Mulher não entra. A Maria sim. Manuel Alegre não.

14-05-2001
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Mulher Não Entra. A Maria Sim. Manuel Alegre Não.

Segunda-feira, 14 de Maio de 2001 O Programa da Maria O quinto episódio do Programa da Maria (SIC, 09-05) revelou maior controlo dos conteúdos cómicos. As cenas, ou "sketches", estiveram mais seguras, pelo que conseguiram um humor mais aberto. Manteve-se, entretanto, a mesma dualidade entre comédia de situação e comédia de caracteres, sendo a "sitcom" do prédio do taxista Zé Manel constantemente interrompida pelos "sketches", que permanecem o principal veículo para Rueff revelar as suas enormes qualidades de imitação "directa" de pessoas da TV. O desenvolvimento da "sitcom" do prédio cresceu, o que teve por consequência o inevitável apagamento do taxista. O Zé Manel, que já deixara de ser o epítome dos taxistas, foi engolido pela situação. O Programa da Maria continua, portanto, sem resolver a sua contradição inicial: por um lado, não chega a ser, nem quer ser, uma comédia de situação; por outro lado, não pode reforçar as caricaturas de colagem de Rueff a pessoas da TV porque essa estratégia é insuficiente para criar um programa de comédia de caracteres. Este episódio reforçou também a caricatura-crítica da TVI e do que ela representa de informação alternativa à SIC actual, que é mais complacente com o Governo. O congresso do PS A operação mediática do PS no Pavilhão Atlântico (04 a 06-05) revelou a eficácia da propaganda do PS e ao mesmo tempo os seus limites. Nunca houve, nos últimos cem anos, uma propaganda tão eficaz quanto a da dupla Guterres-Coelho. Julgo que é superior à de Afonso Costa e até à de António Ferro em qualidades técnicas. O PCP, mesmo em 1974-75, nunca atingiu a mesma eficácia. A operação congresso já foi desmontada pelos comentadores políticos: Guterres e Coelho inventaram um inimigo interno, como se fazia no tempo de Estaline, para reforçarem o seu poder e desviarem as atenções. Manuel Alegre não caiu na esparrela e recusou fazer de palhaço, mas Manuel Maria Carrilho, por vaidade ou inexperiência, atirou-se para a fogueira. Nenhum problema de Portugal foi abordado pelo congresso. O Tino, outro narcisista, foi empurrado para horário congressial não-nobre, desadequado ao seu estatuto estelar. Não pôde repetir o papel de há dois anos, o que seria intolerável para o protagonismo de Guterres e Coelho. A reunião dum partido do centro no poder serve para redistribuir lugares no aparelho de Estado e partido. Firme no poder, o PS não poderia ter divisões fortes: os 2400 delegados devem ter saído de entre os nove mil "boys" que encontraram um lugar na administração desde há seis anos - como poderiam estar contra quem lhes arranjou o lugar ao sol do orçamento? Foi o que disse Alegre: o medo do fascismo foi substituído pelo medo do desemprego. Mas a unanimidade forçada do congresso é um dos limites da propaganda. Não resulta em democracia por muito tempo. Também não resulta a operação plástica de Guterres: tenta agora parecer um pouco Cavaco, tal como, no seu segundo mandato, Cavaco Silva tentou ser um pouco Guterres. A mudança de personalidade forçada (de Cavaco para menos austero, de Guterres procurando alguma autoridade) não resulta. Pode mudar-se de estratégia ou de táctica. Tudo aceitamos. Não de personalidade. A TV não deixa, revela tudo nos seus médios e grandes planos. O povo não gostou que Cavaco deixasse de ser austero e não gosta que Guterres finja ser austero. O beijo de António foi a falência da manobra de propaganda. Ao anunciar aos jornalistas aquele momento de emoção futura, Guterres quis imitar Al Gore e deitou a perder três dias de propaganda. Ficou com todos os lugares de direcção, mas revelou infantilmente tudo o que há de representação e propaganda na sua acção e discurso político. A Mulher Não Entra Mulher Não Entra (SIC, terças) não tem paralelo na TV portuguesa: contraria todos os valores que abertamente se defendem na sociedade mediática. É bandalho, sem-vergonha, defende o machismo nas suas manifestações mais grotescas, o consumo de álcool, a mulher-objecto, ataca as mulheres e a homossexualidade, etc. É, todavia, um programa de humor: não pode ser analisado como um programa sério de debate. As críticas unanimistas que, mais uma vez, se disseram ou escreveram sobre este programa resultaram em primeiro lugar da dificuldade em aceitar-se um programa de humor que parta dum ponto de vista que não é hegemónico nos "media". Mas é verdade que o programa já ultrapassou os limites do razoável seja em TV de "prime-time" ou de "late-night". No segundo episódio, a prestação sonora (e felizmente não cheirosa para os espectadores em casa) do "homem-metano" que liberta gases pelo ânus ao som do Danúbio Azul ou apagando velas dum bolo foi um dos momentos mais grotescos que já se viu em televisão, pelo que representa de degradação humana de quem se presta a fazê-lo, a apresentá-lo e, já agora, a vê-lo. Os criadores e apresentadores de TV não devem abusar do poder que a TV lhe confere pondo no ecrã os caprichos que lhes dá na real gana. É feio que António Feio dê entrevistas chorando-se por esta mancha presente no seu futuro currículo. Se não gosta agora, não faça agora. Os piores momentos do programa não podem, entretanto, justificar uma apreciação apressada do conceito. Porque, machista ou feminista, de esquerda ou de direita, irónico ou popular, o humor pode ter graça. E, em Mulher Não Entra, tem-no algumas vezes. Não só os textos conseguem ser engraçados como um ou outro "sketch" intercalado é bem conseguido. Além disso, o exagero do machismo, ainda por cima através do humor, revela o absurdo e a irracionalidade do próprio machismo. Esse absurdo, essa irracionalidade, estão bem à superfície; o programa consegue bastantes vezes deixar claro que o machismo é uma estupidez, uma infantilidade ou inofensivo (e a mulher dispõe de todas as armas para o contrariar). Sem esquecer o grotesco de algumas situações, que não podem ser apagadas, é preciso lembrar que Mulher Não Entra foi concebido para ocupar um horário tardio e destinado a certo público. Ao colocá-lo em horário nobre para contraprogramar o Big Brother terça-feirante, a SIC proporcionou o charivari contra o seu próprio produto. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Polémica e audiências no primeiro "reality-show" francês

