Crises em banho-maria

03-05-2000
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Sem défice e sem elenco residente, o T.N.S. João é, de todas estas estruturas, a que goza de um presente mais auspicioso

O novo enquadramento legal pretendeu inovar o sector na perspectiva da prestação de serviço público. Aqui, o Ministério da Cultura (MC) previu programas plurianuais (possibilidade de elaborar um projecto artístico até três anos, onde se inscreva uma filosofia de programação e uma lógica orçamental que a suporte), a definição de padrões de remuneração que compete ao Estado, depois de auscultar os agentes do sector, a escolha de gestores especializados como dirigentes máximos de cada uma das instituições ou até a transparência dos investimentos.

O actual regime jurídico pretenderia pôr fim ao endividamento de alguns dos organismos desta área, totalizando, no final de 95, mais de um milhão de contos (500 mil do TNSC, 500 mil da ONP, 120 mil do TNDM), e inaugurar uma fase de gestão profissional. No entanto, após um processo de liquidação destes passivos e um ano depois da publicação das leis orgânicas, sabe-se que, no último trimestre de 98, o TNDM tinha uma dívida de 200 mil contos e o TNSC um défice de 400 mil contos.

Estas leis orgânicas prevêem, além dos aspectos já referidos, desenvolvimentos fundamentais como a criação de um regulamento interno, que deve definir o funcionamento da estrutura ao nível dos seus elementos, do regime de horários, à acumulação de actividades, natureza das funções, direitos e deveres dos trabalhadores e tutela.

Na origem das recentes reivindicações dos trabalhadores do TNDM ou da ameaça de greve da CNB, estão questões previstas nas leis orgânicas até hoje não resolvidas. O TNDM não dispõe de um regulamento interno, pelo que a questão da acumulação de actividades exteriores ao teatro, criticada publicamente pela tutela na sequência da greve, remete para essa lacuna. A acumulação interna de funções por parte de actores e técnicos (um actor que é director de cena, por exemplo) não está prevista em termos de remuneração.

Para os actores existem quatro escalões de remuneração, mas não há regras para as admissões. Segundo o assessor de Imprensa do ministro, «há um compromisso interno (do próprio MC) para que o desenvolvimento da lei orgânica esteja pronto até ao fim da legislatura». O TNDM admitiu recentemente três actores que entraram para o escalão mais alto de remunerações. A gestão do TNDM foi marcada por acontecimentos controversos, como a decisão de fechar o teatro no final de 98, para pagar dívidas. A direcção reconhece ter sido um erro, até porque o teatro teve mais dinheiro do que o previsto e, ao mesmo tempo, foi obrigado a pagar uma indemnização ao encenador catalão Lluis Pasqual de pelo menos 11 mil contos. Quatro meses depois da nomeação de um gestor financeiro para o teatro, o MC encomendou uma auditoria de gestão a uma empresa. Resultados parciais desta foram revelados à imprensa pelo gabinete do ministro mas a direcção não tem conhecimento formal dos mesmos. No início de Fevereiro, os concessionários da livraria do TNDM, especializada em teatro, cessaram ali a sua actividade, alegadamente por falta de receitas e devido à instabilidade da programação.

Nenhum dos três elementos da direcção do T.N.S. Carlos falou ao EXPRESSO sobre questões de funcionamento interno. O TNSC tem 276 trabalhadores, sendo 80 do Coro e 111 da Orquestra Sinfónica Portuguesa, agora integrada no teatro. O TNSC gastará com pessoal, este ano, 1.531 mil contos, sendo o orçamento corrente 1.886 mil contos.

Junto do gabinete de marketing, foi possível saber que ainda não existe um plano plurianual. «É perigoso fazer contratações fora do exercício de cada ano e impossível saber qual vai ser a temporada de 2000», disse Ana Trigo de Morais. O regulamento interno «está em adiantada fase de elaboração». Os escalões de remuneração são herdados do tempo em que o teatro era uma fundação. O TNSC admitiu, desde a publicação da lei, 11 pessoas no sector artístico (cinco instrumentistas de Orquestra e seis elementos de Coro).

