EXPRESSO: País

24-02-2002
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Cultura ao estilo de cada ministro

Desde a «Nova Maioria» de 95 até ao actual ministro da Cultura que as linhas programáticas são as mesmas. Carrilho e Sasportes provaram, porém, que as medidas dependem das interpretações. Santos Silva, à partida, confirma-o

João Carlos Santos Santos Silva apresentou as suas «prioridades», com Arons de Carvalho e José Conde Rodrigues

COMEÇOU por ser uma questão de estilos pessoais. Mas também de sombra. Quando José Sasportes chegou ao Governo, faz agora pouco mais de um ano, as diferenças de comportamento relativamente ao seu antecessor depressa se mostraram evidentes. Homens do mesmo Governo, supostamente com a missão de cumprirem o mesmo programa, José Sasportes e Manuel Maria Carrilho acabaram por diferir, em grande parte, por via desse estilo pessoal. Saliente-se que o primeiro era um filiado no Partido Socialista (embora encoberto); e o segundo um independente, conselheiro de António Guterres.

De resto, também o lastro que Carrilho tinha deixado atrás de si era facto incontornável para quem quer que o seguisse.

O ministro filósofo, que teve a tarefa de construir o Ministério, tinha sabido rodear-se de pessoas «fiéis». À saída, fez viajar os directores das mais diversas partes do país para deles se despedir no Centro Cultural de Belém. Mais tarde, e em alguns casos, a sombra dele levou-os a abandonar as direcções e a eliminar a possibilidade de continuarem ao serviço, apesar da insistência de Sasportes - foi o caso de Ricardo Pais.

A Sasportes faltava ainda o dinheiro. Carrilho havia saído por causa das restrições orçamentais.

Manuel Maria Carrilho gostava de banhos de multidão. Aparecia nas estreias, nas feiras populares, anunciava projectos a cada instante, objectivos e investimentos a longo prazo. Ao princípio, de todos os ministros de Guterres, era o que mais aparecia nos jornais, nas revistas cor-de-rosa (mesmo que fizesse questão de sublinhar que não era por razões pessoais). Era um «príncipe» da política, no bom e no mau sentido, na medida também em que centralizava decisões. José Sasportes, por seu lado, não queria ser protagonista, objecto de notícia.

Carrilho foi muitas vezes contestado, passou por polémicas (como a da Conteúdos), mas à distância percebe-se que nunca terá conseguido fazer encher tantas páginas de jornais sobre um só tema. Ao contrário do que Sasportes veio a fazer a propósito dos subsídios. A sua desconfiança face ao modelo de atribuição de dinheiros aos criadores era evidente, e acabou por trocar-lhe as intenções. Agora, parece certo que a sua passagem pelo Governo nunca ficará desligada do «caso Instituto Português das Artes do Espectáculo».

O «marketing»...

Manuel Maria Carrilho e José Sasportes: os dois ex-ministros da Cultura de António Guterres interpretaram de forma absolutamente distinta o programa da «Nova Maioria» para a Cultura

A «arrogância» - que Carrilho considerava ser um mal menor face à incompetência ou a corrupção (servindo-se dos ditos de Descartes) - acabou por ser a acusação mais vezes dirigida pelos criadores portugueses a Sasportes. A partir de certo momento as comparações tornaram-se inevitáveis, e os críticos de Carrilho depressa perceberam que afinal o filósofo também tinha tido qualidades. Mostraram a sua reprovação perante as decisões de Sasportes em manifestações, como no Porto-2001, em entregas de Prémios (caso Luís Miguel Cintra), em ajuntamentos à porta do Palácio da Ajuda.

Por outro lado, os criadores estavam «habituados». O Ministério que conheciam, o segundo da democracia portuguesa, tinha sido criado pelo pensamento de um homem, à medida dele, também para o servir. Com Carrilho, e pela primeira vez, a Cultura recebeu uma imagem, o cuidado do «marketing», no teatro, no cinema, na própria instituição (ainda hoje tem um logótipo estilizado). Os criadores não aceitaram os «recuos» de Sasportes, a negação evidente, desde as primeiras entrevistas, de que o Estado seria o «grande pai» deles.

