O Independente

02-05-2001
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Morte de Rúben em tribunal

Pedro Guerra

pguerra@oindependente.pt

Quase quatro anos após a trágica morte de Rúben Tiago Lemos e Cunha, o jovem de 13 anos electrocutado num semáforo do Campo Grande, em Lisboa, está marcado para a próxima segunda-feira, à tarde, o início do julgamento. Laudalino Pereira Soares, à época funcionário da Eyssa-Tesis-Tecnologia de Sistemas Electrónicos, SA, responderá por um crime de homicídio por negligência e para já recusa pagar a indemnização exigida pelos pais de Rúben, desculpando-se com a Câmara Municipal de Lisboa.

O arguido, um ex-pedreiro de 65 anos, e a empresa responsável pela manutenção e segurança da instalação semafórica de Lisboa, que foi demandada civilmente, alegam que a autarquia já pagou aos pais de Rúben a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, ou seja, 29 825 contos, sendo 26 325 relativos ao valor patrimonial de uma loja no empreendimento do Alto da Faia II, em Telheiras (Lisboa) e 3500 contos em numerário. Para o advogado Joaquim Marques Ascensão, que representará em juízo o arguido e a empresa, o protocolo de acordo celebrado em 28 de Novembro de 1997 entre o presidente da Câmara de Lisboa, João Soares, e o pai de Rúben, Francisco Cunha, englobava já as indemnizações por direito à vida e danos não patrimoniais.

No pedido de indemnização cível, os pais de Rúben pedem 25 mil contos pela perda do direito à vida e por danos não patrimoniais sofridos antes da morte do seu filho. Francisco e Isabel Cunha querem ainda que o arguido e a empresa sejam condenados a pagar-lhes uma indemnização de 20 mil contos a título de danos não patrimoniais sofridos directamente pelos demandantes cíveis, ou seja, exigem o pagamento a cada um deles de dez mil contos.

Outras vítimas

Entre as testemunhas arroladas pelos pais de Rúben, além do arrumador, destacam-se várias vítimas de choques eléctricos no fatídico semáforo, nomeadamente Sandra Maria Vilaça, uma funcionária da Sonae, que sofreu um grande choque eléctrico, e Rúben Marques Obadia, ex-presidente da Associação de Estudantes da Universidade Lusófona.

O caso ocorreu a 7 de Julho de 1997 e chocou o país inteiro. Por volta das 18h30, Rúben, aluno do Colégio do Planalto, vinha de mais um dia de férias e decide premir o botão do semáforo em frente ao Centro Comercial Caleidoscópio, no Campo Grande, em Lisboa, para atravessar a estrada. Mal pressiona o botão, o jovem de 13 anos é projectado para trás, embatendo numa viatura que se encontrava estacionada no passeio. Rúben é imediatamente transportado ao Hospital de Santa Maria, em estado clínico muito crítico, tendo entrado em coma profundo. Durante essa mesma noite são feitos vários exames aos seus sistemas cardiovascular e neurológico, verificando-se existirem lesões profundas e irreversíveis. Rúben fica permanentemente ligado a uma máquina de ventilação e a 10 de Julho é-lhe diagnosticada a situação de morte cerebral.

A participação criminal à Procuradoria-Geral da República foi feita em 30 de Julho de 1997, tendo sido assinada pelos advogados João Perry, e António Pinto Pereira. Os visados foram a Câmara Municipal de Lisboa, a Eyssa-Tesis e todos aqueles viessem a ser apurados como co-responsáveis no decorrer do inquérito. Como testemunhas, foram indicados João Soares e Machado Rodrigues, vereador do trânsito. Passados quase dois anos, a 22 de Março de 1999, o Ministério Público mandou arquivar o processo por não terem sido recolhidos elementos suficientes que permitissem a imputação aos arguidos, na altura quatro, todos da Eyssa-Tesis, entre eles Laudalino Soares, do crime de homicídio por negligência. Inconformados, a 26 de Abril de 1999 os pais de Rúben requereram a abertura de instrução. Desta feita, o pedido foi da autoria do advogado João Nabais, contratado pelos pais de Rúben que entretanto haviam prescindido dos serviços de João Perry e de António Pinto Pereira, este último um dos advogados do “caso do Aquaparque”. O conhecido advogado argumentou que José Manuel Freitas Camacho, um arrumador de automóveis, avisou Laudalino, por diversas vezes, que o semáforo dava choques eléctricos.

