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02-05-2001
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Ultrapassar as barreiras da informação

Deficientes internautas 18-APR-2001

Cláudia Rosenbusch

Vai ficar para a história que a primeira petição electrónica enviada à Assembleia da República exigia a acessibilidade à Internet por parte dos cidadãos com necessidades especiais. O documento, enviado em finais de 1998 pelo Grupo Português pelas Iniciativas em Acessibilidade (GUIA) e subscrito por nove mil portugueses, esteve em vias de não subir ao hemiciclo. Segundo os deputados, a petição levantava dúvidas por se tratar de um documento electrónico, sem a assinatura manual dos subscritores.

Acabaria por vencer a persistência dos nove mil cidadãos, que culminou com uma resolução do Conselho de Ministros, publicada em Agosto de 99, onde se estabelecia que «as formas de organização e apresentação de informação facultada na Internet pelas direcções-gerais e serviços equiparados, bem como pelos institutos públicos nas suas diversas modalidades, devem ser escolhidas de forma a permitirem ou facilitarem o seu acesso pelos cidadãos com necessidades especiais».

Por cidadãos com estas necessidades entenda-se «pessoas com deficiências motoras, visuais, auditivas, cognitivas e população idosa», ou seja mais de 2,5 milhões de portugueses, que o mesmo é dizer: um quarto da população.

E, para que constasse, a medida governamental lembrava que Portugal era pioneiro no velho continente: «1º na Europa e 4º no mundo» a criar as regras de acessibilidade da população deficiente aos sites públicos. O pior veio depois, quando foi preciso aplicar a teoria.

Dos cerca de 600 sites da Administração Pública (AP), apenas 18 têm afixado o símbolo de acessibilidade a deficientes. A «navegação sem restrições faz-se apenas em 26 por cento deles» e «em 35 por cento desses sites públicos é impossível navegar, reconhecer em que serviço se está ou encontrar elementos de contacto».

Estas são algumas das conclusões retiradas de um estudo elaborado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), divulgado em 6 de Abril de 2001, durante a «Conferência Sobre Boas Práticas na AP», na qual esteve presente a comissão inter-ministerial para a sociedade da informação.

Jorge Fernandes, técnico superior do MCT, responsável pelo estudo, confessou ao PortugalDiário que «falar de Internet na AP ainda é falar de Marte». É verdade que também há «bons exemplos». São os casos do «site da ADSE ou do Instituto de Inovação Educacional», refere ainda o técnico, que antecipa «um longo caminho a percorrer» até que a net entre no léxico das repartições públicas.

"Dead Line" em 2001

Até finais de 2001 todos os 15 Estados-membros da União Europeia (UE) terão de colocar os seus sites da AP «compreensíveis e navegáveis» pelos cidadãos com necessidades especiais. É o chamado «Plano de Acção eEurope 2002», aprovado em Junho de 2000 na cimeira de Santa Maria da Feira, que encerrou a presidência portuguesa da UE.

Menos optimista, Helena Abecassis, responsável pelo site www.acesso.mct.pt, do MCT (um sítio que presta informação específica e promove a acessibilidade à net a cidadãos com necessidades especiais), admite que Portugal não conseguirá cumprir os prazos que impôs. «Não é de um dia para o outro. Estamos a trabalhar para um horizonte de cinco anos», alerta.

Por esta altura deve estar a interrogar-se sobre o que é, afinal, isso da Internet para pessoas deficientes. Se tem dúvidas imagine-se, por exemplo, um cidadão invisual. Seria capaz de ler estas linhas? Sim, desde que adquirisse um sintetizador de voz. Um aparelho (o preço varia entre os 90 e os 260 mil escudos) que lhe permitiria ouvir aquilo que outros lêem. Mas e se o texto contiver imagens? A solução é simples: fazer acompanhar a imagem de um curto texto descritivo.

Associar texto a cada elemento não textual, garantir que os links textuais sejam palavras ou expressões compreensíveis fora do contexto, activar elementos de página usando apenas o teclado (para quem não consiga trabalhar com o rato), representam apenas uma parte dos «requisitos de visitabilidade» que a AP terá de implementar em todos os seus sites, se não quiser deixar de parte a população deficiente.

