Prémio Pessoa entre a pena e a máquina

23-10-2000
marcar artigo

O cumprimento dos dois vencedores do Prémio Pessoa, Manuel Alegre e José Manuel Rodrigues, na presença de Jorge Sampaio e de Francisco Pinto Balsemão

«POESIA e a fotografia têm muita coisa a dizer entre elas». A frase, do fotógrafo José Manuel Rodrigues, proferida na terça-feira na cerimónia de entrega do Prémio Pessoa 99, no Palácio de Queluz, sumaria a atribuição inédita do mais importante prémio português de cultura e ciência a duas personalidades de artes distintas: Manuel Alegre - poesia - e José Manuel Rodrigues - fotografia. Ao apresentar os premiados na abertura da cerimónia de entrega - presidida pelo Presidente da República, Jorge Sampaio -, Francisco Pinto Balsemão, presidente do júri, sublinhou a «importância indiscutível» da Obra Poética de Manuel Alegre, publicada em 1999, e do livro Senhora das Tempestades, lançado em 1998, «na produção literária em Portugal». Referindo-se ao outro premiado, José Manuel Rodrigues, realçou também a importância de a fotografia ter sido contemplada pela primeira vez no âmbito do Prémio Pessoa - uma iniciativa conjunta do EXPRESSO e da Unysis - pois «está a contemplar-se uma arte que cada vez se impõe mais por si própria e onde Portugal tem grandes representantes». Incentivo em vez da consagração

Entre os convidados, que marcaram presença no Palácio de Queluz, encontravam-se vários membros do Governo, nomeadamente o primeiro-ministro, António Guterres, o ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, o ministro da Reforma Administrativa, Alberto Martins, a secretária de Estado da Habitação, Leonor Coutinho, o secretário de Estado da Administração Pública, Alexandre Rosa, e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Fausto Correia. O presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, e os reitores das Universidades de Coimbra e de Évora também testemunharam a homenagem ao escritor e ao fotógrafo. Francisco Pinto Balsemão, presidente do Conselho de Administração da Sojornal, empresa proprietária do EXPRESSO, explicou que a atribuição do galardão a Manuel Alegre pretende ser «um incentivo e não uma consagração». E, pouco depois de ter recebido o prémio das mãos de Sampaio, Manuel Alegre recordava «Aprendi os primeiros versos antes das primeiras letras. Não sabia ler, mas subia para uma cadeira e recitava, emproado. 'Lá vão elas/ as caravelas'. Não sei quem escreveu esses versos. Sei que nunca mais deixei de andar embarcado nelas, as caravelas». Com a fotografia fui aprendendo a olhar As primeiras palavras do discurso de José Manuel Rodrigues foram para toda a fotografia nacional: «Eu queria aqui representar os fotógrafos portugueses que, fotografando com a sua alma, vão criado imagens que escrevem a história, que esta não pode escrever (...) tem sido através da luz e de saber arrumá-la que tento pôr ordem à minha volta. Mostrando as pessoas e as coisas como querem ser vistas e com a sua própria luz (...) fotografando vou vivendo». Procurando demonstrar uma aproximação implícita entre a fotografia e a poesia, José Manuel Rodrigues realçou também que «comunicar tem os seus segredos, seja qual for o meio, mas é sempre fascinante». Aos discursos seguiu-se um concerto, em que a música do compositor Amílcar Vasques-Dias acompanhou quatro prelúdios sobre «Alentejo e Ninguém», de Manuel Alegre. Tradição lírica recuperada O escritor Manuel Alegre, que recentemente publicou Obra Poética, «retoma a tradição lírica que tem em Camões o modelo». O fotógrafo José Manuel Rodrigues «retratou de modo poético a paisagem do país». Assim era justificada, em Dezembro, a atribuição do prémio a Manuel Alegre e a José Manuel Rodrigues, por Francisco Pinto Balsemão, o presidente do júri composto por José Luís Porfírio, Pedro Norton de Matos, Maria de Sousa, Nuno Teotónio Pereira, Alexandre Pomar, António Barreto, João Fausto da Silva, Rui Vieira Nery, Clara Ferreira Alves, António Alçada Baptista, Mário Soares e Miguel Veiga. Manuel Alegre nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda. Actualmente vice-presidente da Assembleia da República, possui entre outras condecorações a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e a Medalha de Mérito do Conselho da Europa. Em 1998 foi distinguido com o Prémio da Crítica Literária e no ano passado recebeu o Prémio Fernando Namora. Entre as suas obras encontram-se não apenas poemas mas também contos, como O Homem do País Azul (1989), e romances, como A Alma (1995). No momento em que lhe foi entregue o Prémio Pessoa 99 o escritor recordou os seus primeiros livros, então manuscritos - Praça da Canção e O Canto e as Armas - como «uma música da língua e do tempo, que vinha sob a forma de não e de poesia», explicando que «são dois atrevimentos que não me perdoam. Trouxeram-me muitos leitores e calor humano (...) mas paguei tudo isso com censura, incompreensões, leituras perversas e redutoras». Porém, conformado, acrescentou «Resta-me uma consolação: apesar dos cargos políticos que exerci, e exerço, nunca fiz parte de qualquer poder literário e não sou recuperável por nenhuma forma de cultura oficial». Projecto a meias em preparação Nascido em Lisboa em 1951, José Manuel Rodrigues formou-se na Escola de Fotografia de Haia, na Holanda. O seu trabalho, que abrange quase todos os géneros da fotografia, já foi distinguido com vários prémios, entre eles o Prémio Nacional de Fotografia (Amsterdams Fonds voor de Kunst, 1982) e uma Bolsa de trabalho da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1986-87. Nos últimos anos tem vindo a realizar levantamentos da paisagem ou de carácter etnográfico da região alentejana, de que Um Olhar sobre o Alentejo e Tabernas constituem alguns dos exemplos mais recentes. Prometido para breve ficou um livro elaborado em conjunto pelos dois premiados, que terá Évora como cenário e será composto por poemas de Manuel Alegre e fotografias de José Manuel Rodrigues. Como disse Manuel Alegre: «... ele (José Manuel Rodrigues) com a sua máquina, eu com a minha pena».

