Nada se discutiu à excepção dos críticos

22-07-2001
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Nada Se Discutiu à Excepção dos Críticos

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Domingo, 6 de Maio de 2001

Perante o buraco negro sugador que se revelaram os "casos" Carrilho e Roseta, todos os outros temas controversos que podiam ser discutidos ficaram na gaveta

Orçamento do Estado para 2001, remodelação governamental, eleições antecipadas, Fernando Gomes. Os temas - além de Roseta e de Carrilho, naturalmente - que marcam todas as especulações socialistas e todas as conversas de bastidores estiveram praticamente ausentes dos discursos no palanque dos principais barões do PS. Guterres deu o tom e quase tudo alinhou.

Veja-se o caso de Miguel Coelho, deputado e líder da concelhia de Lisboa, e, principalmente, indefectível guterrista. Preparava-se para pedir no palco do congresso uma remodelação governamental profunda que simbolizasse um novo arranque do PS. Mas o facto de ter sido feita notícia anunciando essa intenção desencadeou de imediato sobre o deputado pressões para que não falasse do assunto - e não falou.

Veja-se ainda o caso de Vitalino Canas. Disse há dias numa secção do PS que o PS tinha uma organização "soviético-leninista". A afirmação fez manchete e Vitalino começou a ser bombardeado de críticas por todos os lados, pelos seus camaradas. Até Manuel Maria Carrilho lhe atirou isso à cara, ontem, quando discursou. Vitalino, condicionado, já não defendeu o que se preparava para defender: que o PS deve assumir um discurso mais radical em relação ao problema da maioria absoluta, assumindo mesmo estar disposto no futuro a governar em coligação com outro partido. Fica para outras núpcias.

Também o "caso Fernando Gomes" - que foi afinal o que desencadeou a convocação deste congresso - esteve quase totalmente ausente dos discursos. Armando Vara - que odeia Gomes, a quem acusa de traição no caso da Fundação para a Prevenção e Segurança - passou rigorosamente ao lado do tema.

Narciso Miranda, que foi forçado a recuar nas suas ambições à Câmara do Porto quando percebeu que o avanço de Gomes era irrevogável, também se esqueceu de falar do ex-ministro da Administração Interna (MAI). Foi preciso a antiga secretária pessoal de Narciso, Paula Cristina, agora deputada, subir ao palco, para que alguém perguntasse: "Alguém ainda se lembra porque razão foi convocado este congresso?". A deputada não nomeou porém Gomes - e deve ter sido por isso que a concelhia do PS-Porto não cumpriu a ameaça de deixar a sala à mínima crítica ao ex-MAI.

De resto, nem mesmo o peso-pesado Ferro Rodrigues voltou a repetir a sua tese de que o Orçamento do Estado para 2002 deve começar já a ser negociado - e com os partidos da esquerda parlamentar. A super-estrela do Rendimento Mínimo Garantido limitou-se a explicar que "não foi compreendido" pela opinião pública a forma limiana como se aprovou o último Orçamento. E rematou: "Este é o congresso em que se avisa a oposição: assumam as vossas responsabilidades."

Mais coligações com o PCP

Uma das raras ideias novas a aparecer foi da autoria de Francisco Assis. O líder parlamentar apelou a um "novo relacionamento" do PS com os partidos à sua esquerda e, perante reveladores aplausos da plateia, propôs que as coligações autárquicas entre o PS e o PCP não se resumissem a Lisboa, como a doutrina oficial do partido determina.

De resto, muitos dos discursos dos barões socialistas - e de antigos barões ansiosos de o voltarem a ser, como por exemplo Torres Couto - foram, quase exclusivamente, de adulação a António Guterres. Tudo dito muito alto, em tom suplicante-veemente, do género: "É preciso dizê-lo com toda a franqueza: este é o melhor governo de sempre!"

Uma rara excepção foi o secretário-geral da UGT. João Proença disse que "não é aceitável o erro sistemático [do ministério das Finanças] nas previsões da inflação". A defesa de Pina Moura ficou, alguns discursos mais tarde, a cargo do próprio, e também de Ferro Rodrigues.

Já passava das 8h30 - ou seja, dos telejornais - quando subiu ao palco a grande revelação do congresso de há dois anos, o inefável Tino de Rans. Furioso porque a organização demorou horas a dar-lhe a palavra, Tino disparou sobre todos os oradores anteriores gritando: "É sempre a mesma cassete!". Foi o último VIP socialista a discursar antes da debandada para o jantar.

Pouco antes Jorge Coelho tinha feito levantar o congresso com o seu tiroteio contra os "críticos". Entusiasmado prometeu, recordando as reacções das bases do PS quando saiu do Governo: "Saberei sempre estar à altura do apoio que me deram!" Estaria ele a falar da sucessão? Se estava, foi o único.

