EXPRESSO: País

20-05-2001
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28/4/2001

Padres casados pela reintegração São cerca de 400 e querem exercer todos os actos do sacerdócio: celebrar missa, pregar, baptizar ou presidir a casamentos Rui Duarte Silva Manuel Pombal, ex-pároco de Melgaço, com a mulher, Luísa, e a filha, Joana, de dois meses UM DIA abandonaram o altar por causa de uma mulher. Apesar de terem jurado, no dia da ordenação sacerdotal, manter-se celibatários para toda a vida, decidiram casar. Ninguém sabe ao certo quantos são os padres portugueses casados - e não ex-padres, como vulgarmente são referidos -, mas a associação Fraternitas estima em mais de quatro centenas. Este é o único movimento de padres casados católicos do mundo reconhecido pela hierarquia católica. A partir de hoje, e durante quatro dias, os seus membros reúnem-se em Fátima, num encontro anual, presidido pelo bispo de Beja, D. Vitalino Dantas. UM DIA abandonaram o altar por causa de uma mulher. Apesar de terem jurado, no dia da ordenação sacerdotal, manter-se celibatários para toda a vida, decidiram casar. Ninguém sabe ao certo quantos são os padres portugueses casados - e não ex-padres, como vulgarmente são referidos -, mas a associação Fraternitas estima em mais de quatro centenas. Este é o único movimento de padres casados católicos do mundo reconhecido pela hierarquia católica. A partir de hoje, e durante quatro dias, os seus membros reúnem-se em Fátima, num encontro anual, presidido pelo bispo de Beja, D. Vitalino Dantas. Mas nem sempre a relação destes homens com o episcopado foi a mais cordial. Muitos viram-se literalmente abandonados pela instituição que serviram. A alguns foi mesmo exigido que deixassem as terras onde sempre viveram, como aconteceu com o presidente da Fraternitas, o padre João Simão, que teve de deixar o seu lugar de professor de Química na Universidade de Coimbra. Casamento após 20 anos de sacerdócio António Pedro Ferreira Paulo Eufrásio, antigo jesuíta, com a esposa, Maria Teresa, ex-freira franciscana, e a filha, Patrícia Depois de 20 anos de sacerdócio, João Simão decidiu em 1971 que a sua vocação era o casamento. Durante todo aquele tempo sempre vivera no ambiente universitário. Depois de 20 anos de sacerdócio, João Simão decidiu em 1971 que a sua vocação era o casamento. Durante todo aquele tempo sempre vivera no ambiente universitário. «Quando me ordenei, o bispo achou necessária uma presença da Igreja na Universidade. E como no seminário mostrara jeito para a físico-química, mandaram-me para Coimbra», recorda João Simão, doutorado em Química pela Universidade de Bona, na Alemanha. Quando, aos 42 anos de idade, disse ao então bispo de Coimbra, D. Alberto Cosme do Amaral, que o coração o empurrava para o casamento com Maria Fernanda, então secretária no colégio católico de S. Teotónio, naquela cidade, o prelado impôs que saíssem da diocese. «Além de ser castigo de exclusão, a hierarquia temia o 'escândalo' de um padre ter optado pelo casamento», diz. O casal foi obrigado a mudar-se para Braga. Ali, valeu-lhe a abertura da Universidade do Minho. E, ao fim de 13 anos, a solicitação da Universidade de Aveiro permitiu mudarem-se para Águeda, região de onde Maria Fernanda é natural. Não se mostram ressentidos com o «castigo». Nem a atitude do bispo os levou sequer a abandonar a Igreja. Aliás, o movimento Fraternitas surgiu há cinco anos para «promover a integração da família dos padres casados na vida da Igreja», diz o padre João Simão. O movimento não faz reivindicações à hierarquia, mas o presidente da Fraternitas reafirma o que já fizeram saber aos bispos: «Apenas estamos dispostos a assumir de novo funções como padres na nossa condição de casados». Por isso é que as mulheres também fazem parte do movimento. «A vida de um padre casado passa precisamente pela sua vocação para a família», explica o padre Paulo Eufrásio, ressalvando que «não está em causa o celibato como escolha voluntária de vida, mas, no caso dos padres, foi imposto. E o sacerdócio não é incompatível com o