Alargamento tem sido tratado com superficialidade

07-05-2001
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Alargamento Tem Sido Tratado com Superficialidade

Segunda-feira, 7 de Maio de 2001

O alargamento ao Leste é visto como desejável por Artur Santos Silva, que no entanto alerta para "o grau de superficialidade" com que o assunto tem sido tratado em Portugal, atendendo à capacidade competitiva que antevê para esses países. Quanto ao modelo europeu mais desejável para o país, fala de confederalismo. E pensa que o Tratado de Nice não originou uma "Europa alemã" ou um "directório dos grandes países".

ARTUR SANTOS SILVA - Não estou seguro de que Nice tenha estabelecido um ponto de viragem tão claro no processo de construção europeia como se ouve dizer. É certo que se deram sinais e passos importantes no que respeita à chamada "arquitectura institucional" e à estrutura do poder relativo dos Estados, mas nada do que aconteceu pode considerar-se inesperado. Consagrou-se "de jure" um aumento do poder relativo da Alemanha unificada, que já existia "de facto", e daí resultou uma imagem demasiado definitiva sobre a evolução futura da União.

P - Pode ser mais claro?

R - Não quero minimizar a nova realidade, mas parece-me que não saiu de Nice, no plano institucional, uma "Europa alemã" ou um "directório dos grandes países", como se tem ouvido dizer.

P - Mas sendo a Alemanha o país mais populoso e com a maior economia da UE, não é de esperar que deseje assumir novo protagonismo?

R - Admito que se possam encontrar, na argumentação e nas soluções, sinais preocupantes, que tendem a pôr em causa a "comunidade de iguais" que a União Europeia tem sido. Também não saiu de Nice uma linha de rumo inequívoca para o ajustamento profundo que a União Europeia terá de fazer para acomodar os novos alargamentos. A hesitação entre a pulsão dita federalista e o modelo intergovernamental, que marca, há anos, o debate intra-europeu, não ficou a meu ver clarificada. Mas, seja qual for o modelo, há ainda um longo caminho a percorrer para tornar credível a hipótese de uma União com 20 ou 25 países e com um grau de heterogeneidade muito superior ao actual.

P - Não disse ainda qual era o modelo europeu mais favorável aos interesses de Portugal...

R - Em tese, para um país mais pequeno, será preferível um modelo de integração em que o poder relativo dos Estados se possa tornar proporcionalmente superior à sua dimensão. Por isso, e em princípio, Portugal - único país da União com um só vizinho, e um só vizinho muito mais poderoso - terá vantagem em diluir essa relação num contexto multilateral, de tipo confederal, em detrimento de um modelo de maior pendor intergovernamental. Mas gostava de sublinhar que esta dicotomia é obviamente uma simplificação, para poder responder brevemente a uma pergunta tão aberta.

P - Estudos indicam que o alargamento ao Leste vai desencadear um fenómeno migratório envolvendo cerca de 3,5 milhões de pessoas. Como encara este desafio?

R - Parece-me desejável - além de inevitável - o alargamento ao Leste, para podermos ter, a prazo, uma Europa mais forte. Porém, é inquestionável que os países da Europa Central e do Leste, dispondo de um grau de educação muito superior, assim que tiverem meios financeiros, um sistema económico mais racional e um sistema democrático mais maduro, irão ganhar outra capacidade competitiva internacional, com consequências para Portugal.

P - O assunto não o preocupa?

R - É mais um motivo para não nos atrasarmos e para prepararmos com a devida antecedência as novas condições. Surpreende-me, aliás, o grau de superficialidade com que este tema tem sido tratado entre nós. Não há um estudo suficientemente profundo sobre a o alargamento e os seus efeitos, nem uma reflexão séria sobre as respostas estratégicas alternativas, nas diversas dimensões em que esta questão se exprime.

P - Existe, ou não, uma contradição entre não dar nenhuma importância às economias nacionais e dar toda às regiões europeias?

R - Não me parece. A noção de "região", no contexto europeu, corresponde precisamente à definição de unidades geoeconómicas transfronteiriças, que põem em causa os conceitos e os limites inerentes aos sistemas económicos definidos pelos territórios dos Estados-nação.