A Orquestra Nacional do Porto é o único dos cinco organismos que viu publicada uma portaria que define o sistema de retribuições do pessoal artístico, no desenvolvimento da lei. A publicação seguiu de perto reivindicações dos músicos no sentido de acabar com os contratos de prestação de serviços («recibos verdes»). Segundo o director artístico, Filipe Pires, o regulamento interno está «em fase final de aprovação» e a ONP recebeu apenas um elemento novo, para o sector técnico, desde a publicação da lei. Em 99, a ONP gastará 361 mil contos com o pessoal num orçamento corrente de 467 mil contos. Quanto ao planeamento plurianual, Filipe Pires disse que a temporada da ONP «compreende cerca de 44 semanas de actuações, incluindo digressões no país e no estrangeiro.»

Na origem da ameaça de greve anunciada pela CNB estiveram questões antigas - como a urgência de verem a sua actividade legislada como profissão de desgaste rápido - às quais se juntou a indignação pelas diferenças salariais entre dois dos cinco organismos do MC. Alegava a Comissão de Trabalhadores (CT) da CNB não fazer sentido que os seus salários e os da ONP tivessem uma diferença média de 150 contos, agora que a publicação de leis orgânicas pressuporia o fim das discrepâncias nos vários organismos. A CNB herdou das figuras jurídicas anteriores uma situação ligada às reivindicações da CT e que, a prazo relativamente curto, comprometerá o seu funcionamento: qualquer elemento que entre na companhia e ultrapasse três anos de actividade só terá de sair para a reforma aos 65 anos. Trata-se de uma situação insustentável, para a qual não foram tomadas medidas de reconversão profissional, ao mesmo tempo que é necessário renovar o elenco. Até que o regulamento interno, que já foi entregue na tutela para aprovação, entre em funcionamento, a companhia vai sendo gerida com bom senso, tratando de solucionar pontualmente questões e aplicando vagamente um modelo de acordo de empresas que existia no T.N.S. Carlos.

Com um orçamento anual directo do Orçamento de Estado (OE) de 501 mil contos, 100 mil contos do mecenato exclusivo da EDP e uma receita de 70 mil contos (esta em 98), a CNB gasta 400 mil contos com os salários dos 54 bailarinos, nove técnicos e três administrativos, na sua maioria com contratos individuais de trabalho. Pouco mais que a quantia referente ao mecenato é gasta em tudo o que constitui a produção de espectáculos, despesas de funcionamento das instalações, ajudas de custo e digressões. Sem dívidas feitas ao longo de dois anos, a CNB previu, no que será o seu primeiro regulamento interno em 20 anos de existência, as soluções por enquanto possíveis para a saída digna de profissionais da companhia: a rescisão de contrato de comum acordo e a reconversão de um número limitado de bailarinos noutros sectores da CNB.

A programação plurianual é feita a dois anos, embora a CNB, por especificidade de área, seja obrigada a pensar a quatro ou cinco anos, no caso de encomendas a coreógrafos estrangeiros de renome.

O Teatro Nacional S. João tem uma proposta de regulamento interno entregue no MC para aprovação há cerca de um ano. De acordo com o subdirector do TNSJ, Luís Vaz, ela foi feita com base em orientações da lei orgânica e passa agora por uma fase de «discussão interna» com os trabalhadores. Apesar de estes não serem formalmente representados por uma CT, «todas as suas sugestões foram devidamente acauteladas», acrescentou. Desde que esta direcção (Ricardo Pais) entrou em funções em 96, assumiu-se um modelo de funcionamento herdado da anterior que foi «sofrendo alterações feitas por ordem de serviço». Segundo Luís Vaz, quando os contratos de trabalho eram demasiado vagos - caso de aumentos de vencimentos ou de alargamento de funções -, «fizeram-se-lhes pequenos aditamentos».

O TNSJ recebeu este ano directamente do OE 614.600 contos e 100 mil contos de receitas em 98. Com os salários (só cinco trabalhadores pertencem à função pública, os restantes têm contratos individuais de trabalho) e manutenção da estrutura gasta 416.500 contos, contando para a produção (espectáculos, exposições, actividades do Centro de Dramaturgias Contemporâneas, promoção e itinerância) com pouco menos de 300 mil contos. Quanto ao planeamento plurianual, é normalmente feito a dois anos apesar de se concretizar sem «certezas orçamentais». Luís Vaz considera «regra elementar de gestão não ultrapassar o orçamento», razão pela qual o TNSJ não tem défice. Não há mistério: a multiplicação das actividades depende da gestão do orçamento de produção e, como diz Luís Vaz, o facto de não existir elenco residente constitui «uma grande liberdade para o encenador residente e encenadores convidados poderem escolhê-lo de acordo com as suas produções».

