EXPRESSO: País

29-07-2001
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A nova maioria silenciosa Com raras excepções, como Carrilho ou Roseta, a maioria dos socialistas «calou» as críticas no Congresso do Pavilhão Atlântico Alberto Frias Fausto Correia, Jorge Coelho e Edite Estrela (com Pina Moura e António Vitorino em segundo plano): pelo que se viu, até parece que o PS está num «mar de rosas» O PATÉTICO episódio da aprovação da moção da EDP a exigir a «remodelação imediata do Governo», que o próprio António Guterres e os guterristas sufragaram de braço no ar, é a caricatura perfeita do que foi o XII Congresso do PS e do estado a que o partido chegou. A rosa importada que substituiu o punho combativo está a esmorecer nas lapelas. Apostados em esconder da opinião pública o que se passa nos bastidores, onde o inconformismo e a desilusão estimulam uma conspiração galopante, os homens do aparelho optaram pela estratégia da simulação. A fingir que não se passa nada. O PATÉTICO episódio da aprovação da moção da EDP a exigir a, que o próprio António Guterres e os guterristas sufragaram de braço no ar, é a caricatura perfeita do que foi o XII Congresso do PS e do estado a que o partido chegou. A rosa importada que substituiu o punho combativo está a esmorecer nas lapelas. Apostados em esconder da opinião pública o que se passa nos bastidores, onde o inconformismo e a desilusão estimulam uma conspiração galopante, os homens do aparelho optaram pela estratégia da simulação. A fingir que não se passa nada. Duas verdades Alguns dirigentes do PS (pequenos, médios e grandes), e parte substancial dos militantes que a eles se juntaram no Congresso, uma vez eleitos delegados, parecem sofrer da síndroma da dupla personalidade: dizem uma coisa em público e outra em privado. Em privado, criticam os erros e a inércia, sublinham valores ideológicos e causas esquecidas, exigem mudanças e respeito pelos compromissos assumidos para com o eleitorado; em público, fingem que tudo vai bem e concorrem para a idolatria do líder. Jorge Coelho, que no pré-congresso descentralizado se queixou de Guterres às bases, lembrando que «pior do que decidir mal é não decidir nada», na sessão plenária voltou à tese do «quem se mete com o PS leva», agora virada para dentro, chamando cobardes aos críticos e desafiando-os a assumirem-se. E Miguel Coelho, que abriu a última reunião da concelhia a que preside (Lisboa) pedindo aos ministros debaixo de fogo que façam ao PS o favor de se demitirem, trocou as críticas por louvores. Torres Couto, que nos bastidores se queixa amargamente do partido e seus dirigentes, plagiou no Pavilhão Atlântico velhos elogios ao culto da personalidade. Fernando Gomes entrou mudo e saiu calado. E por aí adiante. Dir-se-á que este desvio comportamental não é exclusivo dos socialistas. Os políticos são, por definição, profissionais do optimismo - sobretudo quando estão no poder. Mas a questão ganha maior acuidade quando o que está em causa é o futuro do país. As novas «forças de oposição» - OCDE, Comissão Europeia, INE, Banco de Portugal, FMI, Instituto Internacional para a Competição e Gestão - apontam sucessivos erros à governação de Guterres e alertam para os perigos crescentes de recessão. Mas nada disso teve grande importância para os congressistas reunidos no Pavilhão Atlântico. O próprio lema do Congresso - Portugal pela Positiva - era já de si um convite «irrecusável» a esconder a outra face da moeda: o balanço negativo da governação socialista, a lista de decisões adiadas, as promessas por cumprir, o país endividado e deprimido. «Não» ao cinzentismo Mas o «detalhe» da remodelação do Governo - como António Guterres eufemisticamente lhe chamou - não é a única exigência séria dos socialistas da EDP sufragada em Congresso por ampla maioria. Nem sequer o «puxão de orelhas» mais gravoso para o chefe do Governo. Enquanto ponto de chegada de uma radiografia pormenorizada ao estado da Nação, a recomendação é antecedida de uma perturbadora listagem do que se não fez. Ali se