P - A Coesão Económica e Social é uma das coordenadas fundamentais da UE. Em Portugal tem-se procurado uma maior coesão pela mera transferência de verbas. Como é que se quebra o ciclo da subsídio-dependência?

R - Não subscrevo o balanço implícito na sua pergunta. Todavia, reconheço a discutível prioridade de alguns projectos e a dependência de subsídios em alguns sectores. Mas o problema não é de hoje. Os 15 anos de participação na União Europeia representaram para Portugal um importante salto qualitativo. Foi uma boa opção, com resultados que não teríamos alcançado de outro modo e que nos permitiram sair de um ciclo de empobrecimento perigoso. Ora, a transferência de verbas comunitárias é um direito de Portugal como Estado-membro, exige contrapartidas financeiras nacionais e é mesmo, em termos relativos, inferior em relação a outros países da União, alguns com maiores índices de riqueza.

P - A falta de dinamismo da economia portuguesa resulta da dependência de subsídios comunitários?

R - Essas verbas comunitárias permitiram acelerar uma modernização infra-estrutural indispensável, mas ainda insuficiente para podermos aspirar a níveis de competitividade superiores. Dito isto, é preciso investir com a maior eficiência e racionalidade possíveis, com uma criteriosa organização de prioridades e uma visão estratégica clara, para criar as condições de desenvolvimento sustentado que refere.

P - Portugal vai deixar de receber, em 2006, fundos comunitários ao ritmo actual. Como é que a nossa economia reagirá?

R - É por isso que o problema não são as verbas, mas a qualidade do trabalho de casa... É o que é fundamental. Além do mais porque é preciso preparar a tempo a economia e a sociedade para um cenário de transferências relativas mais reduzidas, à medida que Portugal se aproxime da média da União e que o alargamento comunitário venha tornar mais difícil o acesso aos fundos europeus. Numa imagem feliz, que cito de cor, o deputado Manuel Alegre disse em 1985, na sessão em que a Assembleia da República aprovou o Tratado de Adesão, que Portugal encerrava ali o ciclo imperial e precisava agora de "descobrir as Índias de dentro", numa alusão aos desafios de desenvolvimento que a integração europeia nos colocava. Parece-me uma bela síntese.

Alargamento Tem Sido Tratado com Superficialidade

Segunda-feira, 7 de Maio de 2001

O alargamento ao Leste é visto como desejável por Artur Santos Silva, que no entanto alerta para "o grau de superficialidade" com que o assunto tem sido tratado em Portugal, atendendo à capacidade competitiva que antevê para esses países. Quanto ao modelo europeu mais desejável para o país, fala de confederalismo. E pensa que o Tratado de Nice não originou uma "Europa alemã" ou um "directório dos grandes países".

ARTUR SANTOS SILVA - Não estou seguro de que Nice tenha estabelecido um ponto de viragem tão claro no processo de construção europeia como se ouve dizer. É certo que se deram sinais e passos importantes no que respeita à chamada "arquitectura institucional" e à estrutura do poder relativo dos Estados, mas nada do que aconteceu pode considerar-se inesperado. Consagrou-se "de jure" um aumento do poder relativo da Alemanha unificada, que já existia "de facto", e daí resultou uma imagem demasiado definitiva sobre a evolução futura da União.

P - Pode ser mais claro?

R - Não quero minimizar a nova realidade, mas parece-me que não saiu de Nice, no plano institucional, uma "Europa alemã" ou um "directório dos grandes países", como se tem ouvido dizer.

P - Mas sendo a Alemanha o país mais populoso e com a maior economia da UE, não é de esperar que deseje assumir novo protagonismo?

R - Admito que se possam encontrar, na argumentação e nas soluções, sinais preocupantes, que tendem a pôr em causa a "comunidade de iguais" que a União Europeia tem sido. Também não saiu de Nice uma linha de rumo inequívoca para o ajustamento profundo que a União Europeia terá de fazer para acomodar os novos alargamentos. A hesitação entre a pulsão dita federalista e o modelo intergovernamental, que marca, há anos, o debate intra-europeu, não ficou a meu ver clarificada. Mas, seja qual for o modelo, há ainda um longo caminho a percorrer para tornar credível a hipótese de uma União com 20 ou 25 países e com um grau de heterogeneidade muito superior ao actual.

