A sombra de Carrilho e o fantasma de Alegre

11-05-2001
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A Sombra de Carrilho e o Fantasma de Alegre

Por LUCIANO ALVAREZ

Domingo, 6 de Maio de 2001

Guterres nas conferências do congresso

A primeira noite do congresso, na sexta-feira, não correu bem ao primeiro-ministro. Ouviu críticas, teve um encontro imediato com Carrilho e foi obrigado a comentar o que não queria

O chamado pré-congresso, na noite de sexta-feira, não correu bem a António Guterres. A cara do secretário-geral do PS espelhou toda a noite incómodo e quase se podia ler na sua testa algo como o "que fiz eu para merecer isto" ou "o que mais me irá acontecer". Guterres entrou sorridente a dizer que não comentava nada e saiu a comentar depois do encontro imediato que menos desejaria. Com Manuel Maria Carrilho, claro. Para já não falar de um outro encontro, este com Manuel Alegre. Ou melhor, com o "fantasma" de Manuel Alegre que esteve sempre presente.

Guterres chegou ao Pavilhão Atlântico às 21h40. Esperava-o um batalhão de jornalistas. O líder do PS nem teve tempo de dizer boa noite. "Carrilho", "Alegre", gritavam-lhe os jornalistas entre outras palavras que não se percebiam. "Alegre", "Carrilho". Guterres nada. "Não comento"; "Só falo aos delegados"; "Não comento", repetia.

Fechado entre uma parede de jornalistas enquanto se dirigia às chamadas conferências do congresso, Guterres nem viu a banca que Helena Roseta tinha montado para pedir assinaturas para a sua moção. Não viu Roseta, mas viu, meia-dúzia de passos logo à frente, uma camarada delegada, já de idade avançada, sentada junto a uma janela. Simpático, o líder parou para a cumprimentar. Fria, a camarada delegada, só tinha uma coisa para lhe dizer: "O PS tem de saber ouvir todas as críticas." "E ouve, e ouve", respondeu Guterres. Guterres só voltou a parar nas salas da conferências.

Primeira paragem: "Democracia e novos poderes." Falava nessa altura o comentador político Carlos Magno e já outra crítica vinha a caminho. O conhecido comentador, que elaborava num dos seus principais exercícios, comentar-se se a si mesmo, logo lhe disse que entre o anterior congresso e o deste fim de semana, o PS "tinha perdido dois anos".

Guterres acabou salvo pelo gongo, ou melhor, por António Vitorino que pouco depois anunciava que, face ao elevado número de interessados no debate, tinham de mudar de sala. "Será a primeira movimentação de massas do congresso", disse Vitorino. Guterres riu pela primeira vez com prazer. "E nós vamos mudar de sala", anunciou o secretário-geral.

Segunda paragem: Economia, Competitividade e Coesão. Murteira Nabo falava nessa altura em "webização", em novas tecologias, em aposta nos jovens. Tudo coisas que o primeiro-ministro gosta. Ainda assim, Guterres só lá esteve 15 minutos. Faltava visitar duas "capelinhas".

A terceira (a cidade, as pessoas e o futuro) e a quarta, (justiça fiscal equidade e eficiência) foram cumpridas rapidamente. Guterres terminaria a noite onde começou, nos novos poderes, com mais de 500 participantes e onde estavam algumas das principais cara do Governo e do partido.

Mas também lá estava o "engulho" Manuel Maria Carrilho. Assim que Guterres entrou, o ex-ministro da Cultura pediu logo para falar. O secretário-geral estava na ponta direita da sala e Carrilho na ponta esquerda, mas Guterres, ora de olhos no chão, ora nos sapatos, ouviu bem o que ele tinha para dizer. Coisa pouca. Entre outras, e manifestando-se surpreendido por o primeiro-ministro ter dito durante a campanha da regionalização que gostaria de ter menos poderes, Carrilho atirou-lhe com um sorriso nos lábios: "A vitimização não suscita a responsabilização, suscita a letargia e a compaixão."

Solicitado por uma televisão, Carrilho deslocou-se da ponta direita para ponta esquerda da sala. Ficou a quatro ou cinco passos de Guterres. O líder, discretamente, deslocou-se na sua cadeira de forma a ficar de costas para Carrilho. A verdade é que não precisava de ouvir Carrilho porque este repetiu o que vem a dizer há meses: críticas, ao primeiro-ministro, ao seu trabalho, ao Governo.

Terminado o debate, Guterres não fugiu à conversa com os jornalistas. "Carrilho", Alegre", gritaram-lhe. O primeiro-ministro pediu calma, desta vez tinha algo a dizer. Falou nos delegados presentes, para não falar dos ausentes e para o ex-ministro da cultura tinha guardada uma frase: "Há que perceber que o poder é serviço. No dia em que o poder for auto-contemplação, vaidade e ostentação falha-se." E Guterres lá partiu com cara de caso.