lamenta «a manutenção da ineficiente e estática máquina administrativa do Estado», se enumeram incoerências políticas e «diferenças entre a prática política e a expectativa que orientou o eleitorado a apostar no Governo socialista», se lembram que os bons resultados que o PS obteve nas últimas eleições e obtém nas sondagens se deve «em medida substancial às crises das oposições e à consequente falta de credibilidade das mesmas», e se lamenta a «crescente dependência do exterior» e o facto de os nossos indicadores nos situarem «na cauda da Europa». O documento, de seis páginas, diz que o Governo tem prosseguido «uma política cinzenta». E sublinha o facto de «em dois mandatos sucessivos, as medidas políticas privilegiarem acções paliativas que mantêm o estrangulamento do progresso do país e as contradições entre o discurso e a prática». Segue-se a constatação de que «o PS ainda não desenvolveu uma reforma de fundo, geradora de uma viragem na cultura dos vícios da segregação, na saúde, na justiça, na fiscalidade, na educação e no direito de cidadania à segurança física e moral». A mal-amada reforma fiscal é apelidada de «operação de cosmética». E Pina Moura acusado de «continuar a condenar quem trabalha por conta de outrem» e de agir «sem imaginação para tributar de forma inteligente as profissões liberais». O documento confere verdade à ideia de que «quem é assalariado desconta perto de metade do que ganha para impostos e segurança social, sem usufruir o que numa sociedade equilibrada e justa seria expectável». E diz que neste contexto «o significado das tabelas salariais, negociadas com os sindicatos, representa uma enorme mentira económica e social». Os socialistas da EDP (e com eles o Congresso que aprovou a moção) reclamam ainda «a coragem política de promover a descentralização burocrática de serviços e ministérios»; advertem para os perigos da nova economia, «onde não se põe o problema da galinha e do ovo», uma vez que «não há galinha, só há ovo»; alertam para os riscos do investimento público no Brasil, de que Guterres tanto se orgulha; e indignam-se com o facto de «as estruturas das organizações do partido, da administração pública e das grandes empresas estratégicas se manterem como se o tempo tivesse parado nas décadas anteriores». Tempo ainda para criticar o «excessivo peso da estrutura operacional da cúpula do partido e o grande distanciamento das bases»; o facto de a democracia interna ser um «mero formalismo» de «sustentação publicitária das opções governativas», gerador de inconformismo e desmobilização; a «cumplicidade contranatura» entre cargos partidários e governamentais, «confundindo a voz do partido com as posições do Governo de Portugal»; e os perigos de «abandono dos suportes ideológicos» e a «descaracterização dos valores do partido», feitos a coberto da abertura do PS à sociedade civil. Acresce que, sendo o Congresso o órgão máximo de decisão do partido, António Guterres está vinculado ao dever de fazer a remodelação e mudar de rumo. As cabeças a prémio Jorge Coelho, que assistiu impávido e sereno ao apelo privado à autodemissão de Manuela Arcanjo, Pina Moura, Castro Caldas, Augusto Santos Silva e José Sasportes, participou também na sessão de encerramento em que a moção da EDP foi aprovada. Aí se sugerem seis nomes de novos ministros: Vítor Constâncio, Hernâni Lopes, José Penedos, João Cravinho, António Vitorino e António Arnault. A lista dos remodeláveis cresceu nos últimos dias com o nome de Alberto Martins, por falta de obra apresentada. Além de Coelho - que diz que não ouviu nem leu nada sobre a moção aprovada duas vezes - estiveram presentes no encontro dos socialistas da EDP Narciso Miranda, Vítor Santos (o secretário de Estado-adjunto da Economia) e José Penedos, de quem se diz ter sido o inspirador da versão final. Nenhum deles achou por bem advertir Guterres para a gravidade do que estava em causa. O que faz do Congresso do Pavilhão Atlântico, mais do que a missa de beatificação de Guterres, uma representação de teatro do absurdo.