P - Não disse ainda qual era o modelo europeu mais favorável aos interesses de Portugal...

R - Em tese, para um país mais pequeno, será preferível um modelo de integração em que o poder relativo dos Estados se possa tornar proporcionalmente superior à sua dimensão. Por isso, e em princípio, Portugal - único país da União com um só vizinho, e um só vizinho muito mais poderoso - terá vantagem em diluir essa relação num contexto multilateral, de tipo confederal, em detrimento de um modelo de maior pendor intergovernamental. Mas gostava de sublinhar que esta dicotomia é obviamente uma simplificação, para poder responder brevemente a uma pergunta tão aberta.

P - Estudos indicam que o alargamento ao Leste vai desencadear um fenómeno migratório envolvendo cerca de 3,5 milhões de pessoas. Como encara este desafio?

R - Parece-me desejável - além de inevitável - o alargamento ao Leste, para podermos ter, a prazo, uma Europa mais forte. Porém, é inquestionável que os países da Europa Central e do Leste, dispondo de um grau de educação muito superior, assim que tiverem meios financeiros, um sistema económico mais racional e um sistema democrático mais maduro, irão ganhar outra capacidade competitiva internacional, com consequências para Portugal.

P - O assunto não o preocupa?

R - É mais um motivo para não nos atrasarmos e para prepararmos com a devida antecedência as novas condições. Surpreende-me, aliás, o grau de superficialidade com que este tema tem sido tratado entre nós. Não há um estudo suficientemente profundo sobre a o alargamento e os seus efeitos, nem uma reflexão séria sobre as respostas estratégicas alternativas, nas diversas dimensões em que esta questão se exprime.

P - Existe, ou não, uma contradição entre não dar nenhuma importância às economias nacionais e dar toda às regiões europeias?

R - Não me parece. A noção de "região", no contexto europeu, corresponde precisamente à definição de unidades geoeconómicas transfronteiriças, que põem em causa os conceitos e os limites inerentes aos sistemas económicos definidos pelos territórios dos Estados-nação.

P - A Coesão Económica e Social é uma das coordenadas fundamentais da UE. Em Portugal tem-se procurado uma maior coesão pela mera transferência de verbas. Como é que se quebra o ciclo da subsídio-dependência?

R - Não subscrevo o balanço implícito na sua pergunta. Todavia, reconheço a discutível prioridade de alguns projectos e a dependência de subsídios em alguns sectores. Mas o problema não é de hoje. Os 15 anos de participação na União Europeia representaram para Portugal um importante salto qualitativo. Foi uma boa opção, com resultados que não teríamos alcançado de outro modo e que nos permitiram sair de um ciclo de empobrecimento perigoso. Ora, a transferência de verbas comunitárias é um direito de Portugal como Estado-membro, exige contrapartidas financeiras nacionais e é mesmo, em termos relativos, inferior em relação a outros países da União, alguns com maiores índices de riqueza.

P - A falta de dinamismo da economia portuguesa resulta da dependência de subsídios comunitários?

R - Essas verbas comunitárias permitiram acelerar uma modernização infra-estrutural indispensável, mas ainda insuficiente para podermos aspirar a níveis de competitividade superiores. Dito isto, é preciso investir com a maior eficiência e racionalidade possíveis, com uma criteriosa organização de prioridades e uma visão estratégica clara, para criar as condições de desenvolvimento sustentado que refere.

P - Portugal vai deixar de receber, em 2006, fundos comunitários ao ritmo actual. Como é que a nossa economia reagirá?

R - É por isso que o problema não são as verbas, mas a qualidade do trabalho de casa... É o que é fundamental. Além do mais porque é preciso preparar a tempo a economia e a sociedade para um cenário de transferências relativas mais reduzidas, à medida que Portugal se aproxime da média da União e que o alargamento comunitário venha tornar mais difícil o acesso aos fundos europeus. Numa imagem feliz, que cito de cor, o deputado Manuel Alegre disse em 1985, na sessão em que a Assembleia da República aprovou o Tratado de Adesão, que Portugal encerrava ali o ciclo imperial e precisava agora de "descobrir as Índias de dentro", numa alusão aos desafios de desenvolvimento que a integração europeia nos colocava. Parece-me uma bela síntese.

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