa» de 1995?

Fernando Diogo

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

6 comentários 1 a 6

6 Maio 2001 às 12:15

tribunus

Depois de 6 anos de permanente barracada, ainda à esquerda suspirantes pelo Guterres! O homem

è bom, só que vai deixar os portuguses com cólicas, quando marchar-se.

Autentico nacional socialismo o homem foi eleito com 96%! não exis-

gente inteligente no PS?

5 Maio 2001 às 20:20

O mundo será melhor quando a politica deixar de ser um jogo de futebol e de cores clubisticas. Para mim existem exelentes pessoas em todos os partidos e grandes idiotas tambem em todos. Resultado fico terrivelmente irritado quandoo alguem tenta fazer crer que este ou aquele partido é melhor ou pior. Isso cheira-me a algum interesse escondido.

Para mim o Eng. Guterres é dos competentes e é certamente humano. Simplesmente não acerta em quem o acompanha. Competente é tambem o Prof. Marcelo. O mundo será melhor quando as pessoas se juntarem para liderarem o mundo, independentemente das cores partidarias porque isso lembra-me interesses escondidos.

5 Maio 2001 às 20:15

Recaredo

Aí temos o Frentismo de "esquerda" !

Para quando a Aliança Nacional da "não-esquerda" ?

Mas, por favor, não venham com o MRPP Durão ou com os autistas Cavaco, Freitas & Co.

Gente nova é o que necessitamos,

como Luis Filipe Menezes !

Quanto ao CDS/PP que comece por ter um homem ou uma mulher na liderança. Definam-se !

A minha esperança é para o que possa aparecer de novo.

Aguardo !

5 Maio 2001 às 17:32

Guterres e o seu PS têm e sempre tiveram um único objectivo: conquistar e manter o poder. Para isso dizem o que convém em cada momento - uma coisa e o seu contrário, porque não? Pensar que eles acreditam no país, em valores, em ideias, em projectos é ser de uma total ingenuidade. Eles acreditam nos benefícios que retiram quando detêm o poder. Mais nada.

5 Maio 2001 às 14:46

Rui Ferreira ( ruiferr2000@yahoo.com )

è mais que evidente que se nota que o engº Guterres está cada vez mais cansado e farto de todas as polémicas que teem vindo a surgir ao longo destes ultimos 2 anos. Estamos perante a mesma doença que afectou o prof.Cavaco Silva, com a grande diferença que o prof. deixou grande obra feita ao contrário do engº que ao procurar agradar tudo e todos acaba por ser um grande coveiro deste país que tanto prometia.

Para gáudio de outros paises cada vez mais somos a cauda do pelotão desta Europa cada vez mais desunida.

espero que haja eleições antecipadas e que os Portugueses de uma vez por todas saibam quem tem realmente valor para liderar este país que ainda tem muito para dar.

5 Maio 2001 às 2:29

Ninguém Diga que Está Bem, Santo Deus...

O Patinha Antão está de regresso.

Livra! Chiça !

Socorro !

Chama as Brigadas de Desinfestação!

O SEU COMENTÁRIO

Nome:

E-mail:

Comentário:

Os comentários constituem um espaço aberto à participação dos leitores. EXPRESSO On-Line reserva-se, no entanto, o direito de não publicar opiniões ofensivas da dignidade dos visados ou que contenham expressões obscenas.