ORLANDO RAIMUNDO

O resistente PRESCINDINDO do «ver claramente visto», de que falava Camões, num elogio à observação participada, Manuel Alegre desta vez não foi ao Congresso. As dúvidas que longo tempo o atormentaram sobre a natureza das convicções de Guterres e a sua capacidade executiva dissiparam-se de vez. PRESCINDINDO do «ver claramente visto», de que falava Camões, num elogio à observação participada, Manuel Alegre desta vez não foi ao Congresso. As dúvidas que longo tempo o atormentaram sobre a natureza das convicções de Guterres e a sua capacidade executiva dissiparam-se de vez. Indisponível para se travar de razões com o inflexível cronometrista parlamentar Almeida Santos, que dirigiu os trabalhos, e ter mesmo assim de se conformar com a liberdade mitigada, o poeta-resistente usou a tribuna que os «media» lhe asseguram para dizer o que lhe vai na alma. Indignado com a tentativa de «crucificação» de Carrilho, avisou não se rever num PS que assobia um camarada que está na tribuna. E recusou a Comissão Nacional. A crescente descaracterização ideológica do PS, onde os católicos oriundos do CDS têm «mais peso e influência no partido do que aqueles que o fizeram», coloca-o em rota de colisão com o líder. Para já, e à falta de outras coragens, propõe-se desafiá-lo no próximo Congresso. Mas o seu prestígio interno, e a capacidade de mobilização à esquerda, podem precipitar a guerra de sucessão.

O.R.

A libertária CAPAZ de se bater por aquilo em que acredita, Helena Roseta é caso raro num PS com cultura de poder. A circunstância de ser originária do PSD, insuspeita de desvios esquerdistas, torna a situação mais caricata. A «ousadia» de querer levar os deputados socialistas a pensar pela sua cabeça sobre uma questão tão importante como a interrupção voluntária da gravidez custou-lhe a exclusão da Comissão Nacional. A provar que o guterrismo vive mal com a adversidade. CAPAZ de se bater por aquilo em que acredita, Helena Roseta é caso raro num PS com cultura de poder. A circunstância de ser originária do PSD, insuspeita de desvios esquerdistas, torna a situação mais caricata. A «ousadia» de querer levar os deputados socialistas a pensar pela sua cabeça sobre uma questão tão importante como a interrupção voluntária da gravidez custou-lhe a exclusão da Comissão Nacional. A provar que o guterrismo vive mal com a adversidade. Ironicamente, porém, a grande derrotada do Congresso poderá tornar-se a única vencedora de um fim-de-semana sem história - pelo respeito que lhe adveio da firmeza de que deu provas, num partido que compromete convicções de fundo. A circunstância de ter promovido a única ideia que mobilizou os jovens da JS, poderá ampliar a sua limitada base de apoio parlamentar e contribuir para que os socialistas deixem de andar a reboque do Bloco de Esquerda. Para Roseta, não é de feminismo que se trata, mas de liberdade - do direito que as mulheres têm de dispor do seu próprio corpo.

O.R.

O intelectual NUM exercício de pedagogia digno de um professor universitário, Manuel Maria Carrilho demonstrou em público o que outros lamentam em privado: a existência de défice democrático no PS. Tentou discutir os problemas e não o deixaram. A forma como foi apupado pelas bases, mais do que a prova de uma incultura democrática generalizada, é a soma e o resto de uma certeza maior: a de que os «yes man», de que Guterres procura rodear-se, são mais perniciosos à democracia que os famigerados «boys». NUM exercício de pedagogia digno de um professor universitário, Manuel Maria Carrilho demonstrou em público o que outros lamentam em privado: a existência de défice democrático no PS. Tentou discutir os problemas e não o deixaram. A forma como foi apupado pelas bases, mais do que a prova de uma incultura democrática generalizada, é a soma e o resto de uma certeza maior: a de que os «yes man», de que Guterres procura rodear-se, são mais perniciosos à democracia que os famigerados «boys». Este franco-atirador solitário, que tem da vaidade a noção elaborada dos homens de cultura, pode não arrastar as massas como Guterres, nem ser campeão da popularidade como Coelho, mas já saboreou o prazer supremo de ter razão antes de tempo, à boa maneira de António Campos. Com a tranquilidade de quem não precisa do partido para nada, o filósofo que faz montra de livraria em Espanha e França (onde é mais conhecido do que em Portugal), irá prosseguir até ao fim da Legislatura o exercício de cidadania. É bem capaz de não querer ganhar nada. Ter razão já lhe basta.

