Mais valia terem vergonha

20-08-2001
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Mais Valia Terem Vergonha

Por FRANCISCO LOUÇÃ

Segunda, 16 de Julho de 2001

O princípio da tributação das mais-valias obtidas nas vendas das carteiras das sociedades gestoras de participações é uma das traves mestras da reforma fiscal. Não podia deixar de ser assim. As mais-valias são incrementos patrimoniais das empresas, e não há nenhuma razão para não serem tributadas como acontece em quase todos os países europeus. Mas Portugal tinha um regime de benefícios fiscais chocantes, e as grandes empresas habituaram-se aos privilégios; por isso, moveram céus e terra para voltarem ao regime anterior. Nada de surpreendente. O que surpreende, quando muito, é que Paulo Portas e Durão Barroso tenham o descaramento de pedir taxas zero para operações de milhões de contos de lucros, quando os reformados pagam 20% de IRS.

Esta reforma foi a coqueluche do congresso do PS. António Guterres anunciou mesmo que "ia às fuças à direita", em defesa da reforma. Não foi. E, pelo contrário, não tinham ainda passado muitas semanas sobre a ameaça, ofereceu resignadamente a outra face e aceitou alterar os princípios desta reforma fiscal. Ao fazê-lo, deu um claro sinal ao país: este governo nunca acaba o que começa, o que diz um dia desdiz no outro, quem tem poder e dinheiro consegue sempre o que quer. E, pior, a reforma fiscal não é para ser levada a sério. A Bolsa, como Roma, pagou ao governo na justa medida, com trinta dinheiros: continuou tranquilamente a cair, pois nada desta sua dinâmica depende do rigor da tributação.

Se a história ficasse por aqui, teríamos a prova provada da falta de coragem política. Esperaríamos que Manuel Alegre, Pina Moura, Ricardo Sá Fernandes e outros viessem a terreiro defender o que disseram e propuseram, e tudo não passaria de mais um triste episódio das quezílias de um governo que parece continuar a viver por delegação de Durão Barroso. Mas o que é mais espantoso, o que é aterrador, é que o governo anunciou que vai fazer o que ainda não decidiu: embora permita a todos concluir que a tributação das mais-valias é abandonada, porque não há nesta matéria tiros de pólvora seca, tudo é mascarado numa trapalhada de declarações envergonhadas que nunca dizem o que se pretende, o que se propõe, o que se fará. A incompetência chega a ser tão gritante que o ministro Jaime Gama, e logo o primeiro ministro o repete, anuncia que a mudança é justificada por uma alteração legislativa espanhola que não existiu. Os ministros falam sem saber, transformam conversas de corredor em ameaças à competitividade, procuram enganar os jornalistas como se a verdade não se soubesse no dia seguinte. O governo deixou de se respeitar a si próprio.

É por isso que chega a ser confrangedor ler o novo ministro António Seguro queixar-se da esquerda que não apoia o governo. O que os portugueses podiam e deviam criticar era se a esquerda contribuísse para uma reforma fiscal e depois a deixasse assassinar. Porque a governabilidade depende da coerência da reforma fiscal. Em contrapartida, o pântano é esta trapalhada de ministros que querem discutir medidas que não sabem quais são, por causa do que não sabem que os espanhóis não fizeram.

Mais Valia Terem Vergonha

Por FRANCISCO LOUÇÃ

Segunda, 16 de Julho de 2001

O princípio da tributação das mais-valias obtidas nas vendas das carteiras das sociedades gestoras de participações é uma das traves mestras da reforma fiscal. Não podia deixar de ser assim. As mais-valias são incrementos patrimoniais das empresas, e não há nenhuma razão para não serem tributadas como acontece em quase todos os países europeus. Mas Portugal tinha um regime de benefícios fiscais chocantes, e as grandes empresas habituaram-se aos privilégios; por isso, moveram céus e terra para voltarem ao regime anterior. Nada de surpreendente. O que surpreende, quando muito, é que Paulo Portas e Durão Barroso tenham o descaramento de pedir taxas zero para operações de milhões de contos de lucros, quando os reformados pagam 20% de IRS.

Esta reforma foi a coqueluche do congresso do PS. António Guterres anunciou mesmo que "ia às fuças à direita", em defesa da reforma. Não foi. E, pelo contrário, não tinham ainda passado muitas semanas sobre a ameaça, ofereceu resignadamente a outra face e aceitou alterar os princípios desta reforma fiscal. Ao fazê-lo, deu um claro sinal ao país: este governo nunca acaba o que começa, o que diz um dia desdiz no outro, quem tem poder e dinheiro consegue sempre o que quer. E, pior, a reforma fiscal não é para ser levada a sério. A Bolsa, como Roma, pagou ao governo na justa medida, com trinta dinheiros: continuou tranquilamente a cair, pois nada desta sua dinâmica depende do rigor da tributação.

Se a história ficasse por aqui, teríamos a prova provada da falta de coragem política. Esperaríamos que Manuel Alegre, Pina Moura, Ricardo Sá Fernandes e outros viessem a terreiro defender o que disseram e propuseram, e tudo não passaria de mais um triste episódio das quezílias de um governo que parece continuar a viver por delegação de Durão Barroso. Mas o que é mais espantoso, o que é aterrador, é que o governo anunciou que vai fazer o que ainda não decidiu: embora permita a todos concluir que a tributação das mais-valias é abandonada, porque não há nesta matéria tiros de pólvora seca, tudo é mascarado numa trapalhada de declarações envergonhadas que nunca dizem o que se pretende, o que se propõe, o que se fará. A incompetência chega a ser tão gritante que o ministro Jaime Gama, e logo o primeiro ministro o repete, anuncia que a mudança é justificada por uma alteração legislativa espanhola que não existiu. Os ministros falam sem saber, transformam conversas de corredor em ameaças à competitividade, procuram enganar os jornalistas como se a verdade não se soubesse no dia seguinte. O governo deixou de se respeitar a si próprio.

É por isso que chega a ser confrangedor ler o novo ministro António Seguro queixar-se da esquerda que não apoia o governo. O que os portugueses podiam e deviam criticar era se a esquerda contribuísse para uma reforma fiscal e depois a deixasse assassinar. Porque a governabilidade depende da coerência da reforma fiscal. Em contrapartida, o pântano é esta trapalhada de ministros que querem discutir medidas que não sabem quais são, por causa do que não sabem que os espanhóis não fizeram.

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