casamento». Obrigados a vender trens de cozinha Rui Duarte Silva João Simão, com a mulher, Maria Fernanda, antiga secretária do colégio católico de S. Teotónio: padres portugueses casados iniciam hoje um encontro nacional, presidido pelo bispo de Beja, D. Vitalino Dantas Mas se João Simão não encontrou muitas dificuldades de integração profissional, o mesmo não aconteceu a Paulo Eufrásio. Este antigo jesuíta celebrou a última missa no dia 29 de Junho de 1976. Tinha então 37 anos de idade. Mas se João Simão não encontrou muitas dificuldades de integração profissional, o mesmo não aconteceu a Paulo Eufrásio. Este antigo jesuíta celebrou a última missa no dia 29 de Junho de 1976. Tinha então 37 anos de idade. A colaboração de uma freira na paróquia de Corroios (Margem Sul do Tejo), da qual era responsável desde 1971, levou-o a valorizar uma inquietação: «A vida paroquial não resolve os problemas de afectividade». «Não se trata da banalidade de ter ou não uma mulher», acrescenta, para dizer que foi este sentimento que o levou a decidir-se «por uma mulher que tinha a mesma experiência de vida e de fé». Maria Teresa, hoje sua mulher, estava na altura «a fazer uma experiência fora da comunidade, para avaliar se continuava ou não como freira», diz a ex-franciscana. Não continuou, porque «felizmente» o padre Paulo lhe fez a proposta de casamento. «Não foi fácil o início de vida», recorda Maria Teresa, que na altura não tinha emprego. «Saí com duas malas, uma com roupa e outra com livros», diz Paulo Eufrásio. As dificuldades em encontrar emprego - a teologia não era equiparada a grau académico - obrigaram Maria Teresa e o marido a andarem de casa em casa a fazer demonstrações de trens de cozinha, enquanto partilhavam uma casa com um cunhado. Já após o nascimento da filha Patrícia, Simão terminou um mestrado em linguística e Maria Teresa licenciou-se em música. Voltaram à Margem Sul do Tejo, à Charneca, integrando-se na vida paroquial. «As pessoas não se admiram de eu ser padre, com mulher e filha», diz Paulo Eufrásio, para acrescentar: «Aquilo que as confunde é o facto de não poder celebrar missa». Mas o padre Paulo não se mostra disposto a retomar funções «neste modelo de Igreja». «É necessário que o padre deixe de ser um 'supermercado' que se procura para dizer missa, fazer baptizados ou casamentos», defende o sacerdote, para realçar que «as paróquias têm de passar a ser espaços de crescimento humano e de consciencialização social». Críticas à hierarquia Com este projecto concorda Manuel Pombal, que abandonou o sacerdócio há apenas três anos, sendo , talvez por isso, mais crítico em relação à hierarquia. «Já somos sinal no interior da Igreja», reconhece, referindo-se aos padres casados. Mas insiste em apontar o dedo aos bispos: «Ainda temem falar de nós e das nossas possibilidades junto das comunidades, porque sabem que a nossa nova experiência de vida nos dá a noção dos reais problemas das pessoas». E recorda que o seu bispo, D. José Pedreira, de Viana do Castelo, lhe pediu para não se despedir dos seus dois mil paroquianos. Mas ele não obedeceu... Manuel Pombal, que agora é pai de uma menina de dois meses, foi pároco em Melgaço desde que foi ordenado, em Julho de 1991. «Nunca se colocou a questão da vocação, mas um dia chegou o momento em que se sente não poder continuar só na vida». As palavras deste padre, a trabalhar, no Porto, na Associação Nacional do Direito ao Crédito - instituição que concede financiamento a grupos de exclusão social -, deixam transparecer uma inquietação comum. Não está em causa a vocação sacerdotal mas sim o direito de serem «pessoas normais», como gosta de dizer, lamentando que «a Igreja esteja a perder muita gente interessante e empenhada na fé». O empenhamento deste padre e da sua mulher, Luísa, é agora feito na paróquia da serra do Pilar, no Porto, onde dá apoio pastoral ao pároco com outros dois padres casados. «Um dia a Igreja vai pedir-nos perdão por nos ter rejeitado. Mas o importante era reconhecer, hoje, o serviço que podemos prestar às pessoas...», lamenta Manuel Pombal.

