História de uma reunião secreta com Cunhal

03-09-2001
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História de Uma Reunião Secreta com Cunhal

Segunda-feira, 3 de Setembro de 2001 P. - Em 69, é convidado pelo PC a participar numa reunião clandestina na Borgonha...

R. - Como é que sabe isso?

R. - Ah, é verdade. Foi uma reunião ao mais alto nível do PC, com o Cunhal.

R. - Não, ele estava no exílio. Foi o Sottomayor Cardia - hoje isto pode-se dizer tudo -, que era nessa altura membro do PC. Eu conhecia-o bem, ele tinha trabalhado no "Tempo e o Modo". Pediu-me para desligar os telefones , aquelas precauções todas que se tomavam, e depois disse-me: "Sou militante do PC e venho encarregado de uma missão: perguntar se estarás interessado em participar numa reunião política a alto nível, representando o teu movimento." Nessa altura, tínhamos um movimento chamado Resistência Cristã. Era uma reunião com a Acção Socialista de Portugal (ASP), não se chamava ainda Partido Socialista, e o que restava do Movimento de Acção Revolucionária (MAR), outro movimento da geração de 62. Eu disse que ia fazer uns contactos, houve uma grande hesitação, discutiu-se durante muito tempo, não só porque era muito arriscado, mas o futuro PS estava a pôr as maiores reservas, pensando que estava a ser tudo manipulado pelo PC. Mas depois acabou por se decidir que ia eu e o Jorge Sampaio. Entretanto, descobrimos quando chegámos lá que éramos os únicos não-comunistas [risos]. Havia os que se assumiam Cunhal, toda a gente sabia, estavam com ele no exílio, fazendo parte do Comité Central do partido. Mas depois havia uma série de portugueses que foram daqui, de que se suspeitava que estivessem próximos, até que nessa altura isso se tornou evidente. Depois apareceram pessoas diferentes, que não eram do PC: Piteira Santos, Manuel Alegre, Lopes Cardoso. Foram dias de discussão em "huis-clos", aquilo só me lembrava os retiros dos católicos, uma casa simpática, de burguesia do século XIX, não se podia sair dali, estávamos todo o dia reunidos.

É a altura da invasão da Checoslováquia e alguém pergunta se o PC já tinha tomado posição. E é quando Cunhal anuncia que já tinha tomado partido, e era favorável. Foi um choque para muitas daquelas pessoas, sobretudo para mim e para o Jorge Sampaio... Houve só dois partidos comunistas ocidentais que aprovaram, um deles o português. Foi uma daquelas discussões terríveis, numa situação pior possível, porque não havia sequer possibilidade de ruptura, não tínhamos para onde ir. E foi a vez em que ouvi Cunhal dizer aquilo que o celebrizou depois do 25 de Abril: "Acabou-se esta discussão, estamos aqui para discutir Portugal e não a Checoslováquia." Depois era a história do que se fazia quando Salazar morresse e eu só pensava: "Qual morrer, ele vai viver mais 20 anos, isto não serve para nada." E a saber o risco que era uma reunião daquelas, tive uma sorte enorme, se se soubesse cá que eu tinha estado numa reunião com o Cunhal no exílio era uns aninhos de cadeia e de tortura.

Saio de lá, vou para Paris, onde estou uns dias. Fui ao cinema, ver o filme de Alain Resnais, "La Guerre est Finie". Chorei que nem uma Madalena a ver aquele filme, identifiquei-me completamente. Quando saio do cinema, ainda lavado em lágrimas, estava à espera do Nuno Bragança que tinha chegado nesse momento a Paris e eu entro num café de Saint Michel, comprei o "Le Monde" e sentei-me à mesa para uma bica, quando vejo na última página o título: "Salazar opéré d''urgence à un hematome cerebral." E o resto era uma transcrição do texto da agência. Pensei: "Não pode ser, é uma partida da PIDE" e fiz uma coisa absurda que foi comprar um segundo jornal, para ter a certeza.

