Estaleiro da Murtosa recupera construção de barcos tradicionais

07-03-2001
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Associação de amigos procura manter a tradição

Estaleiro da Murtosa Recupera Construção de Barcos Tradicionais

Por JOSÉ NEVES/AGÊNCIA LUSA

Domingo, 7 de Janeiro de 2001

A construção de embarcações tradicionais é uma arte em declínio mas, na Murtosa, ainda existe um estaleiro artesanal que recupera e constrói moliceiros, bateiras, mercantéis e barcos da arte xávega. Ao entrarmos no estaleiro da Associação dos Amigos da Ria e do Barco Moliceiro (Amiria) deparamo-nos com um moliceiro em construção. Várias pessoas dão os últimos retoques no barco com cerca de 15 metros que foi encomendado pela Câmara da Murtosa.

Estão a pintar as "vinhetas", explicou à agência Lusa o "mestre pintor" José Oliveira. Este é o sétimo moliceiro fruto do trabalho do estaleiro-escola da Amiria e do projecto escola-oficina que nele se desenvolveu nos anos de 1999 e 2000.

O mestre José Bento, um dos antigos "mestres carpinteiros navais" recrutados para o desenvolvimento da actividade do estaleiro, também dá uma ajuda com o pincel. Com 72 anos de idade, José Bento é um dos poucos "mestres carpinteiros navais" que conhecem a arte de construção do barco tradicional da ria. "Hoje em dia, apenas se conhecem quatro", precisou José Bento, acrescentando que todos eles, de idade avançada, mantêm a actividade fruto de pedidos de amigos ou entidades, que lhes vão dando algumas tarefas de restauro de embarcações.

Actualmente reformado, este mestre carpinteiro, que nasceu entre os moliceiros porque os seus pais possuíam um estaleiro em Pardilhó, no concelho vizinho de Estarreja, lamenta o facto de a arte, que tem vindo a ser transmitida de geração em geração, não encontrar hoje seguidores. "Os rapazes têm pouca dedicação", justificou. Um moliceiro completo custa 2200 contos e demora cerca de um mês a fazer, explica José Bento, salientando que hoje esta tarefa está mais simplificada. "Dantes era tudo feito à mão, com machado e serra. Hoje em dia há máquinas para tudo", conta.

Nos últimos anos também tem havido um aperfeiçoamento e mesmo a introdução de pequenas inovações nos métodos tradicionais, tais como o tratamento das madeiras, conferindo-lhes melhor durabilidade, ou a adaptação de motores, sem que isso tenha desrespeitado a construção. Os moliceiros são feitos com a madeira do pinheiro - "pinho-manso para as cavernas e pinho-bravo para as tábuas e bordos", explica José Bento, acrescentando que a construção do barco começa pelo "fundo" e depois assentam-se as "cavernas" e os "braços".

De seguida colocam-se as "tábuas de verdegar" e "bota-se folimentos" à proa e à ré. Leva "bordos" e "dragas" e fecham-se o "fundo" e os "costados". A última fase é para calafetar as juntas, colocar bréu e pintar. A pintura é, aliás, uma das principais características do ex- líbris da ria de Aveiro, conhecido pelos seus painéis "picantes" e com símbolos alusivos ao mar, à ria e à terra.

"Só se utilizam as cores primárias e não há mistura de cor", relata o "mestre pintor" José Oliveira, chamando ainda a atenção para o contorno a negro, tal como na arte "naïf". O estaleiro da Amiria é actualmente o único dedicado à construção de embarcações tradicionais.

O declínio de muitas actividades tradicionais da ria de Aveiro e o aparecimento dos barcos em fibra de vidro contribuíram para o desaparecimento destes estaleiros que outrora proliferavam nos concelhos ribeirinhos como Estarreja, Murtosa e Mira. Consciente desta situação, a Amiria, fundada em 1990 com o propósito de defender os interesses da ria e preservar as embarcações tradicionais, criou em 1996 o estaleiro-escola, tendo recrutado antigos "mestres carpinteiros navais" para o desenvolvimento da sua actividade.

Em Maio deste ano, a escola-oficina, criada com o apoio do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), deu lugar a uma empresa de inserção, a única a funcionar em Portugal nesta área. "É um dos projectos de sucesso do IEFP", salientou Manuel Oliveira, da direcção da Amiria, acrescentando que a empresa emprega actualmente seis trabalhadores e tem registado vários pedidos de trabalhos.

"Várias entidades e empresas têm manifestado interesse em preservar os barcos tradicionais da ria, em funções hoje mais ligadas ao turismo e ao lazer, mas mantendo o rigor das embarcações tradicionais", referiu Manuel Oliveira. Neste momento, o estaleiro tem trabalho para mais seis meses, estando já encomendados três moliceiros para a Câmara de Aveiro e um saleiro para a Figueira da Foz.