O.R.

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Guterres trava adeptos da crise

Quatro mitos e uma gafe

Renovação «adiada» para o próximo acto

Um regresso Seguro

Guterres resiste a remodelar para já

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

5 comentários 1 a 5

16 Maio 2001 às 20:17

Coisa tão surrealista...

Aquando das eleições para as Federações do PS, houve em todas elas, sempre dois oponentes, um a favor do chamado "aparelho", outro protegido pelos críticos...

Em todas elas, ganhou, ou quase sempre, a conoctada com o "aparelho".

Ora, contadas as espingardas, os "renovadores" ( ou descontentes com o "guterrismo") verificaram, que no seu conjunto, tinham perdido...

Não dados por vencidos, tentaram ganhar as Concelhias (já que as eleições para as Federações funcionaram como "primárias"), tendo-se verificado, mais uma vez, que perderam...

Na eleição para Secretário-Geral e dado que só apareceu Guterres candidato ao lugar, talvez com medo de mais uma derrota, os mentores da descontentamento, sairam pela direita baixa...e "cadê" os mentores da renovação, não se viram, nem deram a cara, com excepção de dois ou três (Carrilho, Roseta, Alegre e Henrique), mas os verdadeiros mentores, "acobardaram-se"...

E, sabe, senhor Orlando Rodrigues, o irónico da questão está em que algumas Concelhias resolveram enviar como Delegados ao Congresso membros dos chamados "Renovadores", os anti-aparelho..quer que lhe dê um exemplo? Olhe que dou, só para que o Senhor veja, como é fácil vergar a espinha....uns armadilharam a questão, outros porque sentem que são diferentes aceitaram, mal, mas aceitaram...

Por isso não é novidade haver Delegados que fora dizem uma coisa e dentro fazem outra.....afinal o Secretário-Geral, já estava eleito, que mal faziam?

Se, não fosse assim, outros cuidados se tomariam ou não acha?

E, ainda bem, que os "militantes de base" elegem o Secretário-Geral directamente...só é pena que os "Renovadores" ou "Anti-aparelho", não se tenham assumido...isso é que seria uma luta interessante....talvez um dia, num sótão deste País, aparece algum "corajoso".

14 Maio 2001 às 14:16

MULHER DE severiano teixeira (ministro súcia) ARRANJA TAXO NO MINISTÉRIO DA "SOLIDARIEDADE PARA OS AMIGOS E MULHERES" ( Esta mulher de "Ajudante de César" não só o é como também o parece )

.

Assim vai a "Solidariedade"...

...Quem o é (solidário) para as mulheres dos amigos, a mais não é obrigado

13 Maio 2001 às 8:21

Turco

IMAGEM DA NOTÍCIA: PATÉTICOS...INCOMPETENTES...

ESGOTADOS DE ESQUEMAS E MENTIRAS, DESESPERADAMENTE PROCURANDO A FUGA AO LINCHAMENTO QUE INEVITAVELMENTE CHEGARÁ !!!

12 Maio 2001 às 9:03

Mário Cordeiro ( mario.cordeiro@netcabo.pt )

Só duas ou três questões: toda a gente deu de barato que o Congresso "se enganou" com a moção da EDp e que, apeasr de tudo, o órgão soberano de um partido não pode dizer ao Executivo o que tem que fazer... MAS... quais os critérios pra dizer que esta moção foi votada por engano e não qualquer das outras, designadamente a do Secertário-Geral? Porque é que esta esmagadora recomendação do COngresso e do próprio secretário-geral ao primeiro ministro para remodelar (entre outrs coisas) é levada na brincadeira e o resto não? Será que o Congresso se enganou com a moção de Helena Roseta? Provavelmente... Sic transit Gloriae PS. E o ar displicente do PM como se nada tivesse acontecido - há uns anos teria rido deste quid pro quo e assumido que os Congressos plebiscitários às vezes fazem barracas destas. Guterres agora é um homem sério e investido de uma missão, a bem de A Nação... onde é que eu já ouvi isto???

12 Maio 2001 às 7:57

O TÍTULO DEVERIA SER "NOVA MAIORIA SILENCIADA"

.