MÁRIO ROBALO

O regresso às origens A GRANDE debandada aconteceu logo após o Vaticano II, em 1965. Em todos os países, a Igreja Católica confrontou-se com o abandono do sacerdócio, por parte de milhares de padres... e freiras. A abertura da Igreja a novas realidades sociais e a releitura de textos evangélicos, levou um sem-número de padres a assumir que o casamento não é incompatível com a vocação sacerdotal. E apesar de Roma e das Conferências Episcopais (incluindo a portuguesa) não revelarem quantos padres abandonaram o ministério, é consensual entre as diversas organizações de padres casados que devem ser cerca de 80 mil, em todo o mundo. Ou seja, de cada cinco padres ordenados um abandona o altar para casar. Depois de optarem pelo casamento, ficam impedidos, pelo Código de Direito Canónico, de efectuar quaisquer actos próprios do sacerdócio: celebrar missa, pregar, baptizar, presidir a casamentos e mesmo acompanhar funerais. Ultimamente, em 1997, João Paulo II retirou-lhes a possibilidade de efectuarem, nas missas, a leitura dos textos bíblicos e litúrgicos. Mesmo assim, continuam a ser padres. A ordenação sacerdotal que receberam - um dos sete sacramentos da Igreja Católica - é considerada como vinculativa. Só a partir do séc. IV é que o celibato obrigatório começou a esboçar os primeiros passos. Contudo, Roma nunca impôs esta disciplina entre os padres católicos do Oriente. E só o Papa pode voltar a admitir homens casados ao sacerdócio, como era no início do cristianismo.

M.R.

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Padres casados pedem reintegração na Igreja

COMENTÁRIOS AO ARTIGO

15 comentários 1 a 10

4 Maio 2001 às 11:30

M.T.C:

No caso de um padre casado, é evidente que estão sempre em primeiro lugar os deveres familiares, ou não é assim?

Tem menos disponibilidade afectiva e não só.

É evidente que um padre é um homem, não é um puro espírito, por isso será sempre difícil a vivência da castidade. Concordo que poucos o conseguem.

Contudo, esses poucos atingem, quanto a mim, um grau de santidade mais elevado.

É preciso não esquecer que os apóstolos, alguns dos quais casados, deixaram a família, deixaram tudo... para seguirem Cristo.

Talvez fosse necessário assim por serem os primeiros.

Mas uma dedicação total, desde que corresponda a uma autenticidade de fé e de vida para mim é um grau diferente de santidade, que eu considero superior.

Não quer dizer que os outros não sejam também pessoas de fé, muito úteis na Igreja.

Não me faz impressão nenhuma que eu nunca atinja esse grau...

2 Maio 2001 às 7:01

Pró Casamento......

Desculpem.

2 Maio 2001 às 6:59

Pró camento de Padres Católicos

Casem-se, padres, casem-se!

E se se divorciarem, já pensei nisso também, enfrentem os mesmos problemas que os restantes mortais.

30 Abril 2001 às 7:25

Os padres que casem. Casados não abusam sexualmente de freiras e não vão procurar prostitutas, como um relatório recente revelou.

30 Abril 2001 às 4:05

Adolfo Dias ( mas_já_não_f._porque_tens_que_trabalhar@hotmail.com )

"Para mim, o padre que se dedica por inteiro à sua vocação está num grau superior de amor ao próximo."?! E porque não afirmar, na mesma linha de raciocínio: "Para mim, o trabalhador que se dedica por inteiro à sua profissão está num grau superior de amor ao trabalho."? Haja coerência!

30 Abril 2001 às 2:54

E se o casamento falha? Se o padre se divorcia, que exemplo vai dar... que confusão vai lançar...

Se fosse simples esta questão, naturalmente a Igreja já a teria resolvido...

30 Abril 2001 às 1:42

M. T. C.

Penso que, mesmo podendo haver opção, devia haver graus diferentes.

Para mim, o padre que se dedica por inteiro à sua vocação está num grau superior de amor ao próximo.

29 Abril 2001 às 8:41

Sara / Leiria

Sou ctólica, e por mais que pense e reflicta, não consigo encontrar uma explicação plausível para os padres católicos não poderem casar!

Quem quisesse optava pelo celibato, e quem não quisesse casava.

Decerto haveria muitas mais vocações, tudo seria mais natural e normal.

Apesar de admirar este Papa, muito agarrado à tradição, ele já fez o seu papel e devia dar o lugar a outro.

Esperemos que o próximo reveja este problema.

28 Abril 2001 às 23:53

Inês Castanheira - Lisboa

2 reflexões:

-a saudade daquilo que não se tem: o casamento;

-a solidão real de muita gente casada...

28 Abril 2001 às 22:54

Maria Santos

Acho nobre a coragem de dar a cara.

