O socialista mais difícil de ignorar

25-06-2001
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O Socialista Mais Difícil de Ignorar

Domingo, 13 de Maio de 2001 O ex-ministro da Cultura tornou-se o catalizador dos ódios da direcção do PS e do aparelho. Manuel Maria Carrilho, 50 anos, filósofo, namorado da estrela Bárbara Guimarães, protagonista da oposição a Guterres no último Congresso, tornou-se o socialista mais difícil de ignorar. %Isabel Braga Manuel Maria Carrilho não sai do PS nem da Assembleia da República, nunca depois de ter sido "empurrado" a fazê-lo. E mesmo que a ideia do abandono da política até já lhe tivesse ocorrido, quando o desencanto se sobrepunha ao resto, "agora nem pensar". Imaginar o contrário seria conhecer mal este homem de 50 anos, professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, conhecido entre os amigos por possuir uma enorme resistência psicológica. Manuel Maria Carrilho gosta de desafios e não passou a alimentar quaisquer sentimentos de insegurança, pelo contrário, depois de ter sido apontado como o inimigo a abater e alvo de uma vaia monumental e inédita no Congresso do PS, no último fim de semana. O desencanto não desapareceu, ele continua a pensar e a dizer que o PS se move segundo estratégias de marketing e cumpre uma agenda puramente mediática. Mas a ligação permanece, ele acha que há socialistas que discordam daquilo em que o PS se tornou e diz que continua a acreditar em causas. É uma crença, mas intervenções como a de Francisco Assis, na última reunião do grupo parlamentar do qual é líder, e antes no plenário da Assembleia da República, ao recusar exclusões de deputados só por discordarem da direcção do partido, ajudam Carrilho a alimentá-la. Sobretudo porque ainda na passada segunda-feira, em entrevista ao PÚBLICO, o número dois do PS, Jorge Coelho, o convidava a entregar o seu cartão de deputado. Porque o PS é um partido não homogéneo, ele continua lá, cauteloso, na expectativa, e a situação actual até tem aliciantes para este militante desalinhado. Em primeiro lugar, Manuel Maria Carrilho sente-se bem no Parlamento, para onde foi eleito como deputado pelo Porto. Chama as atenções, altivo e sempre sozinho, capaz de uma gestão de comportamentos cujos efeitos subversivos consegue calcular ao milímetro. No hemiciclo, escolhe sempre um lugar afastado dos outros deputados do seu grupo, mas está atento a quem se senta ao pé dele. Fernando Gomes e Alberto Costa fazem-no muitas vezes. Nos corredores, há deputados socialistas que lhe pedem que assine o livro "O Estado da Nação", lançado em Fevereiro passado e reunindo as críticas contundentes ao Governo de António Guterres que, durante dois meses - entre Outubro de Dezembro de 2000 -, ele publicou no "Diário de Notícias". Fazem-no discretamente, porque pode cair mal, e Carrilho sente um enorme gozo nisso. Manuel Maria Carrilho, que nada tem de ingénuo, sempre soube que não era propriamente amado pelo aparelho do PS. A primeira razão e a mais importante é que ousou desprezar aquilo que esse aparelho mais preza e ambiciona, o poder. Em 7 Julho de 2000, fez o inimaginável, saiu de ministro pelo seu próprio pé, deitou fora o que todos querem. Numa terça-feira anunciou que sairia na sexta, e saiu mesmo. O primeiro-ministro viu-se em dificuldades para lhe encontrar um sucessor a tempo de fazer o número do ministro descartável, sai este mas já há outro para o seu lugar. Sobretudo porque Guterres, quinze dias antes de ele bater com a porta do Ministério da Cultura, no lançamento do Programa Operacional da Cultura, no Centro Cultural de Belém, lhe fizera um enorme elogio, ao dizer que "antes dele não havia política cultural em Portugal". Há outra coisa que o aparelho do PS não perdoa a Carrilho, é o facto de ele existir profissionalmente fora da política: doutorou-se em Filosofia em 1985 e, em 1993, chegou a professor catedrático. Tem obra publicada na área da retórica e da argumentação em Portugal, França e Bélgica, e, quando