Boy que diz o que pensa perde o job

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A nova maioria silenciosa Com raras excepções, como Carrilho ou Roseta, a maioria dos socialistas «calou» as críticas no Congresso do Pavilhão Atlântico Alberto Frias Fausto Correia, Jorge Coelho e Edite Estrela (com Pina Moura e António Vitorino em segundo plano): pelo que se viu, até parece que o PS está num «mar de rosas» O PATÉTICO episódio da aprovação da moção da EDP a exigir a «remodelação imediata do Governo», que o próprio António Guterres e os guterristas sufragaram de braço no ar, é a caricatura perfeita do que foi o XII Congresso do PS e do estado a que o partido chegou. A rosa importada que substituiu o punho combativo está a esmorecer nas lapelas. Apostados em esconder da opinião pública o que se passa nos bastidores, onde o inconformismo e a desilusão estimulam uma conspiração galopante, os homens do aparelho optaram pela estratégia da simulação. A fingir que não se passa nada. O PATÉTICO episódio da aprovação da moção da EDP a exigir a, que o próprio António Guterres e os guterristas sufragaram de braço no ar, é a caricatura perfeita do que foi o XII Congresso do PS e do estado a que o partido chegou. A rosa importada que substituiu o punho combativo está a esmorecer nas lapelas. Apostados em esconder da opinião pública o que se passa nos bastidores, onde o inconformismo e a desilusão estimulam uma conspiração galopante, os homens do aparelho optaram pela estratégia da simulação. A fingir que não se passa nada. Duas verdades Alguns dirigentes do PS (pequenos, médios e grandes), e parte substancial dos militantes que a eles se juntaram no Congresso, uma vez eleitos delegados, parecem sofrer da síndroma da dupla personalidade: dizem uma coisa em público e outra em privado. Em privado, criticam os erros e a inércia, sublinham valores ideológicos e causas esquecidas, exigem mudanças e respeito pelos compromissos assumidos para com o eleitorado; em público, fingem que tudo vai bem e concorrem para a idolatria do líder. Jorge Coelho, que no pré-congresso descentralizado se queixou de Guterres às bases, lembrando que «pior do que decidir mal é não decidir nada», na sessão plenária voltou à tese do «quem se mete com o PS leva», agora virada para dentro, chamando cobardes aos críticos e desafiando-os a assumirem-se. E Miguel Coelho, que abriu a última reunião da concelhia a que preside (Lisboa) pedindo aos ministros debaixo de fogo que façam ao PS o favor de se demitirem, trocou as críticas por louvores. Torres Couto, que nos bastidores se queixa amargamente do partido e seus dirigentes, plagiou no Pavilhão Atlântico velhos elogios ao culto da personalidade. Fernando Gomes entrou mudo e saiu calado. E por aí adiante. Dir-se-á que este desvio comportamental não é exclusivo dos socialistas. Os políticos são, por definição, profissionais do optimismo - sobretudo quando estão no poder. Mas a questão ganha maior acuidade quando o que está em causa é o futuro do país. As novas «forças de oposição» - OCDE, Comissão Europeia, INE, Banco de Portugal, FMI, Instituto Internacional para a Competição e Gestão - apontam sucessivos erros à governação de Guterres e alertam para os perigos crescentes de recessão. Mas nada disso teve grande importância para os congressistas reunidos no Pavilhão Atlântico. O próprio lema do Congresso - Portugal pela Positiva - era já de si um convite «irrecusável» a esconder a outra face da moeda: o balanço negativo da governação socialista, a lista de decisões adiadas, as promessas por cumprir, o país endividado e deprimido. «Não» ao cinzentismo Mas o «detalhe» da remodelação do Governo - como António Guterres eufemisticamente lhe chamou - não é a única exigência séria dos socialistas da EDP sufragada em Congresso por ampla maioria. Nem sequer o «puxão de orelhas» mais gravoso para o chefe do Governo. Enquanto ponto de chegada de uma radiografia pormenorizada ao estado da Nação, a recomendação é antecedida de uma perturbadora listagem do que se não fez. Ali