Lugares de reflexão

19-02-2001
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Lugares de Reflexão

Por EDUARDO PRADO COELHO

Sexta-feira, 29 de Dezembro de 2000 Numa desafiadora e criativa crónica publicada na "Visão", Boaventura Sousa Santos estabelece uma daquelas tipologias mágicas que de repente parecem resolver o mundo: a das relações entre o reflexo (de que Freud seria o grande pensador) e a reflexão (que seria representada por Nietzsche). Num tal dispositivo, Marx pensaria a mediação entre reflexo e reflexão. Nesta linguagem em que verificamos essa apoteose da reflexividade com que muitas vezes se define o espírito moderno, poderíamos talvez encontrar mil desajustamentos, mas é o lado imediatamente operacional que nos cativa. Assim, no espaço dos governantes e dos dirigentes políticos, toda a tentativa de reflexão tende a ser logo remetida para o estatuto de reflexo (é feita com que propósito? Em nome de que interesses?), enquanto os comentadores políticos, como Boaventura ou eu próprio, teriam a ilusão de uma autonomia que lhes permitiria serem sujeitos de reflexão sem nisso reflectirem (e reflectirem sobre) as circunstâncias que os tornam sujeitos. Disto mesmo temos alguns exemplos naquilo que tem sido a intervenção recente de Manuel Maria Carrilho. Há nela, concorde-se ou não, múltiplos elementos de reflexão. Eles têm sido sistematicamente rasurados para converter os textos em meros reflexos de uma estratégia política (ou de uma vingança pessoal). Algo neste diagnóstico obviamente se perde: acusa-se o mensageiro de tudo e mais alguma coisa para não chegar a ler a mensagem. Só que a mensagem está lá, preto no branco, independentemente das qualidades ou defeitos do mensageiro. Afinal de contas, Carrilho não foi demitido. Demitiu-se precisamente pelas razões políticas que tem vindo a explicar. Seria bom que o Partido Socialista aproveitasse o ensejo para obviar a algo que é neste momento manifesto: tirando o esforço desesperado que António Reis e Fernando Pereira Marques, juntamente com Eduardo Lourenço, têm vindo a fazer na revista "Finisterra", o PS não parece hoje ter nem tempo nem espaço nem disposição para reflectir. Daí a urgência em criar-se uma espécie de Estados Gerais permanentes e diversificados que permitissem pelo menos três coisas: evitar o crescente encasulamento do partido, num processo de desolador vazio de ideias; relançar o diálogo com todos os agentes sociais que se sentem hoje desiludidos e desmotivados; abrir uma relação criativa com a esquerda independente, com o Bloco de Esquerda, com a área intelectual do PCP. Sendo necessariamente um reflexo da esquerda portuguesa, este poderia ser um espaço múltiplo de reflexão cada vez mais indispensável perante os desafios que se acumulam. OUTROS TÍTULOS EM ÚLTIMA PÁGINA Despistagem rápida de BSE arranca a 1 de Abril

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