O segundo ministro de Guterres para a área da Cultura não quis perder tempo. Ao contrário do actual, Augusto Santos Silva, Sasportes avançou para as entrevistas em cima da nomeação. Os dossiês vieram depois. Como Santos Silva, também Sasportes começou por «desvalorizar os cortes orçamentais», para acabar a hesitar nas decisões. Primeiro homologou os subsídios para o Teatro, Dança e Música depois mandou rever as decisões. Quis autonomizar os julgamentos dos subsídios da tutela dos institutos.

Sasportes tinha entrado «com o comboio em andamento», começou por gerir casos concretos, muitos conflitos. Santos Silva quer voltar às primeiras estações, dar continuidade aos grandes projectos. O segundo ministro de Guterres conseguiu organizar o São Carlos, extinguiu a companhia residente do D. Maria II, escolheu vários directores, lançou as capitais nacionais de cultura e o processo de definição da futura entidade gestora da Casa da Música.

... e a televisão

Olhando para trás, percebe-se que a linha programática de Carrilho e Santos Silva não difere em muito. Como Carrilho, Santos Silva coloca o património (cuja Lei só foi aprovada no tempo de Sasportes) à frente de tudo o resto , e também se importa com a chamada cultura popular (Carrilho também tinha anunciado investimentos nesta área na ordem de 100 mil contos). Descentralizar, dar seguimento ao modelo das capitais da cultura, são objectivos de Santos Silva. Mas não consta que o primeiro e o actual ministro concordem nas questões da RTP.

Carrilho, que nunca teve a possibilidade de chamar a si este dossiê, defendia a anulação da publicidade. Santos Silva não mostrou ter igual opinião. Duma coisa Santos Silva não está próximo dos anteriores: não é o intelectual rebelde, o homem isolado que não se coíbe de dizer o que pensa contra os seus companheiros de política. Está ao serviço de Guterres e, talvez por isso, já vai neste Governo na terceira função. Não parece ainda centralizador. Na primeira conferência de Imprensa, por exemplo, entregou várias pastas ao seu secretário de Estado, José Conde Rodrigues. Mas Santos Silva sabe que tem o mesmo problema que Carrilho, e que levou Sasportes a desabafar pouco tempo antes de sair: é preciso aumentar o orçamento da Cultura.

Como se percebe, as intenções do Governo não mudam, apenas o dinheiro. Mas as interpretações do programa, e as respectivas medidas, já provaram depender, além do orçamento, dos estilos pessoais.

Cultura ao estilo de cada ministro

Desde a «Nova Maioria» de 95 até ao actual ministro da Cultura que as linhas programáticas são as mesmas. Carrilho e Sasportes provaram, porém, que as medidas dependem das interpretações. Santos Silva, à partida, confirma-o

João Carlos Santos Santos Silva apresentou as suas «prioridades», com Arons de Carvalho e José Conde Rodrigues

COMEÇOU por ser uma questão de estilos pessoais. Mas também de sombra. Quando José Sasportes chegou ao Governo, faz agora pouco mais de um ano, as diferenças de comportamento relativamente ao seu antecessor depressa se mostraram evidentes. Homens do mesmo Governo, supostamente com a missão de cumprirem o mesmo programa, José Sasportes e Manuel Maria Carrilho acabaram por diferir, em grande parte, por via desse estilo pessoal. Saliente-se que o primeiro era um filiado no Partido Socialista (embora encoberto); e o segundo um independente, conselheiro de António Guterres.

De resto, também o lastro que Carrilho tinha deixado atrás de si era facto incontornável para quem quer que o seguisse.

O ministro filósofo, que teve a tarefa de construir o Ministério, tinha sabido rodear-se de pessoas «fiéis». À saída, fez viajar os directores das mais diversas partes do país para deles se despedir no Centro Cultural de Belém. Mais tarde, e em alguns casos, a sombra dele levou-os a abandonar as direcções e a eliminar a possibilidade de continuarem ao serviço, apesar da insistência de Sasportes - foi o caso de Ricardo Pais.

A Sasportes faltava ainda o dinheiro. Carrilho havia saído por causa das restrições orçamentais.

Manuel Maria Carrilho gostava de banhos de multidão. Aparecia nas estreias, nas feiras populares, anunciava projectos a cada instante, objectivos e investimentos a longo prazo. Ao princípio, de todos os ministros de Guterres, era o que mais aparecia nos jornais, nas revistas cor-de-rosa (mesmo que fizesse questão de sublinhar que não era por razões pessoais). Era um «príncipe» da política, no bom e no mau sentido, na medida também em que centralizava decisões. José Sasportes, por seu lado, não queria ser protagonista, objecto de notícia.