O Big Brother gaulês

Portugal fora do Festival da Eurovisão

Nutícias com sotaque brasileiro

Marcelo comentador ou político?

TVHoje

Cinema em casa

Rádios

OLHO VIVO

Mulher não entra. A Maria sim. Manuel Alegre não.

Mulher Não Entra. A Maria Sim. Manuel Alegre Não.

Segunda-feira, 14 de Maio de 2001 O Programa da Maria O quinto episódio do Programa da Maria (SIC, 09-05) revelou maior controlo dos conteúdos cómicos. As cenas, ou "sketches", estiveram mais seguras, pelo que conseguiram um humor mais aberto. Manteve-se, entretanto, a mesma dualidade entre comédia de situação e comédia de caracteres, sendo a "sitcom" do prédio do taxista Zé Manel constantemente interrompida pelos "sketches", que permanecem o principal veículo para Rueff revelar as suas enormes qualidades de imitação "directa" de pessoas da TV. O desenvolvimento da "sitcom" do prédio cresceu, o que teve por consequência o inevitável apagamento do taxista. O Zé Manel, que já deixara de ser o epítome dos taxistas, foi engolido pela situação. O Programa da Maria continua, portanto, sem resolver a sua contradição inicial: por um lado, não chega a ser, nem quer ser, uma comédia de situação; por outro lado, não pode reforçar as caricaturas de colagem de Rueff a pessoas da TV porque essa estratégia é insuficiente para criar um programa de comédia de caracteres. Este episódio reforçou também a caricatura-crítica da TVI e do que ela representa de informação alternativa à SIC actual, que é mais complacente com o Governo. O congresso do PS A operação mediática do PS no Pavilhão Atlântico (04 a 06-05) revelou a eficácia da propaganda do PS e ao mesmo tempo os seus limites. Nunca houve, nos últimos cem anos, uma propaganda tão eficaz quanto a da dupla Guterres-Coelho. Julgo que é superior à de Afonso Costa e até à de António Ferro em qualidades técnicas. O PCP, mesmo em 1974-75, nunca atingiu a mesma eficácia. A operação congresso já foi desmontada pelos comentadores políticos: Guterres e Coelho inventaram um inimigo interno, como se fazia no tempo de Estaline, para reforçarem o seu poder e desviarem as atenções. Manuel Alegre não caiu na esparrela e recusou fazer de palhaço, mas Manuel Maria Carrilho, por vaidade ou inexperiência, atirou-se para a fogueira. Nenhum problema de Portugal foi abordado pelo congresso. O Tino, outro narcisista, foi empurrado para horário congressial não-nobre, desadequado ao seu estatuto estelar. Não pôde repetir o papel de há dois anos, o que seria intolerável para o protagonismo de Guterres e Coelho. A reunião dum partido do centro no poder serve para redistribuir lugares no aparelho de Estado e partido. Firme no poder, o PS não poderia ter divisões fortes: os 2400 delegados devem ter saído de entre os nove mil "boys" que encontraram um lugar na administração desde há seis anos - como poderiam estar contra quem lhes arranjou o lugar ao sol do orçamento? Foi o que disse Alegre: o medo do fascismo foi substituído pelo medo do desemprego. Mas a unanimidade forçada do congresso é um dos limites da propaganda. Não resulta em democracia por muito tempo. Também não resulta a operação plástica de Guterres: tenta agora parecer um pouco Cavaco, tal como, no seu segundo mandato, Cavaco Silva tentou ser um pouco Guterres. A mudança de personalidade forçada (de Cavaco para menos austero, de Guterres procurando alguma autoridade) não resulta. Pode