ANTÓNIO HENRIQUES e CRISTINA PERES

Sem défice e sem elenco residente, o T.N.S. João é, de todas estas estruturas, a que goza de um presente mais auspicioso

O novo enquadramento legal pretendeu inovar o sector na perspectiva da prestação de serviço público. Aqui, o Ministério da Cultura (MC) previu programas plurianuais (possibilidade de elaborar um projecto artístico até três anos, onde se inscreva uma filosofia de programação e uma lógica orçamental que a suporte), a definição de padrões de remuneração que compete ao Estado, depois de auscultar os agentes do sector, a escolha de gestores especializados como dirigentes máximos de cada uma das instituições ou até a transparência dos investimentos.

O actual regime jurídico pretenderia pôr fim ao endividamento de alguns dos organismos desta área, totalizando, no final de 95, mais de um milhão de contos (500 mil do TNSC, 500 mil da ONP, 120 mil do TNDM), e inaugurar uma fase de gestão profissional. No entanto, após um processo de liquidação destes passivos e um ano depois da publicação das leis orgânicas, sabe-se que, no último trimestre de 98, o TNDM tinha uma dívida de 200 mil contos e o TNSC um défice de 400 mil contos.

Estas leis orgânicas prevêem, além dos aspectos já referidos, desenvolvimentos fundamentais como a criação de um regulamento interno, que deve definir o funcionamento da estrutura ao nível dos seus elementos, do regime de horários, à acumulação de actividades, natureza das funções, direitos e deveres dos trabalhadores e tutela.

Na origem das recentes reivindicações dos trabalhadores do TNDM ou da ameaça de greve da CNB, estão questões previstas nas leis orgânicas até hoje não resolvidas. O TNDM não dispõe de um regulamento interno, pelo que a questão da acumulação de actividades exteriores ao teatro, criticada publicamente pela tutela na sequência da greve, remete para essa lacuna. A acumulação interna de funções por parte de actores e técnicos (um actor que é director de cena, por exemplo) não está prevista em termos de remuneração.

Para os actores existem quatro escalões de remuneração, mas não há regras para as admissões. Segundo o assessor de Imprensa do ministro, «há um compromisso interno (do próprio MC) para que o desenvolvimento da lei orgânica esteja pronto até ao fim da legislatura». O TNDM admitiu recentemente três actores que entraram para o escalão mais alto de remunerações. A gestão do TNDM foi marcada por acontecimentos controversos, como a decisão de fechar o teatro no final de 98, para pagar dívidas. A direcção reconhece ter sido um erro, até porque o teatro teve mais dinheiro do que o previsto e, ao mesmo tempo, foi obrigado a pagar uma indemnização ao encenador catalão Lluis Pasqual de pelo menos 11 mil contos. Quatro meses depois da nomeação de um gestor financeiro para o teatro, o MC encomendou uma auditoria de gestão a uma empresa. Resultados parciais desta foram revelados à imprensa pelo gabinete do ministro mas a direcção não tem conhecimento formal dos mesmos. No início de Fevereiro, os concessionários da livraria do TNDM, especializada em teatro, cessaram ali a sua actividade, alegadamente por falta de receitas e devido à instabilidade da programação.

Nenhum dos três elementos da direcção do T.N.S. Carlos falou ao EXPRESSO sobre questões de funcionamento interno. O TNSC tem 276 trabalhadores, sendo 80 do Coro e 111 da Orquestra Sinfónica Portuguesa, agora integrada no teatro. O TNSC gastará com pessoal, este ano, 1.531 mil contos, sendo o orçamento corrente 1.886 mil contos.

Junto do gabinete de marketing, foi possível saber que ainda não existe um plano plurianual. «É perigoso fazer contratações fora do exercício de cada ano e impossível saber qual vai ser a temporada de 2000», disse Ana Trigo de Morais. O regulamento interno «está em adiantada fase de elaboração». Os escalões de remuneração são herdados do tempo em que o teatro era uma fundação. O TNSC admitiu, desde a publicação da lei, 11 pessoas no sector artístico (cinco instrumentistas de Orquestra e seis elementos de Coro).

