PS aproveita oportunidade para legislar sobre família

28-04-2001
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DESTAQUE 2: Lei de bases da família

PS Aproveita Oportunidade para Legislar Sobre Família

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001

Lei de bases aprovada hoje na generalidade

Trata-se apenas de uma questão de oportunidade. Os socialistas decidiram usar a boleia do PP para mostrar aos eleitores que afinal o PS sempre é um partido moderado. E preparam agora as sua sistematização legislativa para o sector

A lei de bases da família proposta pelo CDS-PP vai ser hoje aprovada na generalidade com o voto favorável do PSD e a abstenção do PS. Esta inversão de posição dos socialistas face a este tipo de diploma, que chumbaram sistematicamente no passado, é oficialmente justificada como uma forma de aproveitar a oportunidade para mostrar que o PS não "abandonou" a família tradicional.

Tanto que os socialistas preparam já uma série de propostas quer legislativas quer de alteração ao diploma do PP. E, de acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, para essa tarefa o vice-presidente da bancada socialista Barros Moura, que coordena este "dossier", convidou já Maria de Lurdes Pintasilgo para participar no debate prévio que querem levar a cabo.

A inversão de posição no PS tem provocado reacções internas e há mesmo na bancada socialista quem se perfile para votar contra (ver texto nestas páginas). Mas ela é assumida ao nível máximo da direcção socialista e é o resultado de encontros e reuniões mantidos pelo próprio primeiro-ministro, António Guterres, no âmbito da preparação do congresso socialista do fim do mês.

Em destaque, na determinação desta mudança de posição, saliente-se o encontro mantido por Guterres com os dirigentes do Movimento Humanismo e Democracia - em particular os três independentes da bancada, Maria do Rosário Carneiro, Cláudio Monteiro e Teresa Venda -no início da semana passada, na véspera da decisão da comissão permanente do PS de que agora o partido devia procurar uma imagem mais moderada face aos temas comportamentais.

A importância do que foi ouvido pelo secretário-geral do PS nos encontros que fez com independentes para esta mudança de posição é assumida em declarações ao PÚBLICO pelo ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Guilherme d'Oliveira Martins. Numa confissão rara, o ministro atribui mesmo a origem desta decisão ao psiquiatra Daniel Sampaio e as ideias por este defendidas numa reunião: "Daniel Sampaio participou em reunião com o primeiro-ministro e aí levantou a necessidade de o PS ter uma orientação da política da família, numa lógica não organicista e não deixando às forças conservadoras o monopólio da família."

Oliveira Martins acrescentou, porém, ao PÚBLICO que a escolha do momento e da aprovação do diploma do PP é apenas uma questão de oportunidade. Ou seja, como diz o próprio ministro, "julgou-se, face à análise integrada, que era chegado o momento de ter uma visão mais de conjunto sobre plataformas diversas de coesão social".

Por outro lado, o ministro garante que "havia trabalho a ser feito nesta área já anteriormente e que será concretizado a seguir", pelo que conclui que "o PS não podia votar contra agora e depois lançar medidas". E promete para breve a divulgação que tornará "mais visível o Plano Nacional da Família que está a ser preparado pela comissão presidida por Joana de Barros".

Acreditando que o PS encontrará "uma nova perspectiva de família" que faculte "as plataformas familiares necessárias à organização social", mas que "reconheçam o indivíduo" e que "afirmem princípios constitucionais, individuais e de coesão social", Oliveira Martins anuncia que "o grupo parlamentar vai tornar muito clara a crítica ao PP".

Uma crítica que foi antecipada por Barros Moura em declarações ao PÚBLICO. Em primeiro lugar surge o conceito de família. "O projecto lei do CDS é tributário de uma concepção exclusivamente tradicional da família baseada no casamento, como se conclui da base três", sustenta Barros Moura, que contrapõe: "O casamento não é a única fonte de família e a Constituição não reduz ao casamento as relações familiares. O projecto tem assim uma concepção organicista da família que tende a sobrepor-se aos direitos fundamentais dos indivíduos que compõem a família e que poderia ser interpretada de forma contrária à igualdade e à não discriminação entre homens e mulheres." Exemplificando, Barros Moura garante que "a família é transmissora de valores, mas a transmissão de valores obsoletos não deve ser protegida por lei". O deputado socialista afirma que "todas as medidas têm de assentar no reconhecimento da plena autonomia de cada um dos cônjuges".

Prosseguindo na desmontagem da proposta do CDS, Barros Moura afirmou que "medidas que tendem a incentivar a unidade familiar com benefícios fiscais poderiam ser consideradas como pondo em causa os direitos dos cônjuges, como o acesso da mulher ao mercado de trabalho".

A merecerem a rejeição socialista na especialidade estão ainda propostas como a base XI, que, segundo Barros Moura, poderá ser considerada como "um reconhecimento implícito da poligamia ou da subalternização da mulher". Acerca da base sobre educação que permite aos pais oporem-se a que os filhos recebam ensinamentos que contradigam convicções éticas e religiosas, Barros Moura sustenta que ela é "contrária ao dever do Estado de organizar a educação e não pode nunca permitir que os pais se oponham à educação científica dos filhos".

Já o reconhecimento de personalidade jurídica ao feto que é feito na base XVIII ao falar da "criança antes do nascimento", é criticada por Barros Moura por ser "uma introdução do debate sobre o aborto por via indirecta" e ser "contrária ao que a lei já permite, ou seja, aos abortos teraupêuticos". E remata: "Uma coisa é a protecção jurídica do nascituro, outra é considerar que antes do nascimento já existe criança."

