As quatro revisões da Constituição

18-04-2001
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As Quatro Revisões da Constituição

Por EUNICE LOURENÇO

Segunda-feira, 2 de Abril de 2001 1982: A democracia livre da tutela militar O fim do Conselho da Revolução foi a grande alteração da primeira revisão constitucional. Representou, no fundo, o fim da tutela militar saída da revolução e o passo final necessário para que Portugal tivesse as bases de uma democracia plena. A Constituição de 1976 só tinha sido possível graças aos pactos MFA-partidos, em resultado dos quais tinha ficado consagrado o Conselho da Revolução como órgão de soberania. Composto exclusivamente por militares - mesmo o primeiro-ministro só o podia integrar no caso de ser militar - e presidido pelo Presidente da República, só o Conselho da Revolução podia fazer leis sobre as Forças Armadas e era o garante do cumprimento da Constituição. Em 1982, Mário Soares, secretário-geral do PS, e Pinto Balsemão, primeiro-ministro da AD, conseguem expurgar da Constituição o poder dos militares. Isto apesar de uma parte do PS ainda querer manter algum poder nas mãos dos militares. Além desses poderes, também a própria definição das Forças Armadas acabou por ser alterada. Na Constituição de 76 são definidas como "parte do povo e identificadas com o espírito do programa do movimento das forças armadas" e entre os seus objectivos está a "missão histórica de garantir as condições que permitam a transição pacífica e pluralista (...) para a democracia e o socialismo". A partir de 1982, passam a estar ao serviço do povo, a ser "rigorosamente apartidárias" e a ter de obedecer aos órgão de soberania. A vontade de alterar o sistema político acabou pois por vingar, apesar das divisões internas dos partidos, mas a situação do país e do PS ainda não permitiam que se mexesse na parte económica como a AD queria. Como reflexo dos tempos, o CDS votou a favor e o PCP contra. 1989: O fim do 11 de Março Disponde de uma maioria absoluta, Cavaco Silva pretendia fazer por lei ordinária o que a Constituição limitava: privatizar e modernizar o sistema económico. Esbarrava por isso nos vetos do Tribunal Constitucional. Mas, em Outubro de 1988, Cavaco assina com Vítor Constâncio um acordo de revisão constitucional, naquele que foi o seu último acto político como secretário-geral do PS. Os socialistas aceitavam a reversibilidade das nacionalizações, a abertura da televisão à iniciativa privada e alterações que tirassem os conceitos revolucionários da Constituição. Para isso também era preciso alterar os limites materiais da revisão constitucional, que estabeleciam, por exemplo, a irreversibilidade das nacionalizações. Os limites de revisão, no que diz respeito à parte económica, passaram a ser "a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção" e a "existência dos planos económicos no âmbito de uma economia mista". Esta revisão foi o fruto e o reflexo de uma evolução do regime que permitiu retirar a carga ideológica da Constituição. A sociedade portuguesa deixou de estar "a caminho do socialismo" para passar a aspirar "à realização da democracia económica, social e cultural". É o fim do marxismo na lei fundamental, com o desaparecimento de expressões como a luta de classes, a reforma agrária ou a apropriação colectiva dos meios de produção. Já nesta revisão houve uma tentativa de mexer em matérias eleitorais: o PSD queria reduzir o número de deputados, impôr executivos maioritários nas câmaras municipais e o voto dos emigrantes nas presidenciais. Não o conseguiu em 1989, mas, já como oposição, conseguiu-o em 1997. 1989: Apenas Maastricht A revisão de 1992 foi a revisão antecipada que criou as revisões extraordinárias. Explicando: a Constituição dizia que podia ser revista de cinco em cinco anos ou em qualquer momento se a abertura fosse aprovada por uma maioria de quatro quintos dos deputados. Foi o que aconteceu em 1992, quando PS e PSD se juntaram para permitir a ratificação por Portugal do Tratado de Maastricht. Esta revisão serviu quase exclusivamente para isso. Antes, só podia haver revisão ordinária passados cinco anos depois da publicação de qualquer lei de revisão, o que faria com que, por exemplo, no próximo ano não pudesse haver revisão ordinária. Com as alterações de 1992, os cinco anos passaram a contar apenas tendo em conta a publicação de revisões ordinárias e foi introduzida a expressão "revisão extraordinária" para a "qualquer momento" a AR assumir poderes de revisão. Negociada entre Guterres e Cavaco, a revisão centrou-se em seis artigos, cinco dos quais relacionados com a integração europeia. Portugal passou a poder convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia, os cidadãos europeus passaram a poder votar e a ser eleitos em Portugal para as autarquias locais e para o Parlamento Europeu. O Banco de Portugal passou a colaborar na definição e execução de políticas monetária e financeira e a AR ganhou competência para acompanhar e apreciar a participação de Portugal na construção europeia. 1997: A revisão eleitoral Falhada a tentativa de fazer uma revisão ordinária em 1994, assim que foi eleito um novo Governo a revisão voltou a entrar na agenda. O PP foi o primeiro a avançar, logo em 1995, e uma das propostas era obrigar o Parlamento a funcionar 11 meses por ano. Apesar de ser o primeiro a avançar, o PP acabou por ficar de fora desta revisão, negociada mais uma vez entre PS e PSD. O PCP voltou votou contra, como sempre. O PS, agora no poder, acabou por dar ao PSD, liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, aquilo que não tinha dado em anteriores revisões: a permissão para a redução do número de deputados, o voto dos emigrantes para o PR, a abertura para os executivos maioritários das câmaras e a introdução de círculos uninominais. Contudo, até agora os dois partidos ainda não conseguiram entender-se para regulamentar, por lei, estes princípios. Esta revisão semeou divisões na bancada do PS. Jorge Lacão, que tinha assinado o acordo com Marques Mendes, então líder parlamentar do PSD, acabou por demitir-se, indo substituir Vital Moreira na comissão de revisão constitucional. Vital voltou para a universidade, demitindo-se por não concordar com a maneira como as coisas estavam a ser feitas. A revisão também teve o voto contra do histórico Manuel Alegre e a abstenção de mais oito socialistas. Desta revisão ficou a imagem de um PSD vencedor, até porque conseguiu ganhar os dois referendos que fizeram parte do acordo: o do aborto e o da regionalização. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O domingo em que Belgrado acordou com Milosevic preso