assumiu a pasta da Cultura pela primeira vez, em 1995, acabava de ser eleito para a Cátedra Perelmann, da Universidade Livre de Bruxelas. Militante do PS desde 1986, eleito nesse ano para a comissão nacional por proposta da tendência minoritária liderada por Jaime Gama, Manuel Maria Carrilho, nunca se envolveu muito na vida do partido, até chegar a ministro. Na guerra pela liderança do PS que opôs Guterres a Jorge Sampaio, em 1992, tinha ficado de fora, embora tivesse participado na campanha deste último para as eleições legislativas de 1991. Nessa época, era um académico atento à política, apenas isso. Em fins de 1994, tudo mudou, quando foi levado para os Estados Gerais do PS pela mão de Ricardo Pais e Rui Vieira Nery. Foi então que conheceu melhor António Guterres e se deixou convencer pelo seu discurso de mudança. No fim dos Estados Gerais, o líder socialista convidou-o a redigir o programa eleitoral na área da cultura, juntamente com António Reis e Rui Vieira Nery, ambos apontados na altura como nomes prováveis do futuro ministro. Mas o convite foi, inesperadamente, feito a Carrilho e ele aceitou com entusiasmo, a cultura era na época, para o PS, a área da grande ruptura com o cavaquismo. Nos primeiros tempos, tudo correu bem, e foram superadas com êxito tarefas difíceis, como o arranque do projecto do Vale do Côa, a sua candidatura a património mundial ou o relançamento da rede pública de bibliotecas. Mas o governo desgastou o PS de uma forma que já era visível na campanha eleitoral de 1999. Carrilho aceitou de novo a pasta da cultura, mas já sem entusiasmo. Na posse do Governo, em Outubro, depois de uma presidência portuguesa da União Europeia que ele considerou ter tido reflexos muito negativos em termos internos, era um homem francamente desiludido com a liderança de Guterres. Atritos declarados dentro do Governo tinha-os apenas com José Sócrates, sobretudo a propósito do serviço público da televisão, quando este tutelava a área. A gota-de-água aconteceu em meados de 2000, quando Pina Moura, ministro das Finanças, decidiu cortar no orçamento de todos os ministérios. Carrilho não aceitou ver reduzido o orçamento do seu para níveis semelhantes aos de 1994. Mas esse foi um apenas o pretexto, a verdadeira razão estava na desilusão que sentia com a liderança de Guterres, como veio a deixar claro pouco depois. A passagem de Manuel Maria Carrilho pelo Palácio da Ajuda também não deixou boas recordações ao aparelho do PS, pela renitência que ele demonstrou em nomear "boys" para o seu ministério. Ele admite que cedeu num único caso, e se arrependeu amargamente a seguir. Durante o Verão de 2000, depois de abandonar o Governo, manteve o "low profile", recusando entrevistas e declarações públicas. Mas, em Outubro começou a escrever no Diário de Notícias uma crónica semanal que durou até Dezembro, e essa foi a machadada final nas suas relações com a direcção do partido. Falou sempre de ideias e de política mas foi abrasivo, contundente, destrutivo. No último fim de semana, no Parque das Nações, o PS ajustou contas com ele. Elegeu-o como o inimigo útil, o crítico contra o qual o partido podia unir-se abertamente, sem correr os riscos de fractura que correria se a hostilização tivesse sido tão ostensiva contra outras vozes dissonantes, como as de Manuel Alegre e Helena Roseta. Habilidosamente, Carrilho voltou como pôde a situação a seu favor e conseguiu fazer cair a máscara dialogante, magnânima e conciliadora do secretário-geral. Ah, falta falar de Bárbara Guimarães, sua companheira dos últimos meses e um "sex-symbol" nacional. Sendo a política um mundo masculino, Carrilho é penalizado também por isso. Ele diz que não pode fazer nada pelas pessoas que não têm vida pessoal nem profissional fora da política. Ninguém duvida de que, por tudo o que já foi dito e mais alguma coisa, Manuel Maria Carrilho seja o socialista português mais difícil de ignorar. OUTROS TÍTULOS EM NACIONAL "Não existe conflitualidade entre unidade e autonomia"