se lamenta «a manutenção da ineficiente e estática máquina administrativa do Estado», se enumeram incoerências políticas e «diferenças entre a prática política e a expectativa que orientou o eleitorado a apostar no Governo socialista», se lembram que os bons resultados que o PS obteve nas últimas eleições e obtém nas sondagens se deve «em medida substancial às crises das oposições e à consequente falta de credibilidade das mesmas», e se lamenta a «crescente dependência do exterior» e o facto de os nossos indicadores nos situarem «na cauda da Europa». O documento, de seis páginas, diz que o Governo tem prosseguido «uma política cinzenta». E sublinha o facto de «em dois mandatos sucessivos, as medidas políticas privilegiarem acções paliativas que mantêm o estrangulamento do progresso do país e as contradições entre o discurso e a prática». Segue-se a constatação de que «o PS ainda não desenvolveu uma reforma de fundo, geradora de uma viragem na cultura dos vícios da segregação, na saúde, na justiça, na fiscalidade, na educação e no direito de cidadania à segurança física e moral». A mal-amada reforma fiscal é apelidada de «operação de cosmética». E Pina Moura acusado de «continuar a condenar quem trabalha por conta de outrem» e de agir «sem imaginação para tributar de forma inteligente as profissões liberais». O documento confere verdade à ideia de que «quem é assalariado desconta perto de metade do que ganha para impostos e segurança social, sem usufruir o que numa sociedade equilibrada e justa seria expectável». E diz que neste contexto «o significado das tabelas salariais, negociadas com os sindicatos, representa uma enorme mentira económica e social». Os socialistas da EDP (e com eles o Congresso que aprovou a moção) reclamam ainda «a coragem política de promover a descentralização burocrática de serviços e ministérios»; advertem para os perigos da nova economia, «onde não se põe o problema da galinha e do ovo», uma vez que «não há galinha, só há ovo»; alertam para os riscos do investimento público no Brasil, de que Guterres tanto se orgulha; e indignam-se com o facto de «as estruturas das organizações do partido, da administração pública e das grandes empresas estratégicas se manterem como se o tempo tivesse parado nas décadas anteriores». Tempo ainda para criticar o «excessivo peso da estrutura operacional da cúpula do partido e o grande distanciamento das bases»; o facto de a democracia interna ser um «mero formalismo» de «sustentação publicitária das opções governativas», gerador de inconformismo e desmobilização; a «cumplicidade contranatura» entre cargos partidários e governamentais, «confundindo a voz do partido com as posições do Governo de Portugal»; e os perigos de «abandono dos suportes ideológicos» e a «descaracterização dos valores do partido», feitos a coberto da abertura do PS à sociedade civil. Acresce que, sendo o Congresso o órgão máximo de decisão do partido, António Guterres está vinculado ao dever de fazer a remodelação e mudar de rumo. As cabeças a prémio Jorge Coelho, que assistiu impávido e sereno ao apelo privado à autodemissão de Manuela Arcanjo, Pina Moura, Castro Caldas, Augusto Santos Silva e José Sasportes, participou também na sessão de encerramento em que a moção da EDP foi aprovada. Aí se sugerem seis nomes de novos ministros: Vítor Constâncio, Hernâni Lopes, José Penedos, João Cravinho, António Vitorino e António Arnault. A lista dos remodeláveis cresceu nos últimos dias com o nome de Alberto Martins, por falta de obra apresentada. Além de Coelho - que diz que não ouviu nem leu nada sobre a moção aprovada duas vezes - estiveram presentes no encontro dos socialistas da EDP Narciso Miranda, Vítor Santos (o secretário de Estado-adjunto da Economia) e José Penedos, de quem se diz ter sido o inspirador da versão final. Nenhum deles achou por bem advertir Guterres para a gravidade do que estava em causa. O que faz do Congresso do Pavilhão Atlântico, mais do que a missa de beatificação de Guterres, uma representação de teatro do absurdo.