Congresso PS: Opinião

O Governo hermafrodita (EXPRESSO 28/04/2001) E AO SEXTO ano de vida o guterrismo decidiu passar à auto-oposição. A nova estratégia de comunicação é fazer o dois em um - anunciar que agora é que vai começar a governar; e ultrapassar a oposição na crítica a si próprio. Mas fosse por erro de «casting» ou de guião, a mensagem, em vez de passar subliminarmente, surgiu com o rabinho de fora. O suficiente para o EXPRESSO, na semana passada, expor, à luz do dia o seu narcisismo. Na ironia, lapidar, de José António Saraiva «o PS é, ao mesmo tempo, Governo, Oposição e oposição à Oposição». Saiu-nos pois na rifa, em vez de um apaixonado governo Casanova, um narcísico governo hermafrodita. Importa, porém, olhá-lo mais de perto, para lhe surpreender as incongruências. Desde logo salta à vista o carácter efémero da nova estratégia - não é possível, a um qualquer Governo, fazer oposição a si próprio, durante muito tempo. Foi-se mau, mas ainda se pode ser bom, «se começarmos a governar alguma coisa» - eis a receita de Coelho, com Guterres já a fazer de lebre, para reinverter o desencanto. Ambos sabem, porém, que isso já não é possível e, desde logo, porque o passado, muitas vezes, já pesa demasiado; e porque há ministros com roteiro para xeque-mate com seguros de vida que os tornam não remodeláveis. Pode-se imaginar o que Guterres nunca fará, olhando para o que propõe Carrilho - uma remodelação profunda do Governo, com as saídas de Pina Moura e Manuela Arcanjo à cabeça. É, talvez, nas Finanças, que o peso do passado mais pesa. Bem pode Pina queixar-se que o despesismo galopante da despesa corrente foi a herança envenenada que lhe deixou Sousa Franco. Ou lamuriar-se (como diria Jorge Sampaio) que só comanda 4% da despesa pública. O pecado original é o mesmo - ambos aceitaram perder o comando sobre a política de salários e emprego na função pública (como salientou, em tempo, quem melhor do que ninguém conhece o tema, Cavaco Silva). E assim, o guterrismo fê-los engolir, a ambos, os «boys» e os 100 mil funcionários admitidos a partir de 1996, a bem da conquista da maioria absoluta em 1999 que falhou. É, por isso, quase obsceno que Pina afirme agora que «a administração pública gasta muito e faz pouco», e que prometa, para o futuro, o que devia ter sido feito nos últimos seis anos - uma política de admissões na função pública em ritmo bem inferior ao do número de activos que vão saindo para a reforma. Mas Pina soube comprar um seguro de vida a Guterres, propondo-lhe executar uma pseudo reforma fiscal, em três fases, até ao final da legislatura. Guterres, por certo, já percebeu o logro em que caiu, perante as calamitosas consequências das alterações feitas no IRS e IRC. Mas já é tarde para deixar cair «o coveiro da Nova Maioria», como diz Carrilho, sobretudo agora que Pina avançou para a segunda fase, semeando a confusão e a incerteza quanto à substituição da sisa pelo IVA na venda dos prédios. Qualquer fiscalista sabe - que esta substituição da Sisa pelo IVA se tem que fazer, em simultâneo, com a reforma da CA (Contribuição Autárquica) e a liberalização do regime das rendas antigas; e que, para que tudo seja feito com equidade, o Estado terá que perder consideráveis receitas, no chamado período de transição. É óbvio que só se pode avançar, em equidade, para a eliminação do congelamento das rendas antigas, subsidiando inquilinos e senhorios pobres; e que só se pode minorar esta despesa fiscal, libertando o valor potencial que subjaz nesses prédios antigos (apresentei, há dois anos, uma proposta neste sentido) . É também óbvio que só se pode eliminar a regressividade escandalosa que existe na CA, reajustando rápida e gradualmente o valor matricial dos prédios antigos e reduzindo a taxa da CA, para benefício das famílias que vêem agora terminar o período da respectiva isenção. E é ainda óbvio que é indispensável esta substituição da Sisa pelo IVA, para esmagar a economia paralela que grassa no sector, dada a impossibilidade de dedução do IVA suportado nos terrenos e materiais de construção. Mas, para que também aqui haja equidade, é necessário compensar a regressividade que lhe é intrínseca - nas simulações vindas a público, com a taxa do IVA em 12%, o comprador de uma casa de 30 m.c. pouparia cerca de 800 c e o comprador de uma casa de 20 m.c. pagaria mais 120 c; se a taxa fosse de 5%, ambos pagariam menos e a regressividade seria menor e, se a taxa fosse de 17%, sucederia o contrário. Pina, que está encurralado, e sem folga orçamental para realizar esta reforma como deve ser, encenou um conflito com Bruxelas, para ganhar tempo e sobreviver. Consciente da confusão em que lançou toda a actividade. Tal como Arcanjo que, para esconder o pânico de ver as dívidas do SNS a crescer, se declarou em conflito contra tudo e todos. Guterres que os carregue até 2003, pois como lembrou Mota Amaral, no seu esplendoroso discurso parlamentar, a estabilidade governativa também é, desde 1987, uma conquista irreversível do 25 de Abril.