SOFIA RAINHO

«Os meus primeiros dois livros são dois atrevimentos que não me perdoam (...). Resta-me uma consolação: apesar dos cargos políticos nunca fiz parte de qualquer poder literário e não sou recuperável por nenhuma forma de cultura oficial» Manuel Alegre

«Comunicar tem os seus segredos, seja qual for o meio, mas é sempre fascinante. A poesia e a fotografia têm muita coisa a dizer entre elas. Tem sido através da luz e de saber arrumá-la que tento pôr ordem à minha volta» José Manuel Rodrigues

O cumprimento dos dois vencedores do Prémio Pessoa, Manuel Alegre e José Manuel Rodrigues, na presença de Jorge Sampaio e de Francisco Pinto Balsemão

«POESIA e a fotografia têm muita coisa a dizer entre elas». A frase, do fotógrafo José Manuel Rodrigues, proferida na terça-feira na cerimónia de entrega do Prémio Pessoa 99, no Palácio de Queluz, sumaria a atribuição inédita do mais importante prémio português de cultura e ciência a duas personalidades de artes distintas: Manuel Alegre - poesia - e José Manuel Rodrigues - fotografia. Ao apresentar os premiados na abertura da cerimónia de entrega - presidida pelo Presidente da República, Jorge Sampaio -, Francisco Pinto Balsemão, presidente do júri, sublinhou a «importância indiscutível» da Obra Poética de Manuel Alegre, publicada em 1999, e do livro Senhora das Tempestades, lançado em 1998, «na produção literária em Portugal». Referindo-se ao outro premiado, José Manuel Rodrigues, realçou também a importância de a fotografia ter sido contemplada pela primeira vez no âmbito do Prémio Pessoa - uma iniciativa conjunta do EXPRESSO e da Unysis - pois «está a contemplar-se uma arte que cada vez se impõe mais por si própria e onde Portugal tem grandes representantes». Incentivo em vez da consagração