A 14 de Junho do ano passado, passados três anos da morte de Rúben, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa deu razão aos queixosos e pronunciou Laudalino Soares. O TIC deu como assente que no exercício das suas funções cabia ao arguido a substituição de lâmpadas fundidas, a verificação da existência de vidros partidos no semáforo e da obediência da sinalização semafórica à botoneira. A juíza de instrução considerou que Laudalino podia abrir o armário que se situa na mesma avenida e que contém os comandos da sinalização semafórica, tendo a possibilidade de o desligar, se soubesse de alguma avaria. Para o TIC, ficou confirmado que Laudalino sabia que o semáforo produzia descargas eléctricas, pois havia sido informado desse facto.

CML

“Acidente”, dizem eles...

Acredite-se ou não, após a trágica morte de Rúben Cunha, vítima de uma descarga eléctrica quando premiu um botão do semáforo, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não dispensou os serviços da Eyssa-Tesis, a empresa responsável pela manutenção das condições de funcionamento e segurança da instalação semafórica da cidade. Apesar dos relatórios técnicos e de no processo crime já se ter provado que houve uma grave falha do ponto de vista da fiscalização, de tal forma que um funcionário da empresa vai ser julgado por um crime de homicídio por negligência, a autarquia, passados quase quatro anos, mantém o contrato com a mesma empresa.

Contactado por O Independente, João Soares disse desconhecer o assunto. “Eu não sei nada disso. Parece que essa empresa é das poucas que sabe mexer naqueles botões”, explicou o presidente da CML. João Soares remeteu-nos para o vereador do trânsito, Machado Rodrigues. Confrontado com esta situação, o vereador socialista esclareceu que “todos os anos abrimos concursos públicos internacionais. Eles estão em Portugal há muitos anos e creio que dominam o mercado, tendo 90 por cento dos semáforos do país.” Machado Rodrigues refere ainda que este caso “pode acontecer a qualquer um”, acrescentando que “isso é um problema da empresa, pois eles têm de cumprir o caderno de encargos”. Para o vereador, o facto de ao fim de 20 anos ter havido um acidente “não é razão suficiente para tirar essa empresa dos concursos.” PG

Morte de Rúben em tribunal

Pedro Guerra

pguerra@oindependente.pt

Quase quatro anos após a trágica morte de Rúben Tiago Lemos e Cunha, o jovem de 13 anos electrocutado num semáforo do Campo Grande, em Lisboa, está marcado para a próxima segunda-feira, à tarde, o início do julgamento. Laudalino Pereira Soares, à época funcionário da Eyssa-Tesis-Tecnologia de Sistemas Electrónicos, SA, responderá por um crime de homicídio por negligência e para já recusa pagar a indemnização exigida pelos pais de Rúben, desculpando-se com a Câmara Municipal de Lisboa.

O arguido, um ex-pedreiro de 65 anos, e a empresa responsável pela manutenção e segurança da instalação semafórica de Lisboa, que foi demandada civilmente, alegam que a autarquia já pagou aos pais de Rúben a indemnização correspondente aos danos não patrimoniais, ou seja, 29 825 contos, sendo 26 325 relativos ao valor patrimonial de uma loja no empreendimento do Alto da Faia II, em Telheiras (Lisboa) e 3500 contos em numerário. Para o advogado Joaquim Marques Ascensão, que representará em juízo o arguido e a empresa, o protocolo de acordo celebrado em 28 de Novembro de 1997 entre o presidente da Câmara de Lisboa, João Soares, e o pai de Rúben, Francisco Cunha, englobava já as indemnizações por direito à vida e danos não patrimoniais.

No pedido de indemnização cível, os pais de Rúben pedem 25 mil contos pela perda do direito à vida e por danos não patrimoniais sofridos antes da morte do seu filho. Francisco e Isabel Cunha querem ainda que o arguido e a empresa sejam condenados a pagar-lhes uma indemnização de 20 mil contos a título de danos não patrimoniais sofridos directamente pelos demandantes cíveis, ou seja, exigem o pagamento a cada um deles de dez mil contos.

Outras vítimas

Entre as testemunhas arroladas pelos pais de Rúben, além do arrumador, destacam-se várias vítimas de choques eléctricos no fatídico semáforo, nomeadamente Sandra Maria Vilaça, uma funcionária da Sonae, que sofreu um grande choque eléctrico, e Rúben Marques Obadia, ex-presidente da Associação de Estudantes da Universidade Lusófona.