Nada Se Discutiu à Excepção dos Críticos

Por JOÃO PEDRO HENRIQUES

Domingo, 6 de Maio de 2001

Perante o buraco negro sugador que se revelaram os "casos" Carrilho e Roseta, todos os outros temas controversos que podiam ser discutidos ficaram na gaveta

Orçamento do Estado para 2001, remodelação governamental, eleições antecipadas, Fernando Gomes. Os temas - além de Roseta e de Carrilho, naturalmente - que marcam todas as especulações socialistas e todas as conversas de bastidores estiveram praticamente ausentes dos discursos no palanque dos principais barões do PS. Guterres deu o tom e quase tudo alinhou.

Veja-se o caso de Miguel Coelho, deputado e líder da concelhia de Lisboa, e, principalmente, indefectível guterrista. Preparava-se para pedir no palco do congresso uma remodelação governamental profunda que simbolizasse um novo arranque do PS. Mas o facto de ter sido feita notícia anunciando essa intenção desencadeou de imediato sobre o deputado pressões para que não falasse do assunto - e não falou.

Veja-se ainda o caso de Vitalino Canas. Disse há dias numa secção do PS que o PS tinha uma organização "soviético-leninista". A afirmação fez manchete e Vitalino começou a ser bombardeado de críticas por todos os lados, pelos seus camaradas. Até Manuel Maria Carrilho lhe atirou isso à cara, ontem, quando discursou. Vitalino, condicionado, já não defendeu o que se preparava para defender: que o PS deve assumir um discurso mais radical em relação ao problema da maioria absoluta, assumindo mesmo estar disposto no futuro a governar em coligação com outro partido. Fica para outras núpcias.

Também o "caso Fernando Gomes" - que foi afinal o que desencadeou a convocação deste congresso - esteve quase totalmente ausente dos discursos. Armando Vara - que odeia Gomes, a quem acusa de traição no caso da Fundação para a Prevenção e Segurança - passou rigorosamente ao lado do tema.

Narciso Miranda, que foi forçado a recuar nas suas ambições à Câmara do Porto quando percebeu que o avanço de Gomes era irrevogável, também se esqueceu de falar do ex-ministro da Administração Interna (MAI). Foi preciso a antiga secretária pessoal de Narciso, Paula Cristina, agora deputada, subir ao palco, para que alguém perguntasse: "Alguém ainda se lembra porque razão foi convocado este congresso?". A deputada não nomeou porém Gomes - e deve ter sido por isso que a concelhia do PS-Porto não cumpriu a ameaça de deixar a sala à mínima crítica ao ex-MAI.

De resto, nem mesmo o peso-pesado Ferro Rodrigues voltou a repetir a sua tese de que o Orçamento do Estado para 2002 deve começar já a ser negociado - e com os partidos da esquerda parlamentar. A super-estrela do Rendimento Mínimo Garantido limitou-se a explicar que "não foi compreendido" pela opinião pública a forma limiana como se aprovou o último Orçamento. E rematou: "Este é o congresso em que se avisa a oposição: assumam as vossas responsabilidades."

Mais coligações com o PCP

Uma das raras ideias novas a aparecer foi da autoria de Francisco Assis. O líder parlamentar apelou a um "novo relacionamento" do PS com os partidos à sua esquerda e, perante reveladores aplausos da plateia, propôs que as coligações autárquicas entre o PS e o PCP não se resumissem a Lisboa, como a doutrina oficial do partido determina.

De resto, muitos dos discursos dos barões socialistas - e de antigos barões ansiosos de o voltarem a ser, como por exemplo Torres Couto - foram, quase exclusivamente, de adulação a António Guterres. Tudo dito muito alto, em tom suplicante-veemente, do género: "É preciso dizê-lo com toda a franqueza: este é o melhor governo de sempre!"

Uma rara excepção foi o secretário-geral da UGT. João Proença disse que "não é aceitável o erro sistemático [do ministério das Finanças] nas previsões da inflação". A defesa de Pina Moura ficou, alguns discursos mais tarde, a cargo do próprio, e também de Ferro Rodrigues.

Já passava das 8h30 - ou seja, dos telejornais - quando subiu ao palco a grande revelação do congresso de há dois anos, o inefável Tino de Rans. Furioso porque a organização demorou horas a dar-lhe a palavra, Tino disparou sobre todos os oradores anteriores gritando: "É sempre a mesma cassete!". Foi o último VIP socialista a discursar antes da debandada para o jantar.

Pouco antes Jorge Coelho tinha feito levantar o congresso com o seu tiroteio contra os "críticos". Entusiasmado prometeu, recordando as reacções das bases do PS quando saiu do Governo: "Saberei sempre estar à altura do apoio que me deram!" Estaria ele a falar da sucessão? Se estava, foi o único.

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