E só depois de a AP fornecer o exemplo é que Helena Abecassis admite que se venha a alargar estas regras a todos os sites portugueses. A comparação com as barreiras arquitectónicas é inevitável. Mas na net fala-se em «Bug da Acessibilidade», conforme refere Francisco Godinho, responsável pelo site português www.acessibilidade.com, criado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que presta informação a pessoas deficientes, bem como a fornecedores de conteúdos digitais.

Helena Abecassis não sabe ainda se as regras surgirão «sobre a forma de lei ou de recomendação», mas acredita nas virtudes do funcionamento do mercado electrónico para resolver este problema: «A população com necessidades especiais é um público-alvo que ninguém quererá descurar».

Deficientes mas internautas

Não foi por acaso que a primeira petição electrónica entregue na AR reivindicava direitos para os cidadãos deficientes. O PortugalDiário investigou e descobriu um mundo de internautas entre a população deficiente. Gente diferente, mas que trata a net por tu. Será pelas menores solicitações sociais? Pela vontade de descobrir mundos que escapam a quem, por exemplo, não sobrevive sem uma cadeira de rodas? Ou por mero prazer? Foi o que procurámos descobrir.

Henrique Mendonça, 58 anos, comandante aposentado da Marinha de Guerra portuguesa, diz que já «casou» com a deficiência há 33 anos. Foi durante a guerra colonial que, ao pisar uma mina, ficou sem uma perna. Quando, anos mais tarde, ouviu falar da Internet, o também responsável pela Confederação Nacional de Organismos de Deficientes (CNOD), que representa 26 associações, tratou de navegar no encalço de informação sobre o seu problema físico.

«Sou um "self made man" em informática», diz o comandante, que acredita nos sites portugueses da matéria: «Prestam um conjunto mínimo de informações, que alertam os deficientes para determinado conjunto de situações». Para além disso, também não dispensa a leitura de jornais na net.

Para o advogado Manuel Ramos, 28 anos, os primeiros passos na net começaram há cerca de um mês, mas garante que já se trata de um «instrumento de trabalho indispensável». E acrescenta: «Nos julgamentos utilizo o computador (os códigos em braille são muito difíceis de transportar dada a sua dimensão) e até vou passar a enviar as peças processuais via email». Mas nem todos os sites lhe estão acessíveis: «Quanto mais imagem gráfica pior para os invisuais», queixa-se.

Como todos os invisuais, Manuel recorre a um sintetizador de voz para ouvir tudo aquilo que outros lêem.

Professor de língua e literatura portuguesa, secretário da Junta de Freguesia de Matriz, em Borba, membro do Conselho Nacional de Reabilitação, e responsável por um programa cultural na Rádio Borba, Joaquim Cardoso, 54 anos, já nasceu invisual. Oriundo de «um meio rural», só conheceu os bancos da escola com 13 anos, isto numa altura em que o ensino não era obrigatório para os deficientes. Foi nessa altura que aprendeu braille, uma necessidade básica para quem considera que «quanto mais isolada uma pessoa está mais necessidade sente de comunicar».

Não é, portanto, de estranhar que este professor «todos os dias» utilize a net. Ou para consultar sites para invisuais, legislação, comunicar via chats ou emails ou até para ler jornais. Diz que se trata de um instrumento de trabalho «muito importante», que lhe veio facilitar a vida. Em vez do rato, utiliza o teclado, e está cada vez mais à vontade nestas auto-estradas da informação.

Considerado pelos amigos como «um grande internauta», Vítor Manuel Oliveira, de 47 anos, invisual congénito, navega na net com o à-vontade que só a experiência permite. «Visito sites de som, jornais, rádios, tudo», diz este funcionário administrativo de um centro de saúde de Lisboa. E não tem dúvidas: «Os sites de informação para deficientes são cuidados». O mesmo não pode dizer dos sites da AP, onde raramente consegue a informação desejada. «É o caso da Antiga Biblioteca Nacional, onde não se consegue aceder a uma única obra digitalizada», queixa-se.

Para além de informação específica para deficientes, Vítor Oliveira utiliza a net para quase tudo. «Deixei de fazer telefonemas. Agora envio emails», conta. Dentro de casa é vê-lo agarrado ao computador. E no trabalho a grande ambição é trabalhar na net. De resto, garante que já se ofereceu para isso mesmo, lá no centro de saúde onde trabalha. «Mas não quiseram», confessa com algum ressentimento.

