Suplemento Pública

22-07-2001
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Heróis Falhados

Por DULCE NETO

Segunda, 9 de Julho de 2001

A discrição, em política, parece ser tudo menos uma virtude. "Passar despercebido é uma arte requintada e difícil", escreve nesta revista Pedro Paixão. Uma arte nada cultivada pelos políticos, porque, pensa-se, é contrária à ideia de política como coisa pública. Manuel Maria Carrilho, homem político, não é discreto. Não o foi enquanto ministro da Cultura - e isso nada tem a ver com a sua aparição nas revistas cor-de-rosa nem com o seu badalado romance e anunciado casamento com a vedeta Bárbara Guimarães. Não o é enquanto deputado. E é-o nada enquanto militante do PS. Hoje, um ano depois de ter abandonado o Governo, o professor que trocou a cátedra pelo Parlamento, usa a desilusão sentida pelo primeiro-ministro para o arrasar completamente. Nada sobra de António Guterres que mereça a mais ténue consideração do seu ex-ministro. Nem sequer "em termos pessoais", esse reduto que é sempre salvaguardado nos ataques políticos. O que no fundo Carrilho diz é um elegante "não o conheço em termos pessoais". Para ele, Guterres parece ser um herói falhado. E destes, claramente, o professor não gosta. Não assina as palavras da personagem do conto desta semana, "Dinheiro": "O valor das pessoas, creio eu, não se encontra simplesmente no que se consegue fazer, mas de igual modo, no que não se conseguiu". Há mesmo um momento em que o anti-guterrismo de Carrilho vai até ao fim, de um modo corrosivo: diz que Guterres é a única pessoa "'com condições' para ser primeiro-ministro em Portugal". Porquê? Por ser capaz? Por merecer? Por ser reconhecido? Nada disso. Porque foi assim indicado pelo partido mais votado pelos portugueses. Deve Guterres deixar de ser primeiro-ministro? "Não sou eu que posso inventar outra solução". Mas está disponível para ajudar a encontrar alternativas e até defende um congresso extraordinário. Sempre depois das autárquicas, claro está. Nesta entrevista de Ana Sá Lopes, Isabel Braga e São José Almeida torna-se explícito que Carrilho vai continuar na política, vai continuar a criticar Guterres. Fora do Governo, não se percebendo bem qual a sua causa suprema, isto para seguir o seu raciocínio: o exercício da política deve ser "um exercício da mobilização por determinadas causas, com desapego pelo próprio poder, mais centrado numa política de missão do que numa política 'profissional'". Carrilho continua deputado, numa "prateleira mais ou menos dourada", num sítio que "não convida a fazer, nem convida a pensar". Será que, como a bailarina Leonor Keil, cujo clã se revela nesta edição, só faz as "coisas por prazer e por necessidade"? Por necessidade, não é, seguramente.

Dulce Neto

Heróis Falhados

Por DULCE NETO

Segunda, 9 de Julho de 2001

A discrição, em política, parece ser tudo menos uma virtude. "Passar despercebido é uma arte requintada e difícil", escreve nesta revista Pedro Paixão. Uma arte nada cultivada pelos políticos, porque, pensa-se, é contrária à ideia de política como coisa pública. Manuel Maria Carrilho, homem político, não é discreto. Não o foi enquanto ministro da Cultura - e isso nada tem a ver com a sua aparição nas revistas cor-de-rosa nem com o seu badalado romance e anunciado casamento com a vedeta Bárbara Guimarães. Não o é enquanto deputado. E é-o nada enquanto militante do PS. Hoje, um ano depois de ter abandonado o Governo, o professor que trocou a cátedra pelo Parlamento, usa a desilusão sentida pelo primeiro-ministro para o arrasar completamente. Nada sobra de António Guterres que mereça a mais ténue consideração do seu ex-ministro. Nem sequer "em termos pessoais", esse reduto que é sempre salvaguardado nos ataques políticos. O que no fundo Carrilho diz é um elegante "não o conheço em termos pessoais". Para ele, Guterres parece ser um herói falhado. E destes, claramente, o professor não gosta. Não assina as palavras da personagem do conto desta semana, "Dinheiro": "O valor das pessoas, creio eu, não se encontra simplesmente no que se consegue fazer, mas de igual modo, no que não se conseguiu". Há mesmo um momento em que o anti-guterrismo de Carrilho vai até ao fim, de um modo corrosivo: diz que Guterres é a única pessoa "'com condições' para ser primeiro-ministro em Portugal". Porquê? Por ser capaz? Por merecer? Por ser reconhecido? Nada disso. Porque foi assim indicado pelo partido mais votado pelos portugueses. Deve Guterres deixar de ser primeiro-ministro? "Não sou eu que posso inventar outra solução". Mas está disponível para ajudar a encontrar alternativas e até defende um congresso extraordinário. Sempre depois das autárquicas, claro está. Nesta entrevista de Ana Sá Lopes, Isabel Braga e São José Almeida torna-se explícito que Carrilho vai continuar na política, vai continuar a criticar Guterres. Fora do Governo, não se percebendo bem qual a sua causa suprema, isto para seguir o seu raciocínio: o exercício da política deve ser "um exercício da mobilização por determinadas causas, com desapego pelo próprio poder, mais centrado numa política de missão do que numa política 'profissional'". Carrilho continua deputado, numa "prateleira mais ou menos dourada", num sítio que "não convida a fazer, nem convida a pensar". Será que, como a bailarina Leonor Keil, cujo clã se revela nesta edição, só faz as "coisas por prazer e por necessidade"? Por necessidade, não é, seguramente.

Dulce Neto

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