DESTAQUE 2: Lei de bases da família

PS Aproveita Oportunidade para Legislar Sobre Família

Por SÃO JOSÉ ALMEIDA

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001

Lei de bases aprovada hoje na generalidade

Trata-se apenas de uma questão de oportunidade. Os socialistas decidiram usar a boleia do PP para mostrar aos eleitores que afinal o PS sempre é um partido moderado. E preparam agora as sua sistematização legislativa para o sector

A lei de bases da família proposta pelo CDS-PP vai ser hoje aprovada na generalidade com o voto favorável do PSD e a abstenção do PS. Esta inversão de posição dos socialistas face a este tipo de diploma, que chumbaram sistematicamente no passado, é oficialmente justificada como uma forma de aproveitar a oportunidade para mostrar que o PS não "abandonou" a família tradicional.

Tanto que os socialistas preparam já uma série de propostas quer legislativas quer de alteração ao diploma do PP. E, de acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, para essa tarefa o vice-presidente da bancada socialista Barros Moura, que coordena este "dossier", convidou já Maria de Lurdes Pintasilgo para participar no debate prévio que querem levar a cabo.

A inversão de posição no PS tem provocado reacções internas e há mesmo na bancada socialista quem se perfile para votar contra (ver texto nestas páginas). Mas ela é assumida ao nível máximo da direcção socialista e é o resultado de encontros e reuniões mantidos pelo próprio primeiro-ministro, António Guterres, no âmbito da preparação do congresso socialista do fim do mês.

Em destaque, na determinação desta mudança de posição, saliente-se o encontro mantido por Guterres com os dirigentes do Movimento Humanismo e Democracia - em particular os três independentes da bancada, Maria do Rosário Carneiro, Cláudio Monteiro e Teresa Venda -no início da semana passada, na véspera da decisão da comissão permanente do PS de que agora o partido devia procurar uma imagem mais moderada face aos temas comportamentais.

A importância do que foi ouvido pelo secretário-geral do PS nos encontros que fez com independentes para esta mudança de posição é assumida em declarações ao PÚBLICO pelo ministro da Presidência e dos Assuntos Parlamentares, Guilherme d'Oliveira Martins. Numa confissão rara, o ministro atribui mesmo a origem desta decisão ao psiquiatra Daniel Sampaio e as ideias por este defendidas numa reunião: "Daniel Sampaio participou em reunião com o primeiro-ministro e aí levantou a necessidade de o PS ter uma orientação da política da família, numa lógica não organicista e não deixando às forças conservadoras o monopólio da família."

Oliveira Martins acrescentou, porém, ao PÚBLICO que a escolha do momento e da aprovação do diploma do PP é apenas uma questão de oportunidade. Ou seja, como diz o próprio ministro, "julgou-se, face à análise integrada, que era chegado o momento de ter uma visão mais de conjunto sobre plataformas diversas de coesão social".

Por outro lado, o ministro garante que "havia trabalho a ser feito nesta área já anteriormente e que será concretizado a seguir", pelo que conclui que "o PS não podia votar contra agora e depois lançar medidas". E promete para breve a divulgação que tornará "mais visível o Plano Nacional da Família que está a ser preparado pela comissão presidida por Joana de Barros".

Acreditando que o PS encontrará "uma nova perspectiva de família" que faculte "as plataformas familiares necessárias à organização social", mas que "reconheçam o indivíduo" e que "afirmem princípios constitucionais, individuais e de coesão social", Oliveira Martins anuncia que "o grupo parlamentar vai tornar muito clara a crítica ao PP".

Uma crítica que foi antecipada por Barros Moura em declarações ao PÚBLICO. Em primeiro lugar surge o conceito de família. "O projecto lei do CDS é tributário de uma concepção exclusivamente tradicional da família baseada no casamento, como se conclui da base três", sustenta Barros Moura, que contrapõe: "O casamento não é a única fonte de família e a Constituição não reduz ao casamento as relações familiares. O projecto tem assim uma concepção organicista da família que tende a sobrepor-se aos direitos fundamentais dos indivíduos que compõem a família e que poderia ser interpretada de forma contrária à igualdade e à não discriminação entre homens e mulheres." Exemplificando, Barros Moura garante que "a família é transmissora de valores, mas a transmissão de valores obsoletos não deve ser protegida por lei". O deputado socialista afirma que "todas as medidas têm de assentar no reconhecimento da plena autonomia de cada um dos cônjuges".

Prosseguindo na desmontagem da proposta do CDS, Barros Moura afirmou que "medidas que tendem a incentivar a unidade familiar com benefícios fiscais poderiam ser consideradas como pondo em causa os direitos dos cônjuges, como o acesso da mulher ao mercado de trabalho".

A merecerem a rejeição socialista na especialidade estão ainda propostas como a base XI, que, segundo Barros Moura, poderá ser considerada como "um reconhecimento implícito da poligamia ou da subalternização da mulher". Acerca da base sobre educação que permite aos pais oporem-se a que os filhos recebam ensinamentos que contradigam convicções éticas e religiosas, Barros Moura sustenta que ela é "contrária ao dever do Estado de organizar a educação e não pode nunca permitir que os pais se oponham à educação científica dos filhos".

Já o reconhecimento de personalidade jurídica ao feto que é feito na base XVIII ao falar da "criança antes do nascimento", é criticada por Barros Moura por ser "uma introdução do debate sobre o aborto por via indirecta" e ser "contrária ao que a lei já permite, ou seja, aos abortos teraupêuticos". E remata: "Uma coisa é a protecção jurídica do nascituro, outra é considerar que antes do nascimento já existe criança."

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