Ultrapassar as barreiras da informação

Deficientes internautas 18-APR-2001

Cláudia Rosenbusch

Vai ficar para a história que a primeira petição electrónica enviada à Assembleia da República exigia a acessibilidade à Internet por parte dos cidadãos com necessidades especiais. O documento, enviado em finais de 1998 pelo Grupo Português pelas Iniciativas em Acessibilidade (GUIA) e subscrito por nove mil portugueses, esteve em vias de não subir ao hemiciclo. Segundo os deputados, a petição levantava dúvidas por se tratar de um documento electrónico, sem a assinatura manual dos subscritores.

Acabaria por vencer a persistência dos nove mil cidadãos, que culminou com uma resolução do Conselho de Ministros, publicada em Agosto de 99, onde se estabelecia que «as formas de organização e apresentação de informação facultada na Internet pelas direcções-gerais e serviços equiparados, bem como pelos institutos públicos nas suas diversas modalidades, devem ser escolhidas de forma a permitirem ou facilitarem o seu acesso pelos cidadãos com necessidades especiais».

Por cidadãos com estas necessidades entenda-se «pessoas com deficiências motoras, visuais, auditivas, cognitivas e população idosa», ou seja mais de 2,5 milhões de portugueses, que o mesmo é dizer: um quarto da população.

E, para que constasse, a medida governamental lembrava que Portugal era pioneiro no velho continente: «1º na Europa e 4º no mundo» a criar as regras de acessibilidade da população deficiente aos sites públicos. O pior veio depois, quando foi preciso aplicar a teoria.

Dos cerca de 600 sites da Administração Pública (AP), apenas 18 têm afixado o símbolo de acessibilidade a deficientes. A «navegação sem restrições faz-se apenas em 26 por cento deles» e «em 35 por cento desses sites públicos é impossível navegar, reconhecer em que serviço se está ou encontrar elementos de contacto».

Estas são algumas das conclusões retiradas de um estudo elaborado pelo Ministério da Ciência e Tecnologia (MCT), divulgado em 6 de Abril de 2001, durante a «Conferência Sobre Boas Práticas na AP», na qual esteve presente a comissão inter-ministerial para a sociedade da informação.

Jorge Fernandes, técnico superior do MCT, responsável pelo estudo, confessou ao PortugalDiário que «falar de Internet na AP ainda é falar de Marte». É verdade que também há «bons exemplos». São os casos do «site da ADSE ou do Instituto de Inovação Educacional», refere ainda o técnico, que antecipa «um longo caminho a percorrer» até que a net entre no léxico das repartições públicas.

"Dead Line" em 2001

Até finais de 2001 todos os 15 Estados-membros da União Europeia (UE) terão de colocar os seus sites da AP «compreensíveis e navegáveis» pelos cidadãos com necessidades especiais. É o chamado «Plano de Acção eEurope 2002», aprovado em Junho de 2000 na cimeira de Santa Maria da Feira, que encerrou a presidência portuguesa da UE.

Menos optimista, Helena Abecassis, responsável pelo site www.acesso.mct.pt, do MCT (um sítio que presta informação específica e promove a acessibilidade à net a cidadãos com necessidades especiais), admite que Portugal não conseguirá cumprir os prazos que impôs. «Não é de um dia para o outro. Estamos a trabalhar para um horizonte de cinco anos», alerta.

Por esta altura deve estar a interrogar-se sobre o que é, afinal, isso da Internet para pessoas deficientes. Se tem dúvidas imagine-se, por exemplo, um cidadão invisual. Seria capaz de ler estas linhas? Sim, desde que adquirisse um sintetizador de voz. Um aparelho (o preço varia entre os 90 e os 260 mil escudos) que lhe permitiria ouvir aquilo que outros lêem. Mas e se o texto contiver imagens? A solução é simples: fazer acompanhar a imagem de um curto texto descritivo.

Associar texto a cada elemento não textual, garantir que os links textuais sejam palavras ou expressões compreensíveis fora do contexto, activar elementos de página usando apenas o teclado (para quem não consiga trabalhar com o rato), representam apenas uma parte dos «requisitos de visitabilidade» que a AP terá de implementar em todos os seus sites, se não quiser deixar de parte a população deficiente.