ORLANDO RAIMUNDO

O resistente PRESCINDINDO do «ver claramente visto», de que falava Camões, num elogio à observação participada, Manuel Alegre desta vez não foi ao Congresso. As dúvidas que longo tempo o atormentaram sobre a natureza das convicções de Guterres e a sua capacidade executiva dissiparam-se de vez. PRESCINDINDO do «ver claramente visto», de que falava Camões, num elogio à observação participada, Manuel Alegre desta vez não foi ao Congresso. As dúvidas que longo tempo o atormentaram sobre a natureza das convicções de Guterres e a sua capacidade executiva dissiparam-se de vez. Indisponível para se travar de razões com o inflexível cronometrista parlamentar Almeida Santos, que dirigiu os trabalhos, e ter mesmo assim de se conformar com a liberdade mitigada, o poeta-resistente usou a tribuna que os «media» lhe asseguram para dizer o que lhe vai na alma. Indignado com a tentativa de «crucificação» de Carrilho, avisou não se rever num PS que assobia um camarada que está na tribuna. E recusou a Comissão Nacional. A crescente descaracterização ideológica do PS, onde os católicos oriundos do CDS têm «mais peso e influência no partido do que aqueles que o fizeram», coloca-o em rota de colisão com o líder. Para já, e à falta de outras coragens, propõe-se desafiá-lo no próximo Congresso. Mas o seu prestígio interno, e a capacidade de mobilização à esquerda, podem precipitar a guerra de sucessão.

O.R.

A libertária CAPAZ de se bater por aquilo em que acredita, Helena Roseta é caso raro num PS com cultura de poder. A circunstância de ser originária do PSD, insuspeita de desvios esquerdistas, torna a situação mais caricata. A «ousadia» de querer levar os deputados socialistas a pensar pela sua cabeça sobre uma questão tão importante como a interrupção voluntária da gravidez custou-lhe a exclusão da Comissão Nacional. A provar que o guterrismo vive mal com a adversidade. CAPAZ de se bater por aquilo em que acredita, Helena Roseta é caso raro num PS com cultura de poder. A circunstância de ser originária do PSD, insuspeita de desvios esquerdistas, torna a situação mais caricata. A «ousadia» de querer levar os deputados socialistas a pensar pela sua cabeça sobre uma questão tão importante como a interrupção voluntária da gravidez custou-lhe a exclusão da Comissão Nacional. A provar que o guterrismo vive mal com a adversidade. Ironicamente, porém, a grande derrotada do Congresso poderá tornar-se a única vencedora de um fim-de-semana sem história - pelo respeito que lhe adveio da firmeza de que deu provas, num partido que compromete convicções de fundo. A circunstância de ter promovido a única ideia que mobilizou os jovens da JS, poderá ampliar a sua limitada base de apoio parlamentar e contribuir para que os socialistas deixem de andar a reboque do Bloco de Esquerda. Para Roseta, não é de feminismo que se trata, mas de liberdade - do direito que as mulheres têm de dispor do seu próprio corpo.

O.R.

O intelectual NUM exercício de pedagogia digno de um professor universitário, Manuel Maria Carrilho demonstrou em público o que outros lamentam em privado: a existência de défice democrático no PS. Tentou discutir os problemas e não o deixaram. A forma como foi apupado pelas bases, mais do que a prova de uma incultura democrática generalizada, é a soma e o resto de uma certeza maior: a de que os «yes man», de que Guterres procura rodear-se, são mais perniciosos à democracia que os famigerados «boys». NUM exercício de pedagogia digno de um professor universitário, Manuel Maria Carrilho demonstrou em público o que outros lamentam em privado: a existência de défice democrático no PS. Tentou discutir os problemas e não o deixaram. A forma como foi apupado pelas bases, mais do que a prova de uma incultura democrática generalizada, é a soma e o resto de uma certeza maior: a de que os «yes man», de que Guterres procura rodear-se, são mais perniciosos à democracia que os famigerados «boys». Este franco-atirador solitário, que tem da vaidade a noção elaborada dos homens de cultura, pode não arrastar as massas como Guterres, nem ser campeão da popularidade como Coelho, mas já saboreou o prazer supremo de ter razão antes de tempo, à boa maneira de António Campos. Com a tranquilidade de quem não precisa do partido para nada, o filósofo que faz montra de livraria em Espanha e França (onde é mais conhecido do que em Portugal), irá prosseguir até ao fim da Legislatura o exercício de cidadania. É bem capaz de não querer ganhar nada. Ter razão já lhe basta.