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Por EUNICE LOURENÇO

Segunda-feira, 2 de Abril de 2001 1982: A democracia livre da tutela militar O fim do Conselho da Revolução foi a grande alteração da primeira revisão constitucional. Representou, no fundo, o fim da tutela militar saída da revolução e o passo final necessário para que Portugal tivesse as bases de uma democracia plena. A Constituição de 1976 só tinha sido possível graças aos pactos MFA-partidos, em resultado dos quais tinha ficado consagrado o Conselho da Revolução como órgão de soberania. Composto exclusivamente por militares - mesmo o primeiro-ministro só o podia integrar no caso de ser militar - e presidido pelo Presidente da República, só o Conselho da Revolução podia fazer leis sobre as Forças Armadas e era o garante do cumprimento da Constituição. Em 1982, Mário Soares, secretário-geral do PS, e Pinto Balsemão, primeiro-ministro da AD, conseguem expurgar da Constituição o poder dos militares. Isto apesar de uma parte do PS ainda querer manter algum poder nas mãos dos militares. Além desses poderes, também a própria definição das Forças Armadas acabou por ser alterada. Na Constituição de 76 são definidas como "parte do povo e identificadas com o espírito do programa do movimento das forças armadas" e entre os seus objectivos está a "missão histórica de garantir as condições que permitam a transição pacífica e pluralista (...) para a democracia e o socialismo". A partir de 1982, passam a estar ao serviço do povo, a ser "rigorosamente apartidárias" e a ter de obedecer aos órgão de soberania. A vontade de alterar o sistema político acabou pois por vingar, apesar das divisões internas dos partidos, mas a situação do país e do PS ainda não permitiam que se mexesse na parte económica como a AD queria. Como reflexo dos tempos, o CDS votou a favor e o PCP contra. 1989: O fim do 11 de Março Disponde de uma maioria absoluta, Cavaco Silva pretendia fazer por lei ordinária o que a Constituição limitava: privatizar e modernizar o sistema económico. Esbarrava por isso nos vetos do Tribunal Constitucional. Mas, em Outubro de 1988, Cavaco assina com Vítor Constâncio um acordo de revisão constitucional, naquele que foi o seu último acto político como secretário-geral do PS. Os socialistas aceitavam a reversibilidade das nacionalizações, a abertura da televisão à iniciativa privada e alterações que tirassem os conceitos revolucionários da Constituição. Para isso também era preciso alterar os limites materiais da revisão constitucional, que estabeleciam, por exemplo, a irreversibilidade das nacionalizações. Os limites de revisão, no que diz respeito à parte económica, passaram a ser "a coexistência do sector público, do sector privado e do sector cooperativo e social de propriedade dos meios de produção" e a "existência dos planos económicos no âmbito de uma economia mista". Esta revisão foi o fruto e o reflexo de uma evolução do regime que permitiu retirar a carga ideológica da Constituição. A sociedade portuguesa deixou de estar "a caminho do socialismo" para passar a aspirar "à realização da democracia económica, social e cultural". É o fim do marxismo na lei fundamental, com o desaparecimento de expressões como a luta de classes, a reforma agrária ou a apropriação colectiva dos meios de produção. Já nesta revisão houve uma tentativa de mexer em matérias eleitorais: o PSD queria reduzir o número de deputados, impôr executivos maioritários nas câmaras municipais e o voto dos emigrantes nas presidenciais. Não o conseguiu em 1989, mas, já como oposição, conseguiu-o em 1997. 