A Orquestra Nacional do Porto é o único dos cinco organismos que viu publicada uma portaria que define o sistema de retribuições do pessoal artístico, no desenvolvimento da lei. A publicação seguiu de perto reivindicações dos músicos no sentido de acabar com os contratos de prestação de serviços («recibos verdes»). Segundo o director artístico, Filipe Pires, o regulamento interno está «em fase final de aprovação» e a ONP recebeu apenas um elemento novo, para o sector técnico, desde a publicação da lei. Em 99, a ONP gastará 361 mil contos com o pessoal num orçamento corrente de 467 mil contos. Quanto ao planeamento plurianual, Filipe Pires disse que a temporada da ONP «compreende cerca de 44 semanas de actuações, incluindo digressões no país e no estrangeiro.»

Na origem da ameaça de greve anunciada pela CNB estiveram questões antigas - como a urgência de verem a sua actividade legislada como profissão de desgaste rápido - às quais se juntou a indignação pelas diferenças salariais entre dois dos cinco organismos do MC. Alegava a Comissão de Trabalhadores (CT) da CNB não fazer sentido que os seus salários e os da ONP tivessem uma diferença média de 150 contos, agora que a publicação de leis orgânicas pressuporia o fim das discrepâncias nos vários organismos. A CNB herdou das figuras jurídicas anteriores uma situação ligada às reivindicações da CT e que, a prazo relativamente curto, comprometerá o seu funcionamento: qualquer elemento que entre na companhia e ultrapasse três anos de actividade só terá de sair para a reforma aos 65 anos. Trata-se de uma situação insustentável, para a qual não foram tomadas medidas de reconversão profissional, ao mesmo tempo que é necessário renovar o elenco. Até que o regulamento interno, que já foi entregue na tutela para aprovação, entre em funcionamento, a companhia vai sendo gerida com bom senso, tratando de solucionar pontualmente questões e aplicando vagamente um modelo de acordo de empresas que existia no T.N.S. Carlos.

Com um orçamento anual directo do Orçamento de Estado (OE) de 501 mil contos, 100 mil contos do mecenato exclusivo da EDP e uma receita de 70 mil contos (esta em 98), a CNB gasta 400 mil contos com os salários dos 54 bailarinos, nove técnicos e três administrativos, na sua maioria com contratos individuais de trabalho. Pouco mais que a quantia referente ao mecenato é gasta em tudo o que constitui a produção de espectáculos, despesas de funcionamento das instalações, ajudas de custo e digressões. Sem dívidas feitas ao longo de dois anos, a CNB previu, no que será o seu primeiro regulamento interno em 20 anos de existência, as soluções por enquanto possíveis para a saída digna de profissionais da companhia: a rescisão de contrato de comum acordo e a reconversão de um número limitado de bailarinos noutros sectores da CNB.

A programação plurianual é feita a dois anos, embora a CNB, por especificidade de área, seja obrigada a pensar a quatro ou cinco anos, no caso de encomendas a coreógrafos estrangeiros de renome.

O Teatro Nacional S. João tem uma proposta de regulamento interno entregue no MC para aprovação há cerca de um ano. De acordo com o subdirector do TNSJ, Luís Vaz, ela foi feita com base em orientações da lei orgânica e passa agora por uma fase de «discussão interna» com os trabalhadores. Apesar de estes não serem formalmente representados por uma CT, «todas as suas sugestões foram devidamente acauteladas», acrescentou. Desde que esta direcção (Ricardo Pais) entrou em funções em 96, assumiu-se um modelo de funcionamento herdado da anterior que foi «sofrendo alterações feitas por ordem de serviço». Segundo Luís Vaz, quando os contratos de trabalho eram demasiado vagos - caso de aumentos de vencimentos ou de alargamento de funções -, «fizeram-se-lhes pequenos aditamentos».

O TNSJ recebeu este ano directamente do OE 614.600 contos e 100 mil contos de receitas em 98. Com os salários (só cinco trabalhadores pertencem à função pública, os restantes têm contratos individuais de trabalho) e manutenção da estrutura gasta 416.500 contos, contando para a produção (espectáculos, exposições, actividades do Centro de Dramaturgias Contemporâneas, promoção e itinerância) com pouco menos de 300 mil contos. Quanto ao planeamento plurianual, é normalmente feito a dois anos apesar de se concretizar sem «certezas orçamentais». Luís Vaz considera «regra elementar de gestão não ultrapassar o orçamento», razão pela qual o TNSJ não tem défice. Não há mistério: a multiplicação das actividades depende da gestão do orçamento de produção e, como diz Luís Vaz, o facto de não existir elenco residente constitui «uma grande liberdade para o encenador residente e encenadores convidados poderem escolhê-lo de acordo com as suas produções».

ANTÓNIO HENRIQUES e CRISTINA PERES

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