mudar-se de estratégia ou de táctica. Tudo aceitamos. Não de personalidade. A TV não deixa, revela tudo nos seus médios e grandes planos. O povo não gostou que Cavaco deixasse de ser austero e não gosta que Guterres finja ser austero. O beijo de António foi a falência da manobra de propaganda. Ao anunciar aos jornalistas aquele momento de emoção futura, Guterres quis imitar Al Gore e deitou a perder três dias de propaganda. Ficou com todos os lugares de direcção, mas revelou infantilmente tudo o que há de representação e propaganda na sua acção e discurso político. A Mulher Não Entra Mulher Não Entra (SIC, terças) não tem paralelo na TV portuguesa: contraria todos os valores que abertamente se defendem na sociedade mediática. É bandalho, sem-vergonha, defende o machismo nas suas manifestações mais grotescas, o consumo de álcool, a mulher-objecto, ataca as mulheres e a homossexualidade, etc. É, todavia, um programa de humor: não pode ser analisado como um programa sério de debate. As críticas unanimistas que, mais uma vez, se disseram ou escreveram sobre este programa resultaram em primeiro lugar da dificuldade em aceitar-se um programa de humor que parta dum ponto de vista que não é hegemónico nos "media". Mas é verdade que o programa já ultrapassou os limites do razoável seja em TV de "prime-time" ou de "late-night". No segundo episódio, a prestação sonora (e felizmente não cheirosa para os espectadores em casa) do "homem-metano" que liberta gases pelo ânus ao som do Danúbio Azul ou apagando velas dum bolo foi um dos momentos mais grotescos que já se viu em televisão, pelo que representa de degradação humana de quem se presta a fazê-lo, a apresentá-lo e, já agora, a vê-lo. Os criadores e apresentadores de TV não devem abusar do poder que a TV lhe confere pondo no ecrã os caprichos que lhes dá na real gana. É feio que António Feio dê entrevistas chorando-se por esta mancha presente no seu futuro currículo. Se não gosta agora, não faça agora. Os piores momentos do programa não podem, entretanto, justificar uma apreciação apressada do conceito. Porque, machista ou feminista, de esquerda ou de direita, irónico ou popular, o humor pode ter graça. E, em Mulher Não Entra, tem-no algumas vezes. Não só os textos conseguem ser engraçados como um ou outro "sketch" intercalado é bem conseguido. Além disso, o exagero do machismo, ainda por cima através do humor, revela o absurdo e a irracionalidade do próprio machismo. Esse absurdo, essa irracionalidade, estão bem à superfície; o programa consegue bastantes vezes deixar claro que o machismo é uma estupidez, uma infantilidade ou inofensivo (e a mulher dispõe de todas as armas para o contrariar). Sem esquecer o grotesco de algumas situações, que não podem ser apagadas, é preciso lembrar que Mulher Não Entra foi concebido para ocupar um horário tardio e destinado a certo público. Ao colocá-lo em horário nobre para contraprogramar o Big Brother terça-feirante, a SIC proporcionou o charivari contra o seu próprio produto. OUTROS TÍTULOS EM MEDIA Polémica e audiências no primeiro "reality-show" francês

O Big Brother gaulês

Portugal fora do Festival da Eurovisão

Nutícias com sotaque brasileiro

Marcelo comentador ou político?

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Mulher não entra. A Maria sim. Manuel Alegre não.

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