Patinha Antão

Salvar o PS, afirmar o confronto (EXPRESSO 28/04/2001) UM PARTIDO dá muito trabalho a fazer. Mas ainda dá mais trabalho assegurar a sua continuidade, garantir a sua sustentabilidade ao longo do tempo, conseguir que se mantenha relevante apesar da alteração das condições estratégicas. Pode-se dizer o mesmo de uma empresa, de uma escola, de um jornal ou até de uma igreja. São entidades que têm uma dinâmica própria, que evoluem em resposta às mudanças e que desaparecem se não tiverem a capacidade de prever a sua própria evolução, se não souberem antecipar a sua necessidade de mudança. Reabrir uma empresa que foi encerrada é mais caro do que lançar uma empresa nova. Uma escola que perdeu qualidade não conseguirá atrair alunos e professores. Um jornal abandonado pelos leitores deixou de ser estimulante para quem escreve. Uma igreja sem fiéis também não terá padres, não havendo quem continue os rituais ou quem actualize a doutrina. Mas num partido político as coisas são ainda mais complexas, porque a função política orienta a mudança das sociedades, dispõe dos recursos e da legitimidade para estabelecer as linhas estratégicas - não tem nada, em termos do que é humano, que lhe seja superior. É do que faz o partido político, no poder ou na oposição, que depende o que acontecerá na sociedade - na empresa, na escola, no jornal ou na igreja. Dá muito trabalho fazer um partido, dá ainda mais trabalho assegurar a sua continuidade. Mas é da natureza de uma entidade política saber que todo o mundo é feito da mudança que o poder político souber orientar, como também é da natureza de um partido pluralista saber que qualquer democracia é feita do confronto que permitir a vigilância mútua das instituições e a procura do que é novo nas possibilidades estratégicas. No poder ou na oposição, um partido político tem como responsabilidade a configuração do destino, a organização das forças para a concretização dos objectivos estratégicos que escolhe como sendo realizáveis. Não há maior responsabilidade nas sociedades, porque nada na sociedade é superior à política. É habitual atribuir um valor especial à afirmação da vontade dos políticos que assumem o papel histórico de fundadores, a quem fica associada a capacidade excepcional de saberem identificar um lugar eleitoral, uma base programática e um sentido estratégico, fazendo nascer um partido onde antes apenas existiam forças sem configuração ou multidão sem ordem. A tarefa desses fundadores é, muitas vezes, facilitada pelas circunstâncias especiais do tempo histórico da fundação. A crise de uma ordem política que se tornou inviável oferece margens de liberdade que não voltam a existir mais tarde, quando as entidades fundadas nessas circunstâncias excepcionais entrarem na fase de rotina e, depois, de corrupção, precisando de ser revitalizadas ou mesmo refundadas. Reparar é sempre mais difícil (e menos heróico) do que construir. E as circunstâncias históricas, as condições estratégicas nacionais e mundiais, também podem ser mais ingratas no tempo da reparação do que foram na fase da fundação: onde se vão encontrar agora os apoios americanos, alemães, franceses e até venezuelanos que sustentaram a construção inicial? É tão difícil reparar, mais ainda refundar, que o melhor é não deixar degradar e corromper. Para um partido persistir no tempo não pode resumir-se aos seus criadores, por muito importante que seja a sua marca carismática. O verdadeiro teste da relevância de um partido está no modo como responde à mudança das gerações e à mudança dos contextos estratégicos. A mudança das gerações falha-se quando se deixa proliferar a corrupção dos grupos de interesses e das clientelas - que assim se mostram superiores ao partido e aos sucessores dos fundadores, tornando-os incapazes de exercer o poder. A mudança dos contextos estratégicos falha-se quando se pretende fugir ao desafio da mudança pelo artifício da anulação de todas as diferenças, confundindo tudo numa mistura sem configuração e sem orientação, entregando o destino à multidão. Um partido não persiste se for corrompido e se perder a capacidade de confronto que determina a sua identidade. Qualquer poder que perde a noção da diferença e da conflitualidade também perde a noção da mudança, pois a natureza da mudança é a diferença e o confronto, o corte e a transformação. Foi isso que o PS esqueceu para conquistar o poder. Ficou dependente dos resultados, que são maus. E porque não tem uma estratégia de mudança, os resultados só podem ser piores. De tanto querer ser abrangente e gratificante, o PS engole-se a si mesmo, confundido com a multidão. A legenda da actual crise portuguesa pode ser esta: «Diz o murcho ao frouxo: avança tu!». E nada se move, como queria a Inquisição.

