EXPRESSO: Opinião

22-03-2002
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Alexandre Melo

«Quando se está fora do poder não se consegue ter ideias que valham a pena, porque, privadas da explicitação dos meios da sua concretização, elas tornam-se demasiado gerais, abstractas, inutilizáveis. Quando se está no poder, os condicionamentos e as imposições de contextos financeiros e burocráticos incontornáveis são tão grandes que não se consegue chegar a ter ideias, porque todas as energias são usadas para que a máquina continue a funcionar sem grandes desgastes. Ou seja: sem poder, não vale a pena ter ideias; com poder, não se consegue ter ideias.»

SOU do tempo em que estes textos se mediam em «linguados»: folhas com 25 linhas, cada uma com 58 «batidas» de máquina de escrever. Depois vieram os computadores e, com eles, os caracteres, que gosto de tratar como «characters», ou seja, personagens.

Decidira escrever sobre o Congresso do PS. Um convite para um fim-de-semana no Douro, na companhia de um artista de visita a Portugal, impediu-me de acompanhar as televisões. O artista Lawrence Weiner vem das vanguardas nova-iorquinas dos anos 60, pioneiro da «arte conceptual». Segundo esta corrente, uma obra de arte é, antes de mais, algo que se apresenta como uma obra de arte e, desse modo, dá uma definição de arte e da função da arte no mundo. Este autor utiliza palavras e frases como esculturas, nas paredes dos espaços de exposição. O título desta crónica podia ser uma obra de arte conceptual porque, ao mesmo tempo, define este texto e propõe uma definição geral sobre o que é um texto.

Volto assim às palavras e, portanto, ao Congresso do PS. Segundo os jornais, tudo correu como previsto em matéria de lideranças e consagrações. Mesmo assim, houve espaço e algum tempo para a contradição e a perturbação. É importante que as divergências venham de gente que tem obra, protagonismo, autoridade. Que assume princípios, escreve livros, reivindica ideias. No PS, apesar de tudo, permanece viva uma «cultura da cultura» que no meio do campo da política poderá e deverá «fazer a diferença». Diversidade e controvérsia são sinal de vitalidade mesmo quando exprimem mal-estar e surgem como prémio de consolação para compensar o que não aconteceu. Mas o que é que poderia ter acontecido, realmente importante? Não me ocorre nada. No entanto, aconteceram algumas pequenas coisas.

1) De acordo com os jornais, um dos principais acontecimentos foi a medição do tempo do discurso de Manuel Maria Carrilho. O incidente ilustra uma questão fundamental: qual é a eficácia dos discursos, palavras e ideias no quadro da política actual?

A minha hipótese é a seguinte: tudo se passa como se tivessem sido estrangulados os mecanismos de ligação entre as ideias e as práticas. Quando se está fora do poder não se consegue ter ideias que valham a pena, porque, privadas da explicitação dos meios da sua concretização, elas tornam-se demasiado gerais, abstractas, inutilizáveis. Quando se está no poder, os condicionamentos e as imposições de contextos financeiros e burocráticos incontornáveis são tão grande que não se consegue chegar a ter ideias, porque todas as energias são usadas para que a máquina continue a funcionar sem grandes desgastes. Ou seja: sem poder, não vale a pena ter ideias; com poder, não se consegue ter ideias.

(2) As ideias e as maravilhosas palavras que lhes dão forma já não têm o lugar que tinham no terreno da política. Mas continuam a ser decisivas em tudo o que mais importa, na arte e na vida.

Se querem um exemplo vão ver o modo como Lawrence Weiner utiliza as palavras na exposição que partilha com Ed Ruscha na Galeria André Viana, no Porto. Aproveitem para visitar um notável conjunto de exposições que são hoje inauguradas nessa cidade, para os lados da Rua Miguel Bombarda: pinturas de Eduardo Batarda na Galeria 111 e Jorge Martins na Galeria Fernando Santos; esculturas de José Pedro Croft na Galeria Quadrado Azul; fotografias do jovem artista brasileiro Vicente de Mello na Galeria Canvas; ou ainda «Happiness», uma colectiva internacional — em cuja organização tive o prazer de colaborar — na Galeria Presença.