Défice democrático é questão cultural

Coluna de abertura

Haverá uma Europa-Estado, não uma Europa-nação

Gomes avança em Junho para a Câmara do Porto

O socialista mais difícil de ignorar

O PS poderia ter sido mais dinâmico e determinado em reformar

Engenheiro, irrequieto e incómodo

"Em Portugal não temos uma configuração do futuro"

O Socialista Mais Difícil de Ignorar

Domingo, 13 de Maio de 2001 O ex-ministro da Cultura tornou-se o catalizador dos ódios da direcção do PS e do aparelho. Manuel Maria Carrilho, 50 anos, filósofo, namorado da estrela Bárbara Guimarães, protagonista da oposição a Guterres no último Congresso, tornou-se o socialista mais difícil de ignorar. %Isabel Braga Manuel Maria Carrilho não sai do PS nem da Assembleia da República, nunca depois de ter sido "empurrado" a fazê-lo. E mesmo que a ideia do abandono da política até já lhe tivesse ocorrido, quando o desencanto se sobrepunha ao resto, "agora nem pensar". Imaginar o contrário seria conhecer mal este homem de 50 anos, professor catedrático da Universidade Nova de Lisboa, conhecido entre os amigos por possuir uma enorme resistência psicológica. Manuel Maria Carrilho gosta de desafios e não passou a alimentar quaisquer sentimentos de insegurança, pelo contrário, depois de ter sido apontado como o inimigo a abater e alvo de uma vaia monumental e inédita no Congresso do PS, no último fim de semana. O desencanto não desapareceu, ele continua a pensar e a dizer que o PS se move segundo estratégias de marketing e cumpre uma agenda puramente mediática. Mas a ligação permanece, ele acha que há socialistas que discordam daquilo em que o PS se tornou e diz que continua a acreditar em causas. É uma crença, mas intervenções como a de Francisco Assis, na última reunião do grupo parlamentar do qual é líder, e antes no plenário da Assembleia da República, ao recusar exclusões de deputados só por discordarem da direcção do partido, ajudam Carrilho a alimentá-la. Sobretudo porque ainda na passada segunda-feira, em entrevista ao PÚBLICO, o número dois do PS, Jorge Coelho, o convidava a entregar o seu cartão de deputado. Porque o PS é um partido não homogéneo, ele continua lá, cauteloso, na expectativa, e a situação actual até tem aliciantes para este militante desalinhado. Em primeiro lugar, Manuel Maria Carrilho sente-se bem no Parlamento, para onde foi eleito como deputado pelo Porto. Chama as atenções, altivo e sempre sozinho, capaz de uma gestão de comportamentos cujos efeitos subversivos consegue calcular ao milímetro. No hemiciclo, escolhe sempre um lugar afastado dos outros deputados do seu grupo, mas está atento a quem se senta ao pé dele. Fernando Gomes e Alberto Costa fazem-no muitas vezes. Nos corredores, há deputados socialistas que lhe pedem que assine o livro "O Estado da Nação", lançado em Fevereiro passado e reunindo as críticas contundentes ao Governo de António Guterres que, durante dois meses - entre Outubro de Dezembro de 2000 -, ele publicou no "Diário de Notícias". Fazem-no discretamente, porque pode cair mal, e Carrilho sente um enorme gozo nisso. Manuel Maria Carrilho, que nada tem de ingénuo, sempre soube que não era propriamente amado pelo aparelho do PS. A primeira razão e a mais importante é que ousou desprezar aquilo que esse aparelho mais preza e ambiciona, o poder. Em 7 Julho de 2000, fez o inimaginável, saiu de ministro pelo seu próprio pé, deitou fora o que todos querem. Numa terça-feira anunciou que sairia na sexta, e saiu mesmo. O primeiro-ministro viu-se em dificuldades para lhe encontrar um sucessor a tempo de fazer o número do ministro descartável, sai este mas já há outro para o seu lugar. Sobretudo porque Guterres, quinze dias antes de ele bater com a porta do Ministério da Cultura, no lançamento do Programa Operacional da Cultura, no Centro Cultural de Belém, lhe fizera um enorme elogio, ao dizer que "antes dele não havia política cultural em Portugal". Há outra coisa que o aparelho do PS não perdoa a Carrilho, é o facto de ele existir profissionalmente fora da política: doutorou-se em Filosofia em 1985 e, em 1993, chegou a professor catedrático. Tem obra publicada na área da retórica e da argumentação em Portugal, França e Bélgica, e, quando assumiu a pasta da Cultura pela primeira vez, em 1995, acabava de ser eleito para a