Joaquim Aguiar

Ser e não ser (EXPRESSO 28/04/2001) O PARTIDO Socialista, nesta altura, é simultaneamente o ser e o não ser. O sim e o não. O debate da Lei da Liberdade Religiosa foi mais uma confirmação desta verdade. Ela veio mostrar que o PS é um partido anticlerical mas, igualmente, respeitador da Igreja. É anticlerical porque é herdeiro do jacobismo maçónico e muitos militantes seus gostariam de equiparar a Igreja Católica às outras religiões, suprimindo-lhe os privilégios, sujeitando-a às mesmas regras. É respeitador da Igreja porque tem um líder católico e uma maioria moderada, que se reviu na visita que o ministro dos Negócios Estrangeiros fez esta semana ao Papa. Mas esta atitude dúplice do PS em relação à Igreja católica alarga-se a quase todos os sectores. O ministro das Finanças, Pina Moura, esforça-se por satisfazer os empresários e chega a ser acusado de promover a promiscuidade entre o Estado e os interesses económicos - enquanto o ex-ministro Jorge Coelho diz que a base eleitoral do PS são os trabalhadores por conta de outrem e são esses que o partido deve proteger. E o mesmo se passa em relação à esquerda e à direita. Enquanto Mário Soares e Manuel Alegre continuam a dizer-se de «esquerda», António Guterres é acusado de fazer o jogo da direita. E o que dizer da autoridade? Como interpretar o facto de Guterres ter posto sempre o acento no diálogo e de Coelho vir dizer agora que o país precisa de mais autoridade? Esta «dessintonia» tem a sua expressão final na «liderança bicéfala». Enquanto o Governo tem hoje um primeiro-ministro liberal, católico e europeu (António Guterres), o partido tem um líder socialista, laico e bem português (Jorge Coelho). É impossível haver maior duplicidade. É impossível um partido ser simultaneamente mais católico e mais anticlerical, mais protector dos empresários e mais defensor dos trabalhadores, melhor posicionado na esquerda e na direita, mais apologista do diálogo e da autoridade. Claro que, com isto, o PS desnorteia a oposição. Como fazer oposição a alguém que é simultaneamente uma coisa e o seu contrário? É difícil. É, de facto, muito difícil combater um partido que funciona assim. Resta, portanto, à oposição esperar que, à força de defender simultaneamente o branco e o preto, o PS se desuna, se desarticule, ou os portugueses se cansem. Rita Blanco dizia na semana passada ao EXPRESSO que fazia tantas críticas ao seu próprio trabalho que retirava argumentos aos críticos para a criticarem. Com o PS passa-se o mesmo: mostra-se tão contraditório que a oposição fica sem espaço para o contraditar.

José António Saraiva

A cor do Estado (EXPRESSO 28/04/2001) QUALQUER um pode ser apanhado pelas suas próprias palavras, ditas ou escritas noutra época e noutro contexto. Os políticos e os jornalistas da imprensa são, provavelmente, os que mais se expõem porque as palavras são o seu instrumento de trabalho num dia-a-dia de ritmo frenético e ficam registadas para sempre. Há casos em que as palavras perdem sentido, outros em que a evolução da realidade as torna ridículas e outros ainda em que se mantêm actuais anos a fio, mesmo contra o desejo e a expectativa de quem as pronunciou. Às vezes, por um acaso, encontram-se palavras dessas com mais de dez anos, tão teimosas - ou traiçoeiras? - e tão adequadas à realidade que dir-se-ia terem sido aplicadas apenas minutos antes de as lermos. Veja-se o caso das seguintes, reproduzidas nesta mesma página pela jornalista Teresa de Sousa a 11 de Fevereiro de 1989, e proferidas por alguém que enunciava, em entrevista, três «preocupações fundamentais» sobre a vida pública de então. Primeira: «Portugal é hoje um país sem rumo e sem estratégia (...). O Governo governa ao sabor da conjuntura, dos interesses, da pressão dos 'lobbies'». Segunda: «Vivemos um período de prosperidade económica a nível internacional em que as injustiças se acentuam em Portugal». Terceira: «Estamos sinceramente preocupados com aquilo que é a partidarização do Estado - o crescimento do 'Estado laranja' - e com a necessidade de defender os cidadãos face ao Estado». Agora, mude-se a cor do Estado. E repare-se como continuam actuais estas palavras do ex-líder parlamentar do PS António Guterres, que ao tempo ainda usava bigode.