O caso ocorreu a 7 de Julho de 1997 e chocou o país inteiro. Por volta das 18h30, Rúben, aluno do Colégio do Planalto, vinha de mais um dia de férias e decide premir o botão do semáforo em frente ao Centro Comercial Caleidoscópio, no Campo Grande, em Lisboa, para atravessar a estrada. Mal pressiona o botão, o jovem de 13 anos é projectado para trás, embatendo numa viatura que se encontrava estacionada no passeio. Rúben é imediatamente transportado ao Hospital de Santa Maria, em estado clínico muito crítico, tendo entrado em coma profundo. Durante essa mesma noite são feitos vários exames aos seus sistemas cardiovascular e neurológico, verificando-se existirem lesões profundas e irreversíveis. Rúben fica permanentemente ligado a uma máquina de ventilação e a 10 de Julho é-lhe diagnosticada a situação de morte cerebral.

A participação criminal à Procuradoria-Geral da República foi feita em 30 de Julho de 1997, tendo sido assinada pelos advogados João Perry, e António Pinto Pereira. Os visados foram a Câmara Municipal de Lisboa, a Eyssa-Tesis e todos aqueles viessem a ser apurados como co-responsáveis no decorrer do inquérito. Como testemunhas, foram indicados João Soares e Machado Rodrigues, vereador do trânsito. Passados quase dois anos, a 22 de Março de 1999, o Ministério Público mandou arquivar o processo por não terem sido recolhidos elementos suficientes que permitissem a imputação aos arguidos, na altura quatro, todos da Eyssa-Tesis, entre eles Laudalino Soares, do crime de homicídio por negligência. Inconformados, a 26 de Abril de 1999 os pais de Rúben requereram a abertura de instrução. Desta feita, o pedido foi da autoria do advogado João Nabais, contratado pelos pais de Rúben que entretanto haviam prescindido dos serviços de João Perry e de António Pinto Pereira, este último um dos advogados do “caso do Aquaparque”. O conhecido advogado argumentou que José Manuel Freitas Camacho, um arrumador de automóveis, avisou Laudalino, por diversas vezes, que o semáforo dava choques eléctricos.

A 14 de Junho do ano passado, passados três anos da morte de Rúben, o Tribunal de Instrução Criminal (TIC) de Lisboa deu razão aos queixosos e pronunciou Laudalino Soares. O TIC deu como assente que no exercício das suas funções cabia ao arguido a substituição de lâmpadas fundidas, a verificação da existência de vidros partidos no semáforo e da obediência da sinalização semafórica à botoneira. A juíza de instrução considerou que Laudalino podia abrir o armário que se situa na mesma avenida e que contém os comandos da sinalização semafórica, tendo a possibilidade de o desligar, se soubesse de alguma avaria. Para o TIC, ficou confirmado que Laudalino sabia que o semáforo produzia descargas eléctricas, pois havia sido informado desse facto.

CML

“Acidente”, dizem eles...

Acredite-se ou não, após a trágica morte de Rúben Cunha, vítima de uma descarga eléctrica quando premiu um botão do semáforo, a Câmara Municipal de Lisboa (CML) não dispensou os serviços da Eyssa-Tesis, a empresa responsável pela manutenção das condições de funcionamento e segurança da instalação semafórica da cidade. Apesar dos relatórios técnicos e de no processo crime já se ter provado que houve uma grave falha do ponto de vista da fiscalização, de tal forma que um funcionário da empresa vai ser julgado por um crime de homicídio por negligência, a autarquia, passados quase quatro anos, mantém o contrato com a mesma empresa.

Contactado por O Independente, João Soares disse desconhecer o assunto. “Eu não sei nada disso. Parece que essa empresa é das poucas que sabe mexer naqueles botões”, explicou o presidente da CML. João Soares remeteu-nos para o vereador do trânsito, Machado Rodrigues. Confrontado com esta situação, o vereador socialista esclareceu que “todos os anos abrimos concursos públicos internacionais. Eles estão em Portugal há muitos anos e creio que dominam o mercado, tendo 90 por cento dos semáforos do país.” Machado Rodrigues refere ainda que este caso “pode acontecer a qualquer um”, acrescentando que “isso é um problema da empresa, pois eles têm de cumprir o caderno de encargos”. Para o vereador, o facto de ao fim de 20 anos ter havido um acidente “não é razão suficiente para tirar essa empresa dos concursos.” PG

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