Cátedra Perelmann, da Universidade Livre de Bruxelas. Militante do PS desde 1986, eleito nesse ano para a comissão nacional por proposta da tendência minoritária liderada por Jaime Gama, Manuel Maria Carrilho, nunca se envolveu muito na vida do partido, até chegar a ministro. Na guerra pela liderança do PS que opôs Guterres a Jorge Sampaio, em 1992, tinha ficado de fora, embora tivesse participado na campanha deste último para as eleições legislativas de 1991. Nessa época, era um académico atento à política, apenas isso. Em fins de 1994, tudo mudou, quando foi levado para os Estados Gerais do PS pela mão de Ricardo Pais e Rui Vieira Nery. Foi então que conheceu melhor António Guterres e se deixou convencer pelo seu discurso de mudança. No fim dos Estados Gerais, o líder socialista convidou-o a redigir o programa eleitoral na área da cultura, juntamente com António Reis e Rui Vieira Nery, ambos apontados na altura como nomes prováveis do futuro ministro. Mas o convite foi, inesperadamente, feito a Carrilho e ele aceitou com entusiasmo, a cultura era na época, para o PS, a área da grande ruptura com o cavaquismo. Nos primeiros tempos, tudo correu bem, e foram superadas com êxito tarefas difíceis, como o arranque do projecto do Vale do Côa, a sua candidatura a património mundial ou o relançamento da rede pública de bibliotecas. Mas o governo desgastou o PS de uma forma que já era visível na campanha eleitoral de 1999. Carrilho aceitou de novo a pasta da cultura, mas já sem entusiasmo. Na posse do Governo, em Outubro, depois de uma presidência portuguesa da União Europeia que ele considerou ter tido reflexos muito negativos em termos internos, era um homem francamente desiludido com a liderança de Guterres. Atritos declarados dentro do Governo tinha-os apenas com José Sócrates, sobretudo a propósito do serviço público da televisão, quando este tutelava a área. A gota-de-água aconteceu em meados de 2000, quando Pina Moura, ministro das Finanças, decidiu cortar no orçamento de todos os ministérios. Carrilho não aceitou ver reduzido o orçamento do seu para níveis semelhantes aos de 1994. Mas esse foi um apenas o pretexto, a verdadeira razão estava na desilusão que sentia com a liderança de Guterres, como veio a deixar claro pouco depois. A passagem de Manuel Maria Carrilho pelo Palácio da Ajuda também não deixou boas recordações ao aparelho do PS, pela renitência que ele demonstrou em nomear "boys" para o seu ministério. Ele admite que cedeu num único caso, e se arrependeu amargamente a seguir. Durante o Verão de 2000, depois de abandonar o Governo, manteve o "low profile", recusando entrevistas e declarações públicas. Mas, em Outubro começou a escrever no Diário de Notícias uma crónica semanal que durou até Dezembro, e essa foi a machadada final nas suas relações com a direcção do partido. Falou sempre de ideias e de política mas foi abrasivo, contundente, destrutivo. No último fim de semana, no Parque das Nações, o PS ajustou contas com ele. Elegeu-o como o inimigo útil, o crítico contra o qual o partido podia unir-se abertamente, sem correr os riscos de fractura que correria se a hostilização tivesse sido tão ostensiva contra outras vozes dissonantes, como as de Manuel Alegre e Helena Roseta. Habilidosamente, Carrilho voltou como pôde a situação a seu favor e conseguiu fazer cair a máscara dialogante, magnânima e conciliadora do secretário-geral. Ah, falta falar de Bárbara Guimarães, sua companheira dos últimos meses e um "sex-symbol" nacional. Sendo a política um mundo masculino, Carrilho é penalizado também por isso. Ele diz que não pode fazer nada pelas pessoas que não têm vida pessoal nem profissional fora da política. Ninguém duvida de que, por tudo o que já foi dito e mais alguma coisa, Manuel Maria Carrilho seja o socialista português mais difícil de ignorar. OUTROS TÍTULOS EM NACIONAL "Não existe conflitualidade entre unidade e autonomia"

Défice democrático é questão cultural

Coluna de abertura

Haverá uma Europa-Estado, não uma Europa-nação

Gomes avança em Junho para a Câmara do Porto

O socialista mais difícil de ignorar

O PS poderia ter sido mais dinâmico e determinado em reformar

Engenheiro, irrequieto e incómodo

"Em Portugal não temos uma configuração do futuro"

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