Fernando Madrinha

Onde está António Guterres? (EXPRESSO 27/04/2001) A Igreja Católica produziu esta semana o mais arrasador libelo acusatório à actuação do Governo. Embora as motivações e o «timing» dos bispos portugueses sejam susceptíveis de controvérsia, o certo é que o quadro negro desenhado na pastoral reproduz em larga medida as inquietações éticas, políticas e económicas da generalidade dos cidadãos e, pasme-se, até encontram eco em alguns dos mais destacados ministros de Guterres. E, no entanto, este clima de depressão que mina a coesão social do país continua sem tradução eleitoral, pois o PS triunfa com clareza em todas as sondagens! Desta aparente contradição tem o primeiro-ministro retirado os seus mais fortes argumentos para ignorar a crise, fazendo vista grossa ao facto de que embora os números penalizem fortemente a oposição mascaram também a perigosa deriva dos eleitores para a abstenção. Essa é talvez a mais perturbante conclusão da mais recente sondagem da Universidade Católica para o «Público», Antena 1 e RTP, consistente, aliás, com todos os estudos feitos anteriormente. Mas para o primeiro-ministro parece ser mais cómodo consolar-se com as fracas «performances» da oposição do que combater o divórcio dos portugueses em relação à política. Por isso a sua agenda legislativa está carregada de medidas destinada a aliviar as pressões da conjuntura, enquanto adia para as calendas as indispensáveis respostas aos problemas nucleares da sociedade portuguesa. Onde está o António Guterres que liderou a «revolução rosa» de 1995?

Fernando Diogo

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

6 comentários 1 a 6

6 Maio 2001 às 12:15

tribunus

Depois de 6 anos de permanente barracada, ainda à esquerda suspirantes pelo Guterres! O homem

è bom, só que vai deixar os portuguses com cólicas, quando marchar-se.

Autentico nacional socialismo o homem foi eleito com 96%! não exis-

gente inteligente no PS?

5 Maio 2001 às 20:20

O mundo será melhor quando a politica deixar de ser um jogo de futebol e de cores clubisticas. Para mim existem exelentes pessoas em todos os partidos e grandes idiotas tambem em todos. Resultado fico terrivelmente irritado quandoo alguem tenta fazer crer que este ou aquele partido é melhor ou pior. Isso cheira-me a algum interesse escondido.

Para mim o Eng. Guterres é dos competentes e é certamente humano. Simplesmente não acerta em quem o acompanha. Competente é tambem o Prof. Marcelo. O mundo será melhor quando as pessoas se juntarem para liderarem o mundo, independentemente das cores partidarias porque isso lembra-me interesses escondidos.

5 Maio 2001 às 20:15

Recaredo

Aí temos o Frentismo de "esquerda" !

Para quando a Aliança Nacional da "não-esquerda" ?

Mas, por favor, não venham com o MRPP Durão ou com os autistas Cavaco, Freitas & Co.

Gente nova é o que necessitamos,

como Luis Filipe Menezes !

Quanto ao CDS/PP que comece por ter um homem ou uma mulher na liderança. Definam-se !

A minha esperança é para o que possa aparecer de novo.

Aguardo !

5 Maio 2001 às 17:32

Guterres e o seu PS têm e sempre tiveram um único objectivo: conquistar e manter o poder. Para isso dizem o que convém em cada momento - uma coisa e o seu contrário, porque não? Pensar que eles acreditam no país, em valores, em ideias, em projectos é ser de uma total ingenuidade. Eles acreditam nos benefícios que retiram quando detêm o poder. Mais nada.

5 Maio 2001 às 14:46

Rui Ferreira ( ruiferr2000@yahoo.com )

è mais que evidente que se nota que o engº Guterres está cada vez mais cansado e farto de todas as polémicas que teem vindo a surgir ao longo destes ultimos 2 anos. Estamos perante a mesma doença que afectou o prof.Cavaco Silva, com a grande diferença que o prof. deixou grande obra feita ao contrário do engº que ao procurar agradar tudo e todos acaba por ser um grande coveiro deste país que tanto prometia.

Para gáudio de outros paises cada vez mais somos a cauda do pelotão desta Europa cada vez mais desunida.

espero que haja eleições antecipadas e que os Portugueses de uma vez por todas saibam quem tem realmente valor para liderar este país que ainda tem muito para dar.

5 Maio 2001 às 2:29

Ninguém Diga que Está Bem, Santo Deus...

O Patinha Antão está de regresso.

Livra! Chiça !

Socorro !

Chama as Brigadas de Desinfestação!

O SEU COMENTÁRIO

Nome:

E-mail:

Comentário:

Os comentários constituem um espaço aberto à participação dos leitores. EXPRESSO On-Line reserva-se, no entanto, o direito de não publicar opiniões ofensivas da dignidade dos visados ou que contenham expressões obscenas.

marcar artigo