1989: Apenas Maastricht A revisão de 1992 foi a revisão antecipada que criou as revisões extraordinárias. Explicando: a Constituição dizia que podia ser revista de cinco em cinco anos ou em qualquer momento se a abertura fosse aprovada por uma maioria de quatro quintos dos deputados. Foi o que aconteceu em 1992, quando PS e PSD se juntaram para permitir a ratificação por Portugal do Tratado de Maastricht. Esta revisão serviu quase exclusivamente para isso. Antes, só podia haver revisão ordinária passados cinco anos depois da publicação de qualquer lei de revisão, o que faria com que, por exemplo, no próximo ano não pudesse haver revisão ordinária. Com as alterações de 1992, os cinco anos passaram a contar apenas tendo em conta a publicação de revisões ordinárias e foi introduzida a expressão "revisão extraordinária" para a "qualquer momento" a AR assumir poderes de revisão. Negociada entre Guterres e Cavaco, a revisão centrou-se em seis artigos, cinco dos quais relacionados com a integração europeia. Portugal passou a poder convencionar o exercício em comum dos poderes necessários à construção da União Europeia, os cidadãos europeus passaram a poder votar e a ser eleitos em Portugal para as autarquias locais e para o Parlamento Europeu. O Banco de Portugal passou a colaborar na definição e execução de políticas monetária e financeira e a AR ganhou competência para acompanhar e apreciar a participação de Portugal na construção europeia. 1997: A revisão eleitoral Falhada a tentativa de fazer uma revisão ordinária em 1994, assim que foi eleito um novo Governo a revisão voltou a entrar na agenda. O PP foi o primeiro a avançar, logo em 1995, e uma das propostas era obrigar o Parlamento a funcionar 11 meses por ano. Apesar de ser o primeiro a avançar, o PP acabou por ficar de fora desta revisão, negociada mais uma vez entre PS e PSD. O PCP voltou votou contra, como sempre. O PS, agora no poder, acabou por dar ao PSD, liderado por Marcelo Rebelo de Sousa, aquilo que não tinha dado em anteriores revisões: a permissão para a redução do número de deputados, o voto dos emigrantes para o PR, a abertura para os executivos maioritários das câmaras e a introdução de círculos uninominais. Contudo, até agora os dois partidos ainda não conseguiram entender-se para regulamentar, por lei, estes princípios. Esta revisão semeou divisões na bancada do PS. Jorge Lacão, que tinha assinado o acordo com Marques Mendes, então líder parlamentar do PSD, acabou por demitir-se, indo substituir Vital Moreira na comissão de revisão constitucional. Vital voltou para a universidade, demitindo-se por não concordar com a maneira como as coisas estavam a ser feitas. A revisão também teve o voto contra do histórico Manuel Alegre e a abstenção de mais oito socialistas. Desta revisão ficou a imagem de um PSD vencedor, até porque conseguiu ganhar os dois referendos que fizeram parte do acordo: o do aborto e o da regionalização. OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE O domingo em que Belgrado acordou com Milosevic preso

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