Seguintes O SEU COMENTÁRIO

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Os comentários constituem um espaço aberto à participação dos leitores. EXPRESSO On-Line reserva-se, no entanto, o direito de não publicar opiniões ofensivas da dignidade dos visados ou que contenham expressões obscenas.

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28/4/2001

Padres casados pela reintegração São cerca de 400 e querem exercer todos os actos do sacerdócio: celebrar missa, pregar, baptizar ou presidir a casamentos Rui Duarte Silva Manuel Pombal, ex-pároco de Melgaço, com a mulher, Luísa, e a filha, Joana, de dois meses UM DIA abandonaram o altar por causa de uma mulher. Apesar de terem jurado, no dia da ordenação sacerdotal, manter-se celibatários para toda a vida, decidiram casar. Ninguém sabe ao certo quantos são os padres portugueses casados - e não ex-padres, como vulgarmente são referidos -, mas a associação Fraternitas estima em mais de quatro centenas. Este é o único movimento de padres casados católicos do mundo reconhecido pela hierarquia católica. A partir de hoje, e durante quatro dias, os seus membros reúnem-se em Fátima, num encontro anual, presidido pelo bispo de Beja, D. Vitalino Dantas. UM DIA abandonaram o altar por causa de uma mulher. Apesar de terem jurado, no dia da ordenação sacerdotal, manter-se celibatários para toda a vida, decidiram casar. Ninguém sabe ao certo quantos são os padres portugueses casados - e não ex-padres, como vulgarmente são referidos -, mas a associação Fraternitas estima em mais de quatro centenas. Este é o único movimento de padres casados católicos do mundo reconhecido pela hierarquia católica. A partir de hoje, e durante quatro dias, os seus membros reúnem-se em Fátima, num encontro anual, presidido pelo bispo de Beja, D. Vitalino Dantas. Mas nem sempre a relação destes homens com o episcopado foi a mais cordial. Muitos viram-se literalmente abandonados pela instituição que serviram. A alguns foi mesmo exigido que deixassem as terras onde sempre viveram, como aconteceu com o presidente da Fraternitas, o padre João Simão, que teve de deixar o seu lugar de professor de Química na Universidade de Coimbra. Casamento após 20 anos de sacerdócio António Pedro Ferreira Paulo Eufrásio, antigo jesuíta, com a esposa, Maria Teresa, ex-freira franciscana, e a filha, Patrícia Depois de 20 anos de sacerdócio, João Simão decidiu em 1971 que a sua vocação era o casamento. Durante todo aquele tempo sempre vivera no ambiente universitário. Depois de 20 anos de sacerdócio, João Simão decidiu em 1971 que a sua vocação era o casamento. Durante todo aquele tempo sempre vivera no ambiente universitário. «Quando me ordenei, o bispo achou necessária uma presença da Igreja na Universidade. E como no seminário mostrara jeito para a físico-química, mandaram-me para Coimbra», recorda João Simão, doutorado em Química pela Universidade de Bona, na Alemanha. Quando, aos 42 anos de idade, disse ao então bispo de Coimbra, D. Alberto Cosme do Amaral, que o coração o empurrava para o casamento com Maria Fernanda, então secretária no colégio católico de S. Teotónio, naquela cidade, o prelado impôs que saíssem da diocese. «Além de ser castigo de exclusão, a hierarquia temia o 'escândalo' de um padre ter optado pelo casamento», diz. O casal foi obrigado a mudar-se para Braga. Ali, valeu-lhe a abertura da Universidade do Minho. E, ao fim de 13 anos, a solicitação da Universidade de Aveiro permitiu mudarem-se para Águeda, região de onde Maria Fernanda é natural. Não se mostram ressentidos com o «castigo». Nem a atitude do bispo os levou sequer a abandonar a Igreja. Aliás, o movimento Fraternitas surgiu há cinco anos para «promover a integração da família dos padres casados na vida da Igreja», diz o padre João Simão. O movimento não faz reivindicações à hierarquia, mas o presidente da Fraternitas reafirma o que já fizeram saber aos bispos: «Apenas estamos dispostos a assumir de novo funções como padres na nossa condição de casados». Por isso é que as mulheres também fazem parte do movimento. «A vida de um padre casado passa precisamente pela sua vocação para a família», explica o padre Paulo Eufrásio, ressalvando que «não está