Publico.pt

22-01-2002
marcar artigo

21-07-2000

Um Verdi pronto a vestir

A ópera de Giuseppe Verdi "Un Ballo in Maschera" permanecerá no palco do Teatro Nacional de São Carlos até ao próximo dia 29, numa nova produção que teve a sua estreia na quarta-feira passada. Começaremos a sua crítica assinalando uma evidência: Verdi é tão bom, como compositor e como dramaturgo, que, aconteça o que acontecer em palco, as suas óperas acabam sempre por funcionar. Por um lado, personagens com profundidade psicológica e uma música sempre apropriada e, por outro, temas como o amor sacrificado, o poder do além e da magia, a honra traída, prendem a atenção e a emoção do público. A obra contém evidentes sugestões para a encenação, centradas sobretudo nas oposições luz/trevas, dever/paixão, racional/irracional, que foram postas em relevo no trabalho de Stefano Vizioli, que já tinha colaborado como encenador com o São Carlos em temporadas anteriores. Vizioli usou elementos da natureza e detalhes arquitectónicos inspirando-se na paisagem romântica, de maneira que os elementos decorativos neoclássicos, envolvidos pela bruma, podiam ser entendidos como as ruínas do projecto iluminista de Gustavo III da Suécia, o rei assassinado que protagoniza a versão original do libreto da ópera.

A direcção musical de Antonio Pirolli passou-se sem pena nem glória. Trabalhou os trechos com mais efeito da partitura, mas deixou numerosos pormenores ao acaso, tendo faltado sobretudo uma intenção musical eficiente na exposição dos temas musicais que são os fios condutores da ópera. A interpretação do duo protagonista - interpretado por Aprile Millo e Dennis O'Neill - também se passou medianamente, não provocando grandes entusiasmos. Millo e O'Neill estão bastante longe dos melhores momentos das suas carreiras, e, se bem que nas suas vozes haja ainda vislumbres daquela época, na actualidade são profissionais de longa experiência que, contudo, dificilmente conseguem comover a audiência. Ainda por cima, os dotes teatrais de Aprile Millo são muito limitados, o que tornou a sua interpretação bastante monótona.

O actuação do barítono Lado Ataneli foi um dos melhores acontecimentos da noite. Tem uma voz tonitruante, mas bem moldada, e uma boa presença em palco, qualidades que receberam os maiores aplausos e ovações da noite. O resto dos cantores defenderam com empenho as suas partes. Elisabetta Fiorillo foi uma arrepiante Ulrica, mas um incomodativo vibrato na sua voz, fez com que as suas magníficas qualidades dramáticas ficassem um tanto limitadas. A jovem Mariola Cantarero foi um excelente Oscar, e Celestino Varela, Ignasi Gomar, António Silva, Luís Rodrigues e João Miguel Queirós interpretaram de maneira escorreita os seus personagens. Por último, viu-se que - como não poderia deixar de ser - o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, sempre bem preparado por João Paulo Santos, gosta de cantar Verdi, já que teve uma das suas melhores actuações desta temporada.

Em conclusão, a produção manteve-se folgadamente dentro dos limites da dignidade, mas não ficará na memória dos assistentes. Afinal, tudo é muito simples: se queremos ópera, temos de a pagar. Se, para complicar as coisas, o dinheiro é pouco, teremos de fazer malabarismos contabilísticos, da mesma maneira que, conforme o estado das nossas finanças, compraremos roupa de pronto-a-vestir ou de estilista, e em consequência, vestidos de uma ou outra maneira, a nossa vivência do mundo e a vivência que o mundo terá de nós serão diferentes. Voltando ao assunto que nos ocupa, "Un Ballo in Maschera" é uma excelente escolha para o encerramento, antes do verão, de uma temporada lírica, mas esse baile podia ter sido organizado para convidados vestidos de diferentes maneiras e, até, com roupa de alta costura. No baile de máscaras que teve lugar no São Carlos na quarta-feira passada todos os convidados estavam correctamente vestidos, mas, se calhar, tão nobre lugar merece o investimento que separa a modesta correcção da excelência. Teresa Cascudo << VOLTAR