Entre os convidados, que marcaram presença no Palácio de Queluz, encontravam-se vários membros do Governo, nomeadamente o primeiro-ministro, António Guterres, o ministro da Cultura, Manuel Maria Carrilho, o ministro da Reforma Administrativa, Alberto Martins, a secretária de Estado da Habitação, Leonor Coutinho, o secretário de Estado da Administração Pública, Alexandre Rosa, e o secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares, Fausto Correia. O presidente da Assembleia da República, Almeida Santos, e os reitores das Universidades de Coimbra e de Évora também testemunharam a homenagem ao escritor e ao fotógrafo. Francisco Pinto Balsemão, presidente do Conselho de Administração da Sojornal, empresa proprietária do EXPRESSO, explicou que a atribuição do galardão a Manuel Alegre pretende ser «um incentivo e não uma consagração». E, pouco depois de ter recebido o prémio das mãos de Sampaio, Manuel Alegre recordava «Aprendi os primeiros versos antes das primeiras letras. Não sabia ler, mas subia para uma cadeira e recitava, emproado. 'Lá vão elas/ as caravelas'. Não sei quem escreveu esses versos. Sei que nunca mais deixei de andar embarcado nelas, as caravelas». Com a fotografia fui aprendendo a olhar As primeiras palavras do discurso de José Manuel Rodrigues foram para toda a fotografia nacional: «Eu queria aqui representar os fotógrafos portugueses que, fotografando com a sua alma, vão criado imagens que escrevem a história, que esta não pode escrever (...) tem sido através da luz e de saber arrumá-la que tento pôr ordem à minha volta. Mostrando as pessoas e as coisas como querem ser vistas e com a sua própria luz (...) fotografando vou vivendo». Procurando demonstrar uma aproximação implícita entre a fotografia e a poesia, José Manuel Rodrigues realçou também que «comunicar tem os seus segredos, seja qual for o meio, mas é sempre fascinante». Aos discursos seguiu-se um concerto, em que a música do compositor Amílcar Vasques-Dias acompanhou quatro prelúdios sobre «Alentejo e Ninguém», de Manuel Alegre. Tradição lírica recuperada O escritor Manuel Alegre, que recentemente publicou Obra Poética, «retoma a tradição lírica que tem em Camões o modelo». O fotógrafo José Manuel Rodrigues «retratou de modo poético a paisagem do país». Assim era justificada, em Dezembro, a atribuição do prémio a Manuel Alegre e a José Manuel Rodrigues, por Francisco Pinto Balsemão, o presidente do júri composto por José Luís Porfírio, Pedro Norton de Matos, Maria de Sousa, Nuno Teotónio Pereira, Alexandre Pomar, António Barreto, João Fausto da Silva, Rui Vieira Nery, Clara Ferreira Alves, António Alçada Baptista, Mário Soares e Miguel Veiga. Manuel Alegre nasceu a 12 de Maio de 1936 em Águeda. Actualmente vice-presidente da Assembleia da República, possui entre outras condecorações a Grã-Cruz da Ordem da Liberdade e a Medalha de Mérito do Conselho da Europa. Em 1998 foi distinguido com o Prémio da Crítica Literária e no ano passado recebeu o Prémio Fernando Namora. Entre as suas obras encontram-se não apenas poemas mas também contos, como O Homem do País Azul (1989), e romances, como A Alma (1995). No momento em que lhe foi entregue o Prémio Pessoa 99 o escritor recordou os seus primeiros livros, então manuscritos - Praça da Canção e O Canto e as Armas - como «uma música da língua e do tempo, que vinha sob a forma de não e de poesia», explicando que «são dois atrevimentos que não me perdoam. Trouxeram-me muitos leitores e calor humano (...) mas paguei tudo isso com censura, incompreensões, leituras perversas e redutoras». Porém, conformado, acrescentou «Resta-me uma consolação: apesar dos cargos políticos que exerci, e exerço, nunca fiz parte de qualquer poder literário e não sou recuperável por nenhuma forma de cultura oficial». Projecto a meias em preparação Nascido em Lisboa em 1951, José Manuel Rodrigues formou-se na Escola de Fotografia de Haia, na Holanda. O seu trabalho, que abrange quase todos os géneros da fotografia, já foi distinguido com vários prémios, entre eles o Prémio Nacional de Fotografia (Amsterdams Fonds voor de Kunst, 1982) e uma Bolsa de trabalho da Fundação Calouste Gulbenkian, em 1986-87. Nos últimos anos tem vindo a realizar levantamentos da paisagem ou de carácter etnográfico da região alentejana, de que Um Olhar sobre o Alentejo e Tabernas constituem alguns dos exemplos mais recentes. Prometido para breve ficou um livro elaborado em conjunto pelos dois premiados, que terá Évora como cenário e será composto por poemas de Manuel Alegre e fotografias de José Manuel Rodrigues. Como disse Manuel Alegre: «... ele (José Manuel Rodrigues) com a sua máquina, eu com a minha pena».

SOFIA RAINHO

«Os meus primeiros dois livros são dois atrevimentos que não me perdoam (...). Resta-me uma consolação: apesar dos cargos políticos nunca fiz parte de qualquer poder literário e não sou recuperável por nenhuma forma de cultura oficial» Manuel Alegre

«Comunicar tem os seus segredos, seja qual for o meio, mas é sempre fascinante. A poesia e a fotografia têm muita coisa a dizer entre elas. Tem sido através da luz e de saber arrumá-la que tento pôr ordem à minha volta» José Manuel Rodrigues

marcar artigo