O incerto estado das artes

02-05-2001
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DESTAQUE 1: Nove meses de Sasportes - o estado das artes

O Incerto Estado das Artes

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001

No dia em que no CCB abre um debate sobre o Estado das Artes em Portugal, e ao fim de nove meses de gestão do ministro da Cultura José Sasportes, o PÚBLICO traça um balanço da sua acção. Entre as denúncias de ausência de uma política e o receio de um desvio neoliberal, há quem aplauda a sua discrição. Um trabalho de Alexandra Lucas Coelho, Joana Gorjão Henriques, Lucinda Canelas e Vanessa Rato.

Se há duas semanas terá sido incómodo para José Sasportes presidir à entrega do Prémio Almada ao actor e encenador Luís Miguel Cintra - que não se coibiu de criticar o "nenhum entusiasmo pelo trabalho dos criadores portugueses" demonstrado pelo actual ministro da Cultura, bem como a sua "incompreensível" e "desastrada" intervenção no processo dos subsídios ao teatro -, é provável que o mesmo incómodo se venha a registar no decurso dos três dias do debate que hoje abre no Centro Cultural de Belém, subordinado ao tema "O Estado das Artes".

Porque entre os vários participantes (ver caixa nesta página) estão criadores ou pensadores que não escondem dúvidas quanto à forma como o sucessor de Manuel Maria Carrilho tem conduzido a sua acção, nos nove meses que já leva no cargo. Um deles é Eduardo Prado Coelho, que no depoimento para este balanço que o PÚBLICO hoje faz (ver inquérito), coincidindo com o debate do CCB, sumariza três críticas: "Ausência de qualquer ideia explícita de política cultural, inabilidade na relação com os criadores, tendência autista na governação".

Dessa falta de uma política - mais do que de crise - falam também, nestas páginas, criadores como Vera Mantero ou João Mário Grilo, e criadores-programadores artísticos como Jorge Molder e Paulo Ribeiro.

E se alguns destes artistas sublinham uma regressão quanto à gestão de Manuel Maria Carrilho, curioso é verificar que, dentro do próprio partido do governo, Manuel Alegre - insuspeito de seguidismo em relação ao anterior ministro, com quem por diversas vezes se mostrou em desacordo - detecta no actual ministério da Cultura uma inflexão concreta: "uma política neoliberalizante, tendente para uma crescente desresponsabilização do Estado", que, adverte, "conduzirá, nas condições concretas portuguesas, a uma inevitável crise cultural".

Ouvido ontem pelo PÚBLICO quanto às dúvidas levantadas sobre a actual política cultural, o ministro limitou-se a declarar: "Entrei num governo que tem um programa político e é esse o programa que sigo."

Nove meses

O que se destacou, concretamente, em noves meses de governação (ver cronologia) foi um atribulado e traumatizante processo de atribuição de subsídios às artes do espectáculo, que levou à demissão da directora do IPAE, Ana Marín (substituída por Fernando Luís Sampaio) e à perplexidade (ou ruptura) a maior parte dos criadores envolvidos: quer contemplados, quer não contemplados. Entre o "nevoeiro" que o coreógrafo Paulo Ribeiro refere no seu depoimento, continua sem acontecer nenhuma reconciliação, nenhuma tentativa de diálogo, nenhuma ideia alternativa para propor.

No Centro Cultural de Belém, o elogio consensual ao trabalho de programação artística de Miguel Lobo Antunes não encontrou eco num estímulo de Sasportes, que a partir de um desabafo em privado (em que Lobo Antunes expressou dúvidas sobre continuar no cargo), lhe encontrou rapidamente um substituto: o ainda assessor cultural de Guterres, Francisco Motta Veiga.

Quanto ao D. Maria II, tudo se mantém em impasse: João Grosso, indicado por Carrilho, foi afastado, nomeou-se uma comissão de gestão, decidiu-se acabar com a companhia residente, procede-se a rescisões de contratos. Sabe-se que Luís Miguel Cintra recusou o convite para a direcção. Sasportes promete uma solução até ao fim do mês.

De resto, José Sasportes conseguiu resolver - de forma em geral bem aceite - dois problemas decorrentes da demissão de Carrilho: as saídas de Ricardo Pais do Teatro São João e de Paulo Ferreira de Castro do São Carlos, substituídos respectivamente por José Wallenstein e por Paolo Pinamonti. Ainda um outro, ao fim de três meses de espera: a nomeação de João Luís Lisboa para o Instituto do Livro e das Bibliotecas, em substituição de Teresa Gil, que se demitiu em Outubro, alegando cansaço do cargo.

E foi bem sucedido - indicam os testemunhos de Cunha e Silva e Burmester nestas páginas - em apaziguar a tensão que Carrilho acendera no diálogo entre o Ministério da Cultura e a Porto 2001.

Se para nove meses é pouco ou muito, o debate que hoje começa no CCB ajudará a clarificar. Tendo em conta que a sugestão partiu do próprio José Sasportes, será pelo menos um sinal (contra o "autismo"?) de que o ministro decidiu ouvir.

