Inquérito na Judiciária a obras nas Finanças

04-03-2001
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Práticas irregulares na Rede Informática de Contribuições e Impostos

Inquérito na Judiciária a Obras nas Finanças

Por JOÃO RAMOS DE ALMEIDA

Segunda-feira, 26 de Fevereiro de 2001

Numa altura, em que Pina Moura e o director-geral dos Impostos se desdobram em visitas às repartições de Finanças, está em curso um processo disciplinar e um inquérito na Polícia Judiciária às obras nas repartições de Finanças relacionados com a sua informatização.

Seis funcionários da Direcção de Serviços de Instalações da administração fiscal estão a ser alvo de um processo disciplinar na sequência de uma auditoria interna do Fisco e de uma sindicância da Inspecção-Geral de Finanças. Os seus actos foram objecto de uma participação da Provedoria da Justiça à Procuradoria-Geral da República, tendo sido aberto, há cerca de dois anos, um inquérito pela Polícia Judiciária.

Obras facturadas e não executadas, sobrefacturações de material de infra-estrutura da rede informática nas repartições de Finanças, equipamento não instalado e duplicação de facturações são as principais acusações. Os funcionários mantêm-se em funções, apesar de o director ter apresentado a sua demissão há cerca de dois anos e de as estruturas de topo da administração fiscal considerarem haver "situações anómalas".

Em 1995, surgiu uma denúncia anónima relacionada com estas práticas irregulares que foi dirigida a diversas entidades, incluindo a Provedoria da Justiça. A denúncia apontava para factos irregulares relacionados com a montagem da infra-estrutura da rede informática das repartições de Finanças - primeiro, ao tempo do ministro Eduardo Catroga, designou-se RICI (Rede Informática de Contribuições e Impostos), mas actualmente é tratada por RITTA (Rede Informática Tributária Tesourarias Aduaneiras).

O lançamento destes investimentos - que justificaram legalmente a ausência, durante sete anos, de concursos (ver caixa) - surgiu após um período de fortes cortes orçamentais, determinados pela então secretária de Estado do Orçamento, Manuela Ferreira Leite, na sequência de uma insuficiência de receitas fiscais de 500 milhões de contos, em 1993. Essa contenção - tida na altura, pelos funcionários tributários, como cega - tinha acarretado uma retracção da actividade de obras e de alterações de instalações.

Com o projecto da RITTA, foi necessário proceder a investimentos de modificação das instalações e montagem das infra-estruturas informáticas, tendo o Orçamento do Estado afectado recursos de milhões de contos para essas missões. A organização e execução dessas tarefas ficou a cargo da Direcção de Serviços de Instalações, sem que o sector da informática tenha conseguido fazer vingar a sua ideia de que era preferível realizar projectos de "chave na mão" - escolha de projecto pago no final de estar pronto.

Apesar da denúncia ter sido feita em 1995, a administração fiscal apenas realizou uma auditoria interna em 1998, relativa às obras efectuadas entre 1995 e 1997. Confirmou-se a denúncia de situações irregulares. Esse facto determinou que o ministro das Finanças, então já António Sousa Franco, tenha pedido à Inspecção-Geral de Finanças uma sindicância aos serviços responsáveis pelas obras, que se desenrolou até 2000. Quando a sindicância foi pedida, o director de serviços apresentou a sua demissão, mas não foi aceite pelo director-geral. As conclusões da IGF foram ainda mais gravosas para os visados.

Com uma equipa de engenheiros dos serviços de Edifícios e Monumentos Nacionais, realizaram-se vistorias às obras efectuadas em mais de uma centena de repartições de Finanças. Segundo o inspector-geral das Finanças, Martins de Sá, a sindicância foi "muito complicada" e "demorada", porque envolvia "muitos processos" e era "uma problemática bastante generalizada".

Segundo os elementos recolhidos pelo PÚBLICO, nuns casos não havia autos de vistoria finais - habituais para atestar se a obra estava conforme o projecto. Noutros havia esses autos, mas não condiziam com as obras efectuadas. Materiais que deveriam estar instalados não o foram em muitos casos, noutros utilizou-se materiais de qualidade abaixo daquela por que o Estado pagou. Atestou-se a instalação de utensílios que já existiam.

A sindicância detectou igualmente a existência de um conjunto de empresas que funcionavam à volta destas obras. Nalguns casos, a sua facturação global correspondia aos orçamentos das obras, o que leva a crer que se constituíram empresas apenas para aqueles serviços. Havia concursos, mas mais de metade das obras foram ganhas por meia dúzia de sociedades. Nuns casos, surgia uma empresa fora do universo habitual, mas "desaparecia" dos concursos das obras seguintes, indiciando uma viciação desses concursos. Após a sindicância da IGF, ficou-se com a sensação de que apenas se tocara uma parte pequena de um universo de irregularidades mais vasto.

Depois de apurada esta realidade, em 1998, a Provedoria de Justiça comunicou os factos à PGR, que os remeteu à Polícia Judiciária, inquérito ainda sem resultados. Apesar do conhecimento dessa realidade, o processo disciplinar na administração fiscal apenas seria determinado pelo director-geral dos Impostos em Dezembro de 2000 e, segundo o Ministério das Finanças, ainda está em curso.

O longo período que mediou a primeira auditoria e a instauração do processo disciplinar leva a crer que os expedientes possam ter prosseguido no final da década de 90. A ideia consensual é a de que a gestão das instalações da administração fiscal é caótica.

