EXPRESSO: Opinião

01-02-2002
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Bloqueios de esquerda

Alexandre Melo

«A convergência objectiva com a direita terá a primeira aplicação na cidade de Lisboa, com Miguel Portas a tentar enfraquecer a coligação - unitária e plural - de esquerda em Lisboa e a dar assim uma mãozinha a Santana Lopes. Se a operação correr bem, talvez o Bloco possa depois dar um contributo para o triunfo nas legislativas de um verdadeiro líder populista de direita, à maneira de Berlusconi.»

AS MANIFESTAÇÕES de Gotemburgo demonstraram qual a natureza da luta antiglobalização. Não se trata de comoções líricas juvenis mas de uma variante do banditismo internacional, próxima do terrorismo neofascista, nos métodos e conteúdos. O boicote à discussão do alargamento da União Europeia remete para um nacionalismo acéfalo e anacrónico.

Seria útil compreender por que razão entidades que se dizem de esquerda legitimam estas práticas.

Conforme explicaram António Guterres e Manuel Alegre no debate da moção de censura do Bloco de Esquerda, há uma linha de clivagem entre a herança do socialismo democrático e da social-democracia e a herança, falida e sangrenta, do comunismo. Para estes, os fins justificam os meios e quanto pior, melhor - desde que contra o capitalismo. Mesmo que, como é agora o caso, não haja alternativa.

A inanidade teórica destas posições fica clara em teses como, por exemplo, as de Boaventura Sousa Santos. No prefácio a Crítica da Razão Indolente lê-se: «Com o colapso da emancipação na regulação, o paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra em crise final» (pág. 15).

Estamos perante o total absurdo: como qualquer um pode constatar, a modernidade - que o autor, para este efeito, identifica com o capitalismo - não entrou em «crise final» mas, ao contrário, encontrou um novo elã histórico com a falência do comunismo.

O delírio, porém, prossegue: «O pensamento crítico, para ser eficaz, tem de (...) partir de uma crítica radical do paradigma dominante (...) para, com base nela e com recurso à imaginação utópica, desenhar os primeiros traços de horizontes emancipatórios novos» (pág. 16). Ou seja: o pensamento deve partir de um preconceito contra a realidade e, já agora, os modelos alternativos, uma vez que, na realidade, não existem, têm de ser inventados.

Em termos de análise sociológica estamos entre o absurdo e o patético. A menos que Boaventura se considere artista. O próprio refere que «não há vanguardas senão na cabeça dos vanguardistas».

De facto, as suas inflamadas ladainhas em defesa do Sul, como metáfora mítica, ou do seu torrão natal, poderão dar excelentes letras para sambas ou fados (de Coimbra) mas não têm qualquer rigor em termos de análise ou fundamentação da acção social.

Tais incongruências não mereceriam referência se não tivessem consequências políticas graves. Por exemplo, em Itália, é evidente que a vitória de Berlusconi se deveu à dispersão de votos e de energias gerada por pequenos grupos de comunistas recauchutados.

Em Portugal, a táctica de radicalização do Bloco parece ir no mesmo sentido, sacrificando tudo ao protagonismo dos seus líderes, e apostando na hipótese de entregar o poder à direita. Por isso se sugeriu no debate que para fazer a política da direita antes a direita. Ou seja: quanto pior, melhor.

A convergência objectiva com a direita terá a primeira aplicação na cidade de Lisboa, com Miguel Portas a tentar enfraquecer a coligação - unitária e plural - de esquerda em Lisboa e a dar assim uma mãozinha a Santana Lopes. Se a operação correr bem, talvez o Bloco possa depois dar um contributo para o triunfo nas legislativas de um verdadeiro líder populista de direita, à maneira de Berlusconi.

E-mail: alexmelo@mail.telepac.pt

Bloqueios de esquerda

Alexandre Melo

«A convergência objectiva com a direita terá a primeira aplicação na cidade de Lisboa, com Miguel Portas a tentar enfraquecer a coligação - unitária e plural - de esquerda em Lisboa e a dar assim uma mãozinha a Santana Lopes. Se a operação correr bem, talvez o Bloco possa depois dar um contributo para o triunfo nas legislativas de um verdadeiro líder populista de direita, à maneira de Berlusconi.»

AS MANIFESTAÇÕES de Gotemburgo demonstraram qual a natureza da luta antiglobalização. Não se trata de comoções líricas juvenis mas de uma variante do banditismo internacional, próxima do terrorismo neofascista, nos métodos e conteúdos. O boicote à discussão do alargamento da União Europeia remete para um nacionalismo acéfalo e anacrónico.

Seria útil compreender por que razão entidades que se dizem de esquerda legitimam estas práticas.

Conforme explicaram António Guterres e Manuel Alegre no debate da moção de censura do Bloco de Esquerda, há uma linha de clivagem entre a herança do socialismo democrático e da social-democracia e a herança, falida e sangrenta, do comunismo. Para estes, os fins justificam os meios e quanto pior, melhor - desde que contra o capitalismo. Mesmo que, como é agora o caso, não haja alternativa.

A inanidade teórica destas posições fica clara em teses como, por exemplo, as de Boaventura Sousa Santos. No prefácio a Crítica da Razão Indolente lê-se: «Com o colapso da emancipação na regulação, o paradigma da modernidade deixa de poder renovar-se e entra em crise final» (pág. 15).

Estamos perante o total absurdo: como qualquer um pode constatar, a modernidade - que o autor, para este efeito, identifica com o capitalismo - não entrou em «crise final» mas, ao contrário, encontrou um novo elã histórico com a falência do comunismo.

O delírio, porém, prossegue: «O pensamento crítico, para ser eficaz, tem de (...) partir de uma crítica radical do paradigma dominante (...) para, com base nela e com recurso à imaginação utópica, desenhar os primeiros traços de horizontes emancipatórios novos» (pág. 16). Ou seja: o pensamento deve partir de um preconceito contra a realidade e, já agora, os modelos alternativos, uma vez que, na realidade, não existem, têm de ser inventados.

Em termos de análise sociológica estamos entre o absurdo e o patético. A menos que Boaventura se considere artista. O próprio refere que «não há vanguardas senão na cabeça dos vanguardistas».

De facto, as suas inflamadas ladainhas em defesa do Sul, como metáfora mítica, ou do seu torrão natal, poderão dar excelentes letras para sambas ou fados (de Coimbra) mas não têm qualquer rigor em termos de análise ou fundamentação da acção social.

Tais incongruências não mereceriam referência se não tivessem consequências políticas graves. Por exemplo, em Itália, é evidente que a vitória de Berlusconi se deveu à dispersão de votos e de energias gerada por pequenos grupos de comunistas recauchutados.

Em Portugal, a táctica de radicalização do Bloco parece ir no mesmo sentido, sacrificando tudo ao protagonismo dos seus líderes, e apostando na hipótese de entregar o poder à direita. Por isso se sugeriu no debate que para fazer a política da direita antes a direita. Ou seja: quanto pior, melhor.

A convergência objectiva com a direita terá a primeira aplicação na cidade de Lisboa, com Miguel Portas a tentar enfraquecer a coligação - unitária e plural - de esquerda em Lisboa e a dar assim uma mãozinha a Santana Lopes. Se a operação correr bem, talvez o Bloco possa depois dar um contributo para o triunfo nas legislativas de um verdadeiro líder populista de direita, à maneira de Berlusconi.

E-mail: alexmelo@mail.telepac.pt

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