O.R.

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COMENTÁRIOS AO ARTIGO

5 comentários 1 a 5

16 Maio 2001 às 20:17

Coisa tão surrealista...

Aquando das eleições para as Federações do PS, houve em todas elas, sempre dois oponentes, um a favor do chamado "aparelho", outro protegido pelos críticos...

Em todas elas, ganhou, ou quase sempre, a conoctada com o "aparelho".

Ora, contadas as espingardas, os "renovadores" ( ou descontentes com o "guterrismo") verificaram, que no seu conjunto, tinham perdido...

Não dados por vencidos, tentaram ganhar as Concelhias (já que as eleições para as Federações funcionaram como "primárias"), tendo-se verificado, mais uma vez, que perderam...

Na eleição para Secretário-Geral e dado que só apareceu Guterres candidato ao lugar, talvez com medo de mais uma derrota, os mentores da descontentamento, sairam pela direita baixa...e "cadê" os mentores da renovação, não se viram, nem deram a cara, com excepção de dois ou três (Carrilho, Roseta, Alegre e Henrique), mas os verdadeiros mentores, "acobardaram-se"...

E, sabe, senhor Orlando Rodrigues, o irónico da questão está em que algumas Concelhias resolveram enviar como Delegados ao Congresso membros dos chamados "Renovadores", os anti-aparelho..quer que lhe dê um exemplo? Olhe que dou, só para que o Senhor veja, como é fácil vergar a espinha....uns armadilharam a questão, outros porque sentem que são diferentes aceitaram, mal, mas aceitaram...

Por isso não é novidade haver Delegados que fora dizem uma coisa e dentro fazem outra.....afinal o Secretário-Geral, já estava eleito, que mal faziam?

Se, não fosse assim, outros cuidados se tomariam ou não acha?

E, ainda bem, que os "militantes de base" elegem o Secretário-Geral directamente...só é pena que os "Renovadores" ou "Anti-aparelho", não se tenham assumido...isso é que seria uma luta interessante....talvez um dia, num sótão deste País, aparece algum "corajoso".

14 Maio 2001 às 14:16

MULHER DE severiano teixeira (ministro súcia) ARRANJA TAXO NO MINISTÉRIO DA "SOLIDARIEDADE PARA OS AMIGOS E MULHERES" ( Esta mulher de "Ajudante de César" não só o é como também o parece )

.

Assim vai a "Solidariedade"...

...Quem o é (solidário) para as mulheres dos amigos, a mais não é obrigado

13 Maio 2001 às 8:21

Turco

IMAGEM DA NOTÍCIA: PATÉTICOS...INCOMPETENTES...

ESGOTADOS DE ESQUEMAS E MENTIRAS, DESESPERADAMENTE PROCURANDO A FUGA AO LINCHAMENTO QUE INEVITAVELMENTE CHEGARÁ !!!

12 Maio 2001 às 9:03

Mário Cordeiro ( mario.cordeiro@netcabo.pt )

Só duas ou três questões: toda a gente deu de barato que o Congresso "se enganou" com a moção da EDp e que, apeasr de tudo, o órgão soberano de um partido não pode dizer ao Executivo o que tem que fazer... MAS... quais os critérios pra dizer que esta moção foi votada por engano e não qualquer das outras, designadamente a do Secertário-Geral? Porque é que esta esmagadora recomendação do COngresso e do próprio secretário-geral ao primeiro ministro para remodelar (entre outrs coisas) é levada na brincadeira e o resto não? Será que o Congresso se enganou com a moção de Helena Roseta? Provavelmente... Sic transit Gloriae PS. E o ar displicente do PM como se nada tivesse acontecido - há uns anos teria rido deste quid pro quo e assumido que os Congressos plebiscitários às vezes fazem barracas destas. Guterres agora é um homem sério e investido de uma missão, a bem de A Nação... onde é que eu já ouvi isto???

12 Maio 2001 às 7:57

O TÍTULO DEVERIA SER "NOVA MAIORIA SILENCIADA"

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Boy que diz o que pensa perde o job

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