Práticas irregulares na Rede Informática de Contribuições e Impostos

Inquérito na Judiciária a Obras nas Finanças

Por JOÃO RAMOS DE ALMEIDA

Segunda-feira, 26 de Fevereiro de 2001

Numa altura, em que Pina Moura e o director-geral dos Impostos se desdobram em visitas às repartições de Finanças, está em curso um processo disciplinar e um inquérito na Polícia Judiciária às obras nas repartições de Finanças relacionados com a sua informatização.

Seis funcionários da Direcção de Serviços de Instalações da administração fiscal estão a ser alvo de um processo disciplinar na sequência de uma auditoria interna do Fisco e de uma sindicância da Inspecção-Geral de Finanças. Os seus actos foram objecto de uma participação da Provedoria da Justiça à Procuradoria-Geral da República, tendo sido aberto, há cerca de dois anos, um inquérito pela Polícia Judiciária.

Obras facturadas e não executadas, sobrefacturações de material de infra-estrutura da rede informática nas repartições de Finanças, equipamento não instalado e duplicação de facturações são as principais acusações. Os funcionários mantêm-se em funções, apesar de o director ter apresentado a sua demissão há cerca de dois anos e de as estruturas de topo da administração fiscal considerarem haver "situações anómalas".

Em 1995, surgiu uma denúncia anónima relacionada com estas práticas irregulares que foi dirigida a diversas entidades, incluindo a Provedoria da Justiça. A denúncia apontava para factos irregulares relacionados com a montagem da infra-estrutura da rede informática das repartições de Finanças - primeiro, ao tempo do ministro Eduardo Catroga, designou-se RICI (Rede Informática de Contribuições e Impostos), mas actualmente é tratada por RITTA (Rede Informática Tributária Tesourarias Aduaneiras).

O lançamento destes investimentos - que justificaram legalmente a ausência, durante sete anos, de concursos (ver caixa) - surgiu após um período de fortes cortes orçamentais, determinados pela então secretária de Estado do Orçamento, Manuela Ferreira Leite, na sequência de uma insuficiência de receitas fiscais de 500 milhões de contos, em 1993. Essa contenção - tida na altura, pelos funcionários tributários, como cega - tinha acarretado uma retracção da actividade de obras e de alterações de instalações.

Com o projecto da RITTA, foi necessário proceder a investimentos de modificação das instalações e montagem das infra-estruturas informáticas, tendo o Orçamento do Estado afectado recursos de milhões de contos para essas missões. A organização e execução dessas tarefas ficou a cargo da Direcção de Serviços de Instalações, sem que o sector da informática tenha conseguido fazer vingar a sua ideia de que era preferível realizar projectos de "chave na mão" - escolha de projecto pago no final de estar pronto.

Apesar da denúncia ter sido feita em 1995, a administração fiscal apenas realizou uma auditoria interna em 1998, relativa às obras efectuadas entre 1995 e 1997. Confirmou-se a denúncia de situações irregulares. Esse facto determinou que o ministro das Finanças, então já António Sousa Franco, tenha pedido à Inspecção-Geral de Finanças uma sindicância aos serviços responsáveis pelas obras, que se desenrolou até 2000. Quando a sindicância foi pedida, o director de serviços apresentou a sua demissão, mas não foi aceite pelo director-geral. As conclusões da IGF foram ainda mais gravosas para os visados.

Com uma equipa de engenheiros dos serviços de Edifícios e Monumentos Nacionais, realizaram-se vistorias às obras efectuadas em mais de uma centena de repartições de Finanças. Segundo o inspector-geral das Finanças, Martins de Sá, a sindicância foi "muito complicada" e "demorada", porque envolvia "muitos processos" e era "uma problemática bastante generalizada".

Segundo os elementos recolhidos pelo PÚBLICO, nuns casos não havia autos de vistoria finais - habituais para atestar se a obra estava conforme o projecto. Noutros havia esses autos, mas não condiziam com as obras efectuadas. Materiais que deveriam estar instalados não o foram em muitos casos, noutros utilizou-se materiais de qualidade abaixo daquela por que o Estado pagou. Atestou-se a instalação de utensílios que já existiam.

A sindicância detectou igualmente a existência de um conjunto de empresas que funcionavam à volta destas obras. Nalguns casos, a sua facturação global correspondia aos orçamentos das obras, o que leva a crer que se constituíram empresas apenas para aqueles serviços. Havia concursos, mas mais de metade das obras foram ganhas por meia dúzia de sociedades. Nuns casos, surgia uma empresa fora do universo habitual, mas "desaparecia" dos concursos das obras seguintes, indiciando uma viciação desses concursos. Após a sindicância da IGF, ficou-se com a sensação de que apenas se tocara uma parte pequena de um universo de irregularidades mais vasto.

Depois de apurada esta realidade, em 1998, a Provedoria de Justiça comunicou os factos à PGR, que os remeteu à Polícia Judiciária, inquérito ainda sem resultados. Apesar do conhecimento dessa realidade, o processo disciplinar na administração fiscal apenas seria determinado pelo director-geral dos Impostos em Dezembro de 2000 e, segundo o Ministério das Finanças, ainda está em curso.

O longo período que mediou a primeira auditoria e a instauração do processo disciplinar leva a crer que os expedientes possam ter prosseguido no final da década de 90. A ideia consensual é a de que a gestão das instalações da administração fiscal é caótica.

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