José Neves/Agência Lusa

Associação de amigos procura manter a tradição

Estaleiro da Murtosa Recupera Construção de Barcos Tradicionais

Por JOSÉ NEVES/AGÊNCIA LUSA

Domingo, 7 de Janeiro de 2001

A construção de embarcações tradicionais é uma arte em declínio mas, na Murtosa, ainda existe um estaleiro artesanal que recupera e constrói moliceiros, bateiras, mercantéis e barcos da arte xávega. Ao entrarmos no estaleiro da Associação dos Amigos da Ria e do Barco Moliceiro (Amiria) deparamo-nos com um moliceiro em construção. Várias pessoas dão os últimos retoques no barco com cerca de 15 metros que foi encomendado pela Câmara da Murtosa.

Estão a pintar as "vinhetas", explicou à agência Lusa o "mestre pintor" José Oliveira. Este é o sétimo moliceiro fruto do trabalho do estaleiro-escola da Amiria e do projecto escola-oficina que nele se desenvolveu nos anos de 1999 e 2000.

O mestre José Bento, um dos antigos "mestres carpinteiros navais" recrutados para o desenvolvimento da actividade do estaleiro, também dá uma ajuda com o pincel. Com 72 anos de idade, José Bento é um dos poucos "mestres carpinteiros navais" que conhecem a arte de construção do barco tradicional da ria. "Hoje em dia, apenas se conhecem quatro", precisou José Bento, acrescentando que todos eles, de idade avançada, mantêm a actividade fruto de pedidos de amigos ou entidades, que lhes vão dando algumas tarefas de restauro de embarcações.

Actualmente reformado, este mestre carpinteiro, que nasceu entre os moliceiros porque os seus pais possuíam um estaleiro em Pardilhó, no concelho vizinho de Estarreja, lamenta o facto de a arte, que tem vindo a ser transmitida de geração em geração, não encontrar hoje seguidores. "Os rapazes têm pouca dedicação", justificou. Um moliceiro completo custa 2200 contos e demora cerca de um mês a fazer, explica José Bento, salientando que hoje esta tarefa está mais simplificada. "Dantes era tudo feito à mão, com machado e serra. Hoje em dia há máquinas para tudo", conta.

Nos últimos anos também tem havido um aperfeiçoamento e mesmo a introdução de pequenas inovações nos métodos tradicionais, tais como o tratamento das madeiras, conferindo-lhes melhor durabilidade, ou a adaptação de motores, sem que isso tenha desrespeitado a construção. Os moliceiros são feitos com a madeira do pinheiro - "pinho-manso para as cavernas e pinho-bravo para as tábuas e bordos", explica José Bento, acrescentando que a construção do barco começa pelo "fundo" e depois assentam-se as "cavernas" e os "braços".

De seguida colocam-se as "tábuas de verdegar" e "bota-se folimentos" à proa e à ré. Leva "bordos" e "dragas" e fecham-se o "fundo" e os "costados". A última fase é para calafetar as juntas, colocar bréu e pintar. A pintura é, aliás, uma das principais características do ex- líbris da ria de Aveiro, conhecido pelos seus painéis "picantes" e com símbolos alusivos ao mar, à ria e à terra.

"Só se utilizam as cores primárias e não há mistura de cor", relata o "mestre pintor" José Oliveira, chamando ainda a atenção para o contorno a negro, tal como na arte "naïf". O estaleiro da Amiria é actualmente o único dedicado à construção de embarcações tradicionais.

O declínio de muitas actividades tradicionais da ria de Aveiro e o aparecimento dos barcos em fibra de vidro contribuíram para o desaparecimento destes estaleiros que outrora proliferavam nos concelhos ribeirinhos como Estarreja, Murtosa e Mira. Consciente desta situação, a Amiria, fundada em 1990 com o propósito de defender os interesses da ria e preservar as embarcações tradicionais, criou em 1996 o estaleiro-escola, tendo recrutado antigos "mestres carpinteiros navais" para o desenvolvimento da sua actividade.

Em Maio deste ano, a escola-oficina, criada com o apoio do Instituto de Emprego e Formação Profissional (IEFP), deu lugar a uma empresa de inserção, a única a funcionar em Portugal nesta área. "É um dos projectos de sucesso do IEFP", salientou Manuel Oliveira, da direcção da Amiria, acrescentando que a empresa emprega actualmente seis trabalhadores e tem registado vários pedidos de trabalhos.

"Várias entidades e empresas têm manifestado interesse em preservar os barcos tradicionais da ria, em funções hoje mais ligadas ao turismo e ao lazer, mas mantendo o rigor das embarcações tradicionais", referiu Manuel Oliveira. Neste momento, o estaleiro tem trabalho para mais seis meses, estando já encomendados três moliceiros para a Câmara de Aveiro e um saleiro para a Figueira da Foz.

José Neves/Agência Lusa

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