A Sombra de Carrilho e o Fantasma de Alegre

Por LUCIANO ALVAREZ

Domingo, 6 de Maio de 2001

Guterres nas conferências do congresso

A primeira noite do congresso, na sexta-feira, não correu bem ao primeiro-ministro. Ouviu críticas, teve um encontro imediato com Carrilho e foi obrigado a comentar o que não queria

O chamado pré-congresso, na noite de sexta-feira, não correu bem a António Guterres. A cara do secretário-geral do PS espelhou toda a noite incómodo e quase se podia ler na sua testa algo como o "que fiz eu para merecer isto" ou "o que mais me irá acontecer". Guterres entrou sorridente a dizer que não comentava nada e saiu a comentar depois do encontro imediato que menos desejaria. Com Manuel Maria Carrilho, claro. Para já não falar de um outro encontro, este com Manuel Alegre. Ou melhor, com o "fantasma" de Manuel Alegre que esteve sempre presente.

Guterres chegou ao Pavilhão Atlântico às 21h40. Esperava-o um batalhão de jornalistas. O líder do PS nem teve tempo de dizer boa noite. "Carrilho", "Alegre", gritavam-lhe os jornalistas entre outras palavras que não se percebiam. "Alegre", "Carrilho". Guterres nada. "Não comento"; "Só falo aos delegados"; "Não comento", repetia.

Fechado entre uma parede de jornalistas enquanto se dirigia às chamadas conferências do congresso, Guterres nem viu a banca que Helena Roseta tinha montado para pedir assinaturas para a sua moção. Não viu Roseta, mas viu, meia-dúzia de passos logo à frente, uma camarada delegada, já de idade avançada, sentada junto a uma janela. Simpático, o líder parou para a cumprimentar. Fria, a camarada delegada, só tinha uma coisa para lhe dizer: "O PS tem de saber ouvir todas as críticas." "E ouve, e ouve", respondeu Guterres. Guterres só voltou a parar nas salas da conferências.

Primeira paragem: "Democracia e novos poderes." Falava nessa altura o comentador político Carlos Magno e já outra crítica vinha a caminho. O conhecido comentador, que elaborava num dos seus principais exercícios, comentar-se se a si mesmo, logo lhe disse que entre o anterior congresso e o deste fim de semana, o PS "tinha perdido dois anos".

Guterres acabou salvo pelo gongo, ou melhor, por António Vitorino que pouco depois anunciava que, face ao elevado número de interessados no debate, tinham de mudar de sala. "Será a primeira movimentação de massas do congresso", disse Vitorino. Guterres riu pela primeira vez com prazer. "E nós vamos mudar de sala", anunciou o secretário-geral.

Segunda paragem: Economia, Competitividade e Coesão. Murteira Nabo falava nessa altura em "webização", em novas tecologias, em aposta nos jovens. Tudo coisas que o primeiro-ministro gosta. Ainda assim, Guterres só lá esteve 15 minutos. Faltava visitar duas "capelinhas".

A terceira (a cidade, as pessoas e o futuro) e a quarta, (justiça fiscal equidade e eficiência) foram cumpridas rapidamente. Guterres terminaria a noite onde começou, nos novos poderes, com mais de 500 participantes e onde estavam algumas das principais cara do Governo e do partido.

Mas também lá estava o "engulho" Manuel Maria Carrilho. Assim que Guterres entrou, o ex-ministro da Cultura pediu logo para falar. O secretário-geral estava na ponta direita da sala e Carrilho na ponta esquerda, mas Guterres, ora de olhos no chão, ora nos sapatos, ouviu bem o que ele tinha para dizer. Coisa pouca. Entre outras, e manifestando-se surpreendido por o primeiro-ministro ter dito durante a campanha da regionalização que gostaria de ter menos poderes, Carrilho atirou-lhe com um sorriso nos lábios: "A vitimização não suscita a responsabilização, suscita a letargia e a compaixão."

Solicitado por uma televisão, Carrilho deslocou-se da ponta direita para ponta esquerda da sala. Ficou a quatro ou cinco passos de Guterres. O líder, discretamente, deslocou-se na sua cadeira de forma a ficar de costas para Carrilho. A verdade é que não precisava de ouvir Carrilho porque este repetiu o que vem a dizer há meses: críticas, ao primeiro-ministro, ao seu trabalho, ao Governo.

Terminado o debate, Guterres não fugiu à conversa com os jornalistas. "Carrilho", Alegre", gritaram-lhe. O primeiro-ministro pediu calma, desta vez tinha algo a dizer. Falou nos delegados presentes, para não falar dos ausentes e para o ex-ministro da cultura tinha guardada uma frase: "Há que perceber que o poder é serviço. No dia em que o poder for auto-contemplação, vaidade e ostentação falha-se." E Guterres lá partiu com cara de caso.

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