em causa o celibato como escolha voluntária de vida, mas, no caso dos padres, foi imposto. E o sacerdócio não é incompatível com o casamento». Obrigados a vender trens de cozinha Rui Duarte Silva João Simão, com a mulher, Maria Fernanda, antiga secretária do colégio católico de S. Teotónio: padres portugueses casados iniciam hoje um encontro nacional, presidido pelo bispo de Beja, D. Vitalino Dantas Mas se João Simão não encontrou muitas dificuldades de integração profissional, o mesmo não aconteceu a Paulo Eufrásio. Este antigo jesuíta celebrou a última missa no dia 29 de Junho de 1976. Tinha então 37 anos de idade. Mas se João Simão não encontrou muitas dificuldades de integração profissional, o mesmo não aconteceu a Paulo Eufrásio. Este antigo jesuíta celebrou a última missa no dia 29 de Junho de 1976. Tinha então 37 anos de idade. A colaboração de uma freira na paróquia de Corroios (Margem Sul do Tejo), da qual era responsável desde 1971, levou-o a valorizar uma inquietação: «A vida paroquial não resolve os problemas de afectividade». «Não se trata da banalidade de ter ou não uma mulher», acrescenta, para dizer que foi este sentimento que o levou a decidir-se «por uma mulher que tinha a mesma experiência de vida e de fé». Maria Teresa, hoje sua mulher, estava na altura «a fazer uma experiência fora da comunidade, para avaliar se continuava ou não como freira», diz a ex-franciscana. Não continuou, porque «felizmente» o padre Paulo lhe fez a proposta de casamento. «Não foi fácil o início de vida», recorda Maria Teresa, que na altura não tinha emprego. «Saí com duas malas, uma com roupa e outra com livros», diz Paulo Eufrásio. As dificuldades em encontrar emprego - a teologia não era equiparada a grau académico - obrigaram Maria Teresa e o marido a andarem de casa em casa a fazer demonstrações de trens de cozinha, enquanto partilhavam uma casa com um cunhado. Já após o nascimento da filha Patrícia, Simão terminou um mestrado em linguística e Maria Teresa licenciou-se em música. Voltaram à Margem Sul do Tejo, à Charneca, integrando-se na vida paroquial. «As pessoas não se admiram de eu ser padre, com mulher e filha», diz Paulo Eufrásio, para acrescentar: «Aquilo que as confunde é o facto de não poder celebrar missa». Mas o padre Paulo não se mostra disposto a retomar funções «neste modelo de Igreja». «É necessário que o padre deixe de ser um 'supermercado' que se procura para dizer missa, fazer baptizados ou casamentos», defende o sacerdote, para realçar que «as paróquias têm de passar a ser espaços de crescimento humano e de consciencialização social». Críticas à hierarquia Com este projecto concorda Manuel Pombal, que abandonou o sacerdócio há apenas três anos, sendo , talvez por isso, mais crítico em relação à hierarquia. «Já somos sinal no interior da Igreja», reconhece, referindo-se aos padres casados. Mas insiste em apontar o dedo aos bispos: «Ainda temem falar de nós e das nossas possibilidades junto das comunidades, porque sabem que a nossa nova experiência de vida nos dá a noção dos reais problemas das pessoas». E recorda que o seu bispo, D. José Pedreira, de Viana do Castelo, lhe pediu para não se despedir dos seus dois mil paroquianos. Mas ele não obedeceu... Manuel Pombal, que agora é pai de uma menina de dois meses, foi pároco em Melgaço desde que foi ordenado, em Julho de 1991. «Nunca se colocou a questão da vocação, mas um dia chegou o momento em que se sente não poder continuar só na vida». As palavras deste padre, a trabalhar, no Porto, na Associação Nacional do Direito ao Crédito - instituição que concede financiamento a grupos de exclusão social -, deixam transparecer uma inquietação comum. Não está em causa a vocação sacerdotal mas sim o direito de serem «pessoas normais», como gosta de dizer, lamentando que «a Igreja esteja a perder muita gente interessante e empenhada na fé». O empenhamento deste padre e da sua mulher, Luísa, é agora feito na paróquia da serra do Pilar, no Porto, onde dá apoio pastoral ao pároco com outros dois padres casados. «Um dia a Igreja vai pedir-nos perdão por nos ter rejeitado. Mas o importante era reconhecer, hoje, o serviço que podemos prestar às pessoas...», lamenta Manuel Pombal.