E-mail: alexmelo@mail.telepac.pt

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Alexandre Melo

«Quando se está fora do poder não se consegue ter ideias que valham a pena, porque, privadas da explicitação dos meios da sua concretização, elas tornam-se demasiado gerais, abstractas, inutilizáveis. Quando se está no poder, os condicionamentos e as imposições de contextos financeiros e burocráticos incontornáveis são tão grandes que não se consegue chegar a ter ideias, porque todas as energias são usadas para que a máquina continue a funcionar sem grandes desgastes. Ou seja: sem poder, não vale a pena ter ideias; com poder, não se consegue ter ideias.»

SOU do tempo em que estes textos se mediam em «linguados»: folhas com 25 linhas, cada uma com 58 «batidas» de máquina de escrever. Depois vieram os computadores e, com eles, os caracteres, que gosto de tratar como «characters», ou seja, personagens.

Decidira escrever sobre o Congresso do PS. Um convite para um fim-de-semana no Douro, na companhia de um artista de visita a Portugal, impediu-me de acompanhar as televisões. O artista Lawrence Weiner vem das vanguardas nova-iorquinas dos anos 60, pioneiro da «arte conceptual». Segundo esta corrente, uma obra de arte é, antes de mais, algo que se apresenta como uma obra de arte e, desse modo, dá uma definição de arte e da função da arte no mundo. Este autor utiliza palavras e frases como esculturas, nas paredes dos espaços de exposição. O título desta crónica podia ser uma obra de arte conceptual porque, ao mesmo tempo, define este texto e propõe uma definição geral sobre o que é um texto.

Volto assim às palavras e, portanto, ao Congresso do PS. Segundo os jornais, tudo correu como previsto em matéria de lideranças e consagrações. Mesmo assim, houve espaço e algum tempo para a contradição e a perturbação. É importante que as divergências venham de gente que tem obra, protagonismo, autoridade. Que assume princípios, escreve livros, reivindica ideias. No PS, apesar de tudo, permanece viva uma «cultura da cultura» que no meio do campo da política poderá e deverá «fazer a diferença». Diversidade e controvérsia são sinal de vitalidade mesmo quando exprimem mal-estar e surgem como prémio de consolação para compensar o que não aconteceu. Mas o que é que poderia ter acontecido, realmente importante? Não me ocorre nada. No entanto, aconteceram algumas pequenas coisas.

1) De acordo com os jornais, um dos principais acontecimentos foi a medição do tempo do discurso de Manuel Maria Carrilho. O incidente ilustra uma questão fundamental: qual é a eficácia dos discursos, palavras e ideias no quadro da política actual?

A minha hipótese é a seguinte: tudo se passa como se tivessem sido estrangulados os mecanismos de ligação entre as ideias e as práticas. Quando se está fora do poder não se consegue ter ideias que valham a pena, porque, privadas da explicitação dos meios da sua concretização, elas tornam-se demasiado gerais, abstractas, inutilizáveis. Quando se está no poder, os condicionamentos e as imposições de contextos financeiros e burocráticos incontornáveis são tão grande que não se consegue chegar a ter ideias, porque todas as energias são usadas para que a máquina continue a funcionar sem grandes desgastes. Ou seja: sem poder, não vale a pena ter ideias; com poder, não se consegue ter ideias.

(2) As ideias e as maravilhosas palavras que lhes dão forma já não têm o lugar que tinham no terreno da política. Mas continuam a ser decisivas em tudo o que mais importa, na arte e na vida.

Se querem um exemplo vão ver o modo como Lawrence Weiner utiliza as palavras na exposição que partilha com Ed Ruscha na Galeria André Viana, no Porto. Aproveitem para visitar um notável conjunto de exposições que são hoje inauguradas nessa cidade, para os lados da Rua Miguel Bombarda: pinturas de Eduardo Batarda na Galeria 111 e Jorge Martins na Galeria Fernando Santos; esculturas de José Pedro Croft na Galeria Quadrado Azul; fotografias do jovem artista brasileiro Vicente de Mello na Galeria Canvas; ou ainda «Happiness», uma colectiva internacional — em cuja organização tive o prazer de colaborar — na Galeria Presença.

E-mail: alexmelo@mail.telepac.pt

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