21-07-2000

Um Verdi pronto a vestir

A ópera de Giuseppe Verdi "Un Ballo in Maschera" permanecerá no palco do Teatro Nacional de São Carlos até ao próximo dia 29, numa nova produção que teve a sua estreia na quarta-feira passada. Começaremos a sua crítica assinalando uma evidência: Verdi é tão bom, como compositor e como dramaturgo, que, aconteça o que acontecer em palco, as suas óperas acabam sempre por funcionar. Por um lado, personagens com profundidade psicológica e uma música sempre apropriada e, por outro, temas como o amor sacrificado, o poder do além e da magia, a honra traída, prendem a atenção e a emoção do público. A obra contém evidentes sugestões para a encenação, centradas sobretudo nas oposições luz/trevas, dever/paixão, racional/irracional, que foram postas em relevo no trabalho de Stefano Vizioli, que já tinha colaborado como encenador com o São Carlos em temporadas anteriores. Vizioli usou elementos da natureza e detalhes arquitectónicos inspirando-se na paisagem romântica, de maneira que os elementos decorativos neoclássicos, envolvidos pela bruma, podiam ser entendidos como as ruínas do projecto iluminista de Gustavo III da Suécia, o rei assassinado que protagoniza a versão original do libreto da ópera.

A direcção musical de Antonio Pirolli passou-se sem pena nem glória. Trabalhou os trechos com mais efeito da partitura, mas deixou numerosos pormenores ao acaso, tendo faltado sobretudo uma intenção musical eficiente na exposição dos temas musicais que são os fios condutores da ópera. A interpretação do duo protagonista - interpretado por Aprile Millo e Dennis O'Neill - também se passou medianamente, não provocando grandes entusiasmos. Millo e O'Neill estão bastante longe dos melhores momentos das suas carreiras, e, se bem que nas suas vozes haja ainda vislumbres daquela época, na actualidade são profissionais de longa experiência que, contudo, dificilmente conseguem comover a audiência. Ainda por cima, os dotes teatrais de Aprile Millo são muito limitados, o que tornou a sua interpretação bastante monótona.

O actuação do barítono Lado Ataneli foi um dos melhores acontecimentos da noite. Tem uma voz tonitruante, mas bem moldada, e uma boa presença em palco, qualidades que receberam os maiores aplausos e ovações da noite. O resto dos cantores defenderam com empenho as suas partes. Elisabetta Fiorillo foi uma arrepiante Ulrica, mas um incomodativo vibrato na sua voz, fez com que as suas magníficas qualidades dramáticas ficassem um tanto limitadas. A jovem Mariola Cantarero foi um excelente Oscar, e Celestino Varela, Ignasi Gomar, António Silva, Luís Rodrigues e João Miguel Queirós interpretaram de maneira escorreita os seus personagens. Por último, viu-se que - como não poderia deixar de ser - o Coro do Teatro Nacional de São Carlos, sempre bem preparado por João Paulo Santos, gosta de cantar Verdi, já que teve uma das suas melhores actuações desta temporada.

Em conclusão, a produção manteve-se folgadamente dentro dos limites da dignidade, mas não ficará na memória dos assistentes. Afinal, tudo é muito simples: se queremos ópera, temos de a pagar. Se, para complicar as coisas, o dinheiro é pouco, teremos de fazer malabarismos contabilísticos, da mesma maneira que, conforme o estado das nossas finanças, compraremos roupa de pronto-a-vestir ou de estilista, e em consequência, vestidos de uma ou outra maneira, a nossa vivência do mundo e a vivência que o mundo terá de nós serão diferentes. Voltando ao assunto que nos ocupa, "Un Ballo in Maschera" é uma excelente escolha para o encerramento, antes do verão, de uma temporada lírica, mas esse baile podia ter sido organizado para convidados vestidos de diferentes maneiras e, até, com roupa de alta costura. No baile de máscaras que teve lugar no São Carlos na quarta-feira passada todos os convidados estavam correctamente vestidos, mas, se calhar, tão nobre lugar merece o investimento que separa a modesta correcção da excelência. Teresa Cascudo << VOLTAR

marcar artigo