E só depois de a AP fornecer o exemplo é que Helena Abecassis admite que se venha a alargar estas regras a todos os sites portugueses. A comparação com as barreiras arquitectónicas é inevitável. Mas na net fala-se em «Bug da Acessibilidade», conforme refere Francisco Godinho, responsável pelo site português www.acessibilidade.com, criado pela Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro, que presta informação a pessoas deficientes, bem como a fornecedores de conteúdos digitais.

Helena Abecassis não sabe ainda se as regras surgirão «sobre a forma de lei ou de recomendação», mas acredita nas virtudes do funcionamento do mercado electrónico para resolver este problema: «A população com necessidades especiais é um público-alvo que ninguém quererá descurar».

Deficientes mas internautas

Não foi por acaso que a primeira petição electrónica entregue na AR reivindicava direitos para os cidadãos deficientes. O PortugalDiário investigou e descobriu um mundo de internautas entre a população deficiente. Gente diferente, mas que trata a net por tu. Será pelas menores solicitações sociais? Pela vontade de descobrir mundos que escapam a quem, por exemplo, não sobrevive sem uma cadeira de rodas? Ou por mero prazer? Foi o que procurámos descobrir.

Henrique Mendonça, 58 anos, comandante aposentado da Marinha de Guerra portuguesa, diz que já «casou» com a deficiência há 33 anos. Foi durante a guerra colonial que, ao pisar uma mina, ficou sem uma perna. Quando, anos mais tarde, ouviu falar da Internet, o também responsável pela Confederação Nacional de Organismos de Deficientes (CNOD), que representa 26 associações, tratou de navegar no encalço de informação sobre o seu problema físico.

«Sou um "self made man" em informática», diz o comandante, que acredita nos sites portugueses da matéria: «Prestam um conjunto mínimo de informações, que alertam os deficientes para determinado conjunto de situações». Para além disso, também não dispensa a leitura de jornais na net.

Para o advogado Manuel Ramos, 28 anos, os primeiros passos na net começaram há cerca de um mês, mas garante que já se trata de um «instrumento de trabalho indispensável». E acrescenta: «Nos julgamentos utilizo o computador (os códigos em braille são muito difíceis de transportar dada a sua dimensão) e até vou passar a enviar as peças processuais via email». Mas nem todos os sites lhe estão acessíveis: «Quanto mais imagem gráfica pior para os invisuais», queixa-se.

Como todos os invisuais, Manuel recorre a um sintetizador de voz para ouvir tudo aquilo que outros lêem.

Professor de língua e literatura portuguesa, secretário da Junta de Freguesia de Matriz, em Borba, membro do Conselho Nacional de Reabilitação, e responsável por um programa cultural na Rádio Borba, Joaquim Cardoso, 54 anos, já nasceu invisual. Oriundo de «um meio rural», só conheceu os bancos da escola com 13 anos, isto numa altura em que o ensino não era obrigatório para os deficientes. Foi nessa altura que aprendeu braille, uma necessidade básica para quem considera que «quanto mais isolada uma pessoa está mais necessidade sente de comunicar».

Não é, portanto, de estranhar que este professor «todos os dias» utilize a net. Ou para consultar sites para invisuais, legislação, comunicar via chats ou emails ou até para ler jornais. Diz que se trata de um instrumento de trabalho «muito importante», que lhe veio facilitar a vida. Em vez do rato, utiliza o teclado, e está cada vez mais à vontade nestas auto-estradas da informação.

Considerado pelos amigos como «um grande internauta», Vítor Manuel Oliveira, de 47 anos, invisual congénito, navega na net com o à-vontade que só a experiência permite. «Visito sites de som, jornais, rádios, tudo», diz este funcionário administrativo de um centro de saúde de Lisboa. E não tem dúvidas: «Os sites de informação para deficientes são cuidados». O mesmo não pode dizer dos sites da AP, onde raramente consegue a informação desejada. «É o caso da Antiga Biblioteca Nacional, onde não se consegue aceder a uma única obra digitalizada», queixa-se.

Para além de informação específica para deficientes, Vítor Oliveira utiliza a net para quase tudo. «Deixei de fazer telefonemas. Agora envio emails», conta. Dentro de casa é vê-lo agarrado ao computador. E no trabalho a grande ambição é trabalhar na net. De resto, garante que já se ofereceu para isso mesmo, lá no centro de saúde onde trabalha. «Mas não quiseram», confessa com algum ressentimento.

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