História de Uma Reunião Secreta com Cunhal

Segunda-feira, 3 de Setembro de 2001 P. - Em 69, é convidado pelo PC a participar numa reunião clandestina na Borgonha...

R. - Como é que sabe isso?

R. - Ah, é verdade. Foi uma reunião ao mais alto nível do PC, com o Cunhal.

R. - Não, ele estava no exílio. Foi o Sottomayor Cardia - hoje isto pode-se dizer tudo -, que era nessa altura membro do PC. Eu conhecia-o bem, ele tinha trabalhado no "Tempo e o Modo". Pediu-me para desligar os telefones , aquelas precauções todas que se tomavam, e depois disse-me: "Sou militante do PC e venho encarregado de uma missão: perguntar se estarás interessado em participar numa reunião política a alto nível, representando o teu movimento." Nessa altura, tínhamos um movimento chamado Resistência Cristã. Era uma reunião com a Acção Socialista de Portugal (ASP), não se chamava ainda Partido Socialista, e o que restava do Movimento de Acção Revolucionária (MAR), outro movimento da geração de 62. Eu disse que ia fazer uns contactos, houve uma grande hesitação, discutiu-se durante muito tempo, não só porque era muito arriscado, mas o futuro PS estava a pôr as maiores reservas, pensando que estava a ser tudo manipulado pelo PC. Mas depois acabou por se decidir que ia eu e o Jorge Sampaio. Entretanto, descobrimos quando chegámos lá que éramos os únicos não-comunistas [risos]. Havia os que se assumiam Cunhal, toda a gente sabia, estavam com ele no exílio, fazendo parte do Comité Central do partido. Mas depois havia uma série de portugueses que foram daqui, de que se suspeitava que estivessem próximos, até que nessa altura isso se tornou evidente. Depois apareceram pessoas diferentes, que não eram do PC: Piteira Santos, Manuel Alegre, Lopes Cardoso. Foram dias de discussão em "huis-clos", aquilo só me lembrava os retiros dos católicos, uma casa simpática, de burguesia do século XIX, não se podia sair dali, estávamos todo o dia reunidos.

É a altura da invasão da Checoslováquia e alguém pergunta se o PC já tinha tomado posição. E é quando Cunhal anuncia que já tinha tomado partido, e era favorável. Foi um choque para muitas daquelas pessoas, sobretudo para mim e para o Jorge Sampaio... Houve só dois partidos comunistas ocidentais que aprovaram, um deles o português. Foi uma daquelas discussões terríveis, numa situação pior possível, porque não havia sequer possibilidade de ruptura, não tínhamos para onde ir. E foi a vez em que ouvi Cunhal dizer aquilo que o celebrizou depois do 25 de Abril: "Acabou-se esta discussão, estamos aqui para discutir Portugal e não a Checoslováquia." Depois era a história do que se fazia quando Salazar morresse e eu só pensava: "Qual morrer, ele vai viver mais 20 anos, isto não serve para nada." E a saber o risco que era uma reunião daquelas, tive uma sorte enorme, se se soubesse cá que eu tinha estado numa reunião com o Cunhal no exílio era uns aninhos de cadeia e de tortura.

Saio de lá, vou para Paris, onde estou uns dias. Fui ao cinema, ver o filme de Alain Resnais, "La Guerre est Finie". Chorei que nem uma Madalena a ver aquele filme, identifiquei-me completamente. Quando saio do cinema, ainda lavado em lágrimas, estava à espera do Nuno Bragança que tinha chegado nesse momento a Paris e eu entro num café de Saint Michel, comprei o "Le Monde" e sentei-me à mesa para uma bica, quando vejo na última página o título: "Salazar opéré d''urgence à un hematome cerebral." E o resto era uma transcrição do texto da agência. Pensei: "Não pode ser, é uma partida da PIDE" e fiz uma coisa absurda que foi comprar um segundo jornal, para ter a certeza.

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