Carrilho foi muitas vezes contestado, passou por polémicas (como a da Conteúdos), mas à distância percebe-se que nunca terá conseguido fazer encher tantas páginas de jornais sobre um só tema. Ao contrário do que Sasportes veio a fazer a propósito dos subsídios. A sua desconfiança face ao modelo de atribuição de dinheiros aos criadores era evidente, e acabou por trocar-lhe as intenções. Agora, parece certo que a sua passagem pelo Governo nunca ficará desligada do «caso Instituto Português das Artes do Espectáculo».

O «marketing»...

Manuel Maria Carrilho e José Sasportes: os dois ex-ministros da Cultura de António Guterres interpretaram de forma absolutamente distinta o programa da «Nova Maioria» para a Cultura

A «arrogância» - que Carrilho considerava ser um mal menor face à incompetência ou a corrupção (servindo-se dos ditos de Descartes) - acabou por ser a acusação mais vezes dirigida pelos criadores portugueses a Sasportes. A partir de certo momento as comparações tornaram-se inevitáveis, e os críticos de Carrilho depressa perceberam que afinal o filósofo também tinha tido qualidades. Mostraram a sua reprovação perante as decisões de Sasportes em manifestações, como no Porto-2001, em entregas de Prémios (caso Luís Miguel Cintra), em ajuntamentos à porta do Palácio da Ajuda.

Por outro lado, os criadores estavam «habituados». O Ministério que conheciam, o segundo da democracia portuguesa, tinha sido criado pelo pensamento de um homem, à medida dele, também para o servir. Com Carrilho, e pela primeira vez, a Cultura recebeu uma imagem, o cuidado do «marketing», no teatro, no cinema, na própria instituição (ainda hoje tem um logótipo estilizado). Os criadores não aceitaram os «recuos» de Sasportes, a negação evidente, desde as primeiras entrevistas, de que o Estado seria o «grande pai» deles.

O segundo ministro de Guterres para a área da Cultura não quis perder tempo. Ao contrário do actual, Augusto Santos Silva, Sasportes avançou para as entrevistas em cima da nomeação. Os dossiês vieram depois. Como Santos Silva, também Sasportes começou por «desvalorizar os cortes orçamentais», para acabar a hesitar nas decisões. Primeiro homologou os subsídios para o Teatro, Dança e Música depois mandou rever as decisões. Quis autonomizar os julgamentos dos subsídios da tutela dos institutos.

Sasportes tinha entrado «com o comboio em andamento», começou por gerir casos concretos, muitos conflitos. Santos Silva quer voltar às primeiras estações, dar continuidade aos grandes projectos. O segundo ministro de Guterres conseguiu organizar o São Carlos, extinguiu a companhia residente do D. Maria II, escolheu vários directores, lançou as capitais nacionais de cultura e o processo de definição da futura entidade gestora da Casa da Música.

... e a televisão

Olhando para trás, percebe-se que a linha programática de Carrilho e Santos Silva não difere em muito. Como Carrilho, Santos Silva coloca o património (cuja Lei só foi aprovada no tempo de Sasportes) à frente de tudo o resto , e também se importa com a chamada cultura popular (Carrilho também tinha anunciado investimentos nesta área na ordem de 100 mil contos). Descentralizar, dar seguimento ao modelo das capitais da cultura, são objectivos de Santos Silva. Mas não consta que o primeiro e o actual ministro concordem nas questões da RTP.

Carrilho, que nunca teve a possibilidade de chamar a si este dossiê, defendia a anulação da publicidade. Santos Silva não mostrou ter igual opinião. Duma coisa Santos Silva não está próximo dos anteriores: não é o intelectual rebelde, o homem isolado que não se coíbe de dizer o que pensa contra os seus companheiros de política. Está ao serviço de Guterres e, talvez por isso, já vai neste Governo na terceira função. Não parece ainda centralizador. Na primeira conferência de Imprensa, por exemplo, entregou várias pastas ao seu secretário de Estado, José Conde Rodrigues. Mas Santos Silva sabe que tem o mesmo problema que Carrilho, e que levou Sasportes a desabafar pouco tempo antes de sair: é preciso aumentar o orçamento da Cultura.

Como se percebe, as intenções do Governo não mudam, apenas o dinheiro. Mas as interpretações do programa, e as respectivas medidas, já provaram depender, além do orçamento, dos estilos pessoais.

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