DESTAQUE 1: Nove meses de Sasportes - o estado das artes

O Incerto Estado das Artes

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001

No dia em que no CCB abre um debate sobre o Estado das Artes em Portugal, e ao fim de nove meses de gestão do ministro da Cultura José Sasportes, o PÚBLICO traça um balanço da sua acção. Entre as denúncias de ausência de uma política e o receio de um desvio neoliberal, há quem aplauda a sua discrição. Um trabalho de Alexandra Lucas Coelho, Joana Gorjão Henriques, Lucinda Canelas e Vanessa Rato.

Se há duas semanas terá sido incómodo para José Sasportes presidir à entrega do Prémio Almada ao actor e encenador Luís Miguel Cintra - que não se coibiu de criticar o "nenhum entusiasmo pelo trabalho dos criadores portugueses" demonstrado pelo actual ministro da Cultura, bem como a sua "incompreensível" e "desastrada" intervenção no processo dos subsídios ao teatro -, é provável que o mesmo incómodo se venha a registar no decurso dos três dias do debate que hoje abre no Centro Cultural de Belém, subordinado ao tema "O Estado das Artes".

Porque entre os vários participantes (ver caixa nesta página) estão criadores ou pensadores que não escondem dúvidas quanto à forma como o sucessor de Manuel Maria Carrilho tem conduzido a sua acção, nos nove meses que já leva no cargo. Um deles é Eduardo Prado Coelho, que no depoimento para este balanço que o PÚBLICO hoje faz (ver inquérito), coincidindo com o debate do CCB, sumariza três críticas: "Ausência de qualquer ideia explícita de política cultural, inabilidade na relação com os criadores, tendência autista na governação".

Dessa falta de uma política - mais do que de crise - falam também, nestas páginas, criadores como Vera Mantero ou João Mário Grilo, e criadores-programadores artísticos como Jorge Molder e Paulo Ribeiro.

E se alguns destes artistas sublinham uma regressão quanto à gestão de Manuel Maria Carrilho, curioso é verificar que, dentro do próprio partido do governo, Manuel Alegre - insuspeito de seguidismo em relação ao anterior ministro, com quem por diversas vezes se mostrou em desacordo - detecta no actual ministério da Cultura uma inflexão concreta: "uma política neoliberalizante, tendente para uma crescente desresponsabilização do Estado", que, adverte, "conduzirá, nas condições concretas portuguesas, a uma inevitável crise cultural".

Ouvido ontem pelo PÚBLICO quanto às dúvidas levantadas sobre a actual política cultural, o ministro limitou-se a declarar: "Entrei num governo que tem um programa político e é esse o programa que sigo."

Nove meses

O que se destacou, concretamente, em noves meses de governação (ver cronologia) foi um atribulado e traumatizante processo de atribuição de subsídios às artes do espectáculo, que levou à demissão da directora do IPAE, Ana Marín (substituída por Fernando Luís Sampaio) e à perplexidade (ou ruptura) a maior parte dos criadores envolvidos: quer contemplados, quer não contemplados. Entre o "nevoeiro" que o coreógrafo Paulo Ribeiro refere no seu depoimento, continua sem acontecer nenhuma reconciliação, nenhuma tentativa de diálogo, nenhuma ideia alternativa para propor.

No Centro Cultural de Belém, o elogio consensual ao trabalho de programação artística de Miguel Lobo Antunes não encontrou eco num estímulo de Sasportes, que a partir de um desabafo em privado (em que Lobo Antunes expressou dúvidas sobre continuar no cargo), lhe encontrou rapidamente um substituto: o ainda assessor cultural de Guterres, Francisco Motta Veiga.

Quanto ao D. Maria II, tudo se mantém em impasse: João Grosso, indicado por Carrilho, foi afastado, nomeou-se uma comissão de gestão, decidiu-se acabar com a companhia residente, procede-se a rescisões de contratos. Sabe-se que Luís Miguel Cintra recusou o convite para a direcção. Sasportes promete uma solução até ao fim do mês.

De resto, José Sasportes conseguiu resolver - de forma em geral bem aceite - dois problemas decorrentes da demissão de Carrilho: as saídas de Ricardo Pais do Teatro São João e de Paulo Ferreira de Castro do São Carlos, substituídos respectivamente por José Wallenstein e por Paolo Pinamonti. Ainda um outro, ao fim de três meses de espera: a nomeação de João Luís Lisboa para o Instituto do Livro e das Bibliotecas, em substituição de Teresa Gil, que se demitiu em Outubro, alegando cansaço do cargo.

E foi bem sucedido - indicam os testemunhos de Cunha e Silva e Burmester nestas páginas - em apaziguar a tensão que Carrilho acendera no diálogo entre o Ministério da Cultura e a Porto 2001.

Se para nove meses é pouco ou muito, o debate que hoje começa no CCB ajudará a clarificar. Tendo em conta que a sugestão partiu do próprio José Sasportes, será pelo menos um sinal (contra o "autismo"?) de que o ministro decidiu ouvir.

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