MÁRIO ROBALO

O regresso às origens A GRANDE debandada aconteceu logo após o Vaticano II, em 1965. Em todos os países, a Igreja Católica confrontou-se com o abandono do sacerdócio, por parte de milhares de padres... e freiras. A abertura da Igreja a novas realidades sociais e a releitura de textos evangélicos, levou um sem-número de padres a assumir que o casamento não é incompatível com a vocação sacerdotal. E apesar de Roma e das Conferências Episcopais (incluindo a portuguesa) não revelarem quantos padres abandonaram o ministério, é consensual entre as diversas organizações de padres casados que devem ser cerca de 80 mil, em todo o mundo. Ou seja, de cada cinco padres ordenados um abandona o altar para casar. Depois de optarem pelo casamento, ficam impedidos, pelo Código de Direito Canónico, de efectuar quaisquer actos próprios do sacerdócio: celebrar missa, pregar, baptizar, presidir a casamentos e mesmo acompanhar funerais. Ultimamente, em 1997, João Paulo II retirou-lhes a possibilidade de efectuarem, nas missas, a leitura dos textos bíblicos e litúrgicos. Mesmo assim, continuam a ser padres. A ordenação sacerdotal que receberam - um dos sete sacramentos da Igreja Católica - é considerada como vinculativa. Só a partir do séc. IV é que o celibato obrigatório começou a esboçar os primeiros passos. Contudo, Roma nunca impôs esta disciplina entre os padres católicos do Oriente. E só o Papa pode voltar a admitir homens casados ao sacerdócio, como era no início do cristianismo.

M.R.

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15 comentários 1 a 10

4 Maio 2001 às 11:30

M.T.C:

No caso de um padre casado, é evidente que estão sempre em primeiro lugar os deveres familiares, ou não é assim?

Tem menos disponibilidade afectiva e não só.

É evidente que um padre é um homem, não é um puro espírito, por isso será sempre difícil a vivência da castidade. Concordo que poucos o conseguem.

Contudo, esses poucos atingem, quanto a mim, um grau de santidade mais elevado.

É preciso não esquecer que os apóstolos, alguns dos quais casados, deixaram a família, deixaram tudo... para seguirem Cristo.

Talvez fosse necessário assim por serem os primeiros.

Mas uma dedicação total, desde que corresponda a uma autenticidade de fé e de vida para mim é um grau diferente de santidade, que eu considero superior.

Não quer dizer que os outros não sejam também pessoas de fé, muito úteis na Igreja.

Não me faz impressão nenhuma que eu nunca atinja esse grau...

2 Maio 2001 às 7:01

Pró Casamento......

Desculpem.

2 Maio 2001 às 6:59

Pró camento de Padres Católicos

Casem-se, padres, casem-se!

E se se divorciarem, já pensei nisso também, enfrentem os mesmos problemas que os restantes mortais.

30 Abril 2001 às 7:25

Os padres que casem. Casados não abusam sexualmente de freiras e não vão procurar prostitutas, como um relatório recente revelou.

30 Abril 2001 às 4:05

Adolfo Dias ( mas_já_não_f._porque_tens_que_trabalhar@hotmail.com )

"Para mim, o padre que se dedica por inteiro à sua vocação está num grau superior de amor ao próximo."?! E porque não afirmar, na mesma linha de raciocínio: "Para mim, o trabalhador que se dedica por inteiro à sua profissão está num grau superior de amor ao trabalho."? Haja coerência!

30 Abril 2001 às 2:54

E se o casamento falha? Se o padre se divorcia, que exemplo vai dar... que confusão vai lançar...

Se fosse simples esta questão, naturalmente a Igreja já a teria resolvido...

30 Abril 2001 às 1:42

M. T. C.

Penso que, mesmo podendo haver opção, devia haver graus diferentes.

Para mim, o padre que se dedica por inteiro à sua vocação está num grau superior de amor ao próximo.

29 Abril 2001 às 8:41

Sara / Leiria

Sou ctólica, e por mais que pense e reflicta, não consigo encontrar uma explicação plausível para os padres católicos não poderem casar!

Quem quisesse optava pelo celibato, e quem não quisesse casava.

Decerto haveria muitas mais vocações, tudo seria mais natural e normal.

Apesar de admirar este Papa, muito agarrado à tradição, ele já fez o seu papel e devia dar o lugar a outro.

Esperemos que o próximo reveja este problema.

28 Abril 2001 às 23:53

Inês Castanheira - Lisboa

2 reflexões:

-a saudade daquilo que não se tem: o casamento;

-a solidão real de muita gente casada...

28 Abril 2001 às 22:54

Maria Santos

Acho nobre a coragem de dar a cara.

Seguintes O SEU COMENTÁRIO

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