Parsifal, cavaleiro do Graal

20-03-2001
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Parsifal, Cavaleiro do Graal

Por TERESA CASCUDO

Sábado, 10 de Fevereiro de 2001

A última ópera criada por Richard Wagner sobe ao palco do Teatro Nacional de São Carlos. Numa encenação que deixa em aberto as três chaves possíveis para o drama: culpa, salvação ou sabedoria?

Se Richard Wagner vivesse nos nossos dias, seria, muito provavelmente, autor de filmes de culto. Tendo nascido em 1813, dedicou o seu talento à criação de óperas, o meio por ele escolhido para concretizar o ideal da obra de arte total. De facto, foi autor de verdadeiras óperas de culto que alimentaram o imaginário dos seus contemporâneos. Sobretudo as obras que escreveu depois de 1848 tornaram-se referências da cultura da época, inspirando outros compositores, assim como numerosos escritores e pintores.

A profunda fractura provocada pelo fracasso dos sonhos românticos, após o insucesso das revoltas de 1848, fez com que o domínio da arte passasse a reflectir, de maneira sublimada, todas as tensões e as insatisfações sociais, morais e políticas da época. As óperas de Wagner, principalmente as localizadas numa Alemanha lendária ou numa mítica Idade Média, ilustram de certa forma esse mesmo desejo de fugir da realidade. Contudo, os factores que explicam a importância atingida por Wagner e pela sua obra não se esgotam aqui. São muito variados e têm sido analisados segundo as mais diversas perspectivas. Para além da abundante literatura produzida pelo próprio compositor (que inclui uma autobiografia, cuja escrita se prolongou durante cerca de quinze anos), são inumeráveis as crónicas jornalísticas, as críticas, os panegíricos e as monografias académicas que tiveram a sua obra como objecto de estudo ou de invectiva.

No meio da complicada simbologia das óperas de Wagner, onde sempre se tecem diferentes motivos temáticos de importância equivalente, destaca-se o percurso iniciático de Parsifal, guiado unicamente pelo ideal representado pelo Graal e mantendo imaculada a sua pureza, indiferente a todas as tentações. Parsifal, que é em muitos aspectos um exemplo acabado do herói wagneriano, muito próximo de Siegfried, o inocente cavaleiro, cuja vida é dedicada ao Graal, foi visto por muitos dos espectadores da ópera como uma espécie de "alter ego" do compositor. Independentemente do facto de a personagem manter as características próprias das narrativas medievais donde procede - sobretudo o seu carácter "itinerante" -, o certo é que muitos interpretaram a sua história como uma metáfora da vida do artista. Tal aconteceu com o próprio Wagner, que se identificava com a personagem, mas também com figuras tão distantes como o pianista e compositor português José Viana da Mota ou o pintor espanhol Pablo Ruiz Picasso. O próprio Friedrich Nietzsche, após a sua ruptura com o compositor, ficou comovido quando viu pela vez primeira a ópera, comparando o seu autor a Dante e considerando ser esta a obra onde melhor se manifestava o "génio sedutor" do compositor alemão.

A obra também teve os seus detractores, entre os quais é de referir o crítico e escritor G. B. Shaw, que, numa das suas célebres crónicas jornalísticas, afirmava que para apreciar "Parsifal" era preciso ser ou um fanático, ou um filósofo. A ópera foi até interpretada em termos políticos: chegou a correr a história de que o próprio Hitler pensava que era uma encarnação do Klingsor histórico, que supostamente tinha vivido no século IX.

Mas a última ópera de Wagner não se esgota no protagonista. Parsifal, juntamente com as outras personagens (tais como a eterna Kundry, que aspira ao consolo da morte, o culpado Amfortas, buscando a redenção, e o maldoso Klingsor, que cobiça o Graal), faz parte de uma complexa trama, formada por episódios cujo significado oculto transcende as meras anedotas. O compositor retirou inspiração de três lendas: "Parzival" de Wolfram von Eschenbach, "Percival le Gallois, ou Le Conte du Graal", de Chrétien de Troyes, e, por último, "Peredur", um anónimo do século XIV. Leu a obra de Eschenbach em 1845 e serviu-se dela para a criação de "Lohengrin", que se baseia na última secção do poema. Quando voltou ao mesmo texto, tendo como objectivo a composição de uma ópera sobre a personagem de Parsifal, sentiu a necessidade de procurar outros que abordassem o mesmo assunto. Wagner usou ainda diferentes modelos na construção das suas personagens, que foram assimilados de maneira sincrética: assim como Parsifal reúne características da figura de Cristo e de Buda, Kundry toma emprestados traços de Maria Madalena e de Pakriti, uma heroína tirada das lendas budistas, que interessaram o compositor ao ponto de ter tentado criar um drama sobre as mesmas, "Die Sieger".

A composição de "Parsifal" prolongou-se durante várias décadas. Wagner escreveu um primeiro guião para o libreto em 1857. O esboçof+b f-binicial do mesmo data de 1865, tendo sido concluído em 1877. O trabalho de composição durou dois anos, até 1879, a orquestração foi concluída em 1882. A versão final da ópera, denominada pelo seu autor "festival sacro dramático-solene", foi estreada em Bayreuth, a 26 de Julho de 1882. Chegou ao Teatro Nacional de São Carlos a 30 de Fevereiro de 1921, há exactamente 80 anos, e foi representada pela última vez em Portugal em 1980.

Parsifal, Cavaleiro do Graal

Por TERESA CASCUDO

Sábado, 10 de Fevereiro de 2001

A última ópera criada por Richard Wagner sobe ao palco do Teatro Nacional de São Carlos. Numa encenação que deixa em aberto as três chaves possíveis para o drama: culpa, salvação ou sabedoria?

Se Richard Wagner vivesse nos nossos dias, seria, muito provavelmente, autor de filmes de culto. Tendo nascido em 1813, dedicou o seu talento à criação de óperas, o meio por ele escolhido para concretizar o ideal da obra de arte total. De facto, foi autor de verdadeiras óperas de culto que alimentaram o imaginário dos seus contemporâneos. Sobretudo as obras que escreveu depois de 1848 tornaram-se referências da cultura da época, inspirando outros compositores, assim como numerosos escritores e pintores.

A profunda fractura provocada pelo fracasso dos sonhos românticos, após o insucesso das revoltas de 1848, fez com que o domínio da arte passasse a reflectir, de maneira sublimada, todas as tensões e as insatisfações sociais, morais e políticas da época. As óperas de Wagner, principalmente as localizadas numa Alemanha lendária ou numa mítica Idade Média, ilustram de certa forma esse mesmo desejo de fugir da realidade. Contudo, os factores que explicam a importância atingida por Wagner e pela sua obra não se esgotam aqui. São muito variados e têm sido analisados segundo as mais diversas perspectivas. Para além da abundante literatura produzida pelo próprio compositor (que inclui uma autobiografia, cuja escrita se prolongou durante cerca de quinze anos), são inumeráveis as crónicas jornalísticas, as críticas, os panegíricos e as monografias académicas que tiveram a sua obra como objecto de estudo ou de invectiva.

No meio da complicada simbologia das óperas de Wagner, onde sempre se tecem diferentes motivos temáticos de importância equivalente, destaca-se o percurso iniciático de Parsifal, guiado unicamente pelo ideal representado pelo Graal e mantendo imaculada a sua pureza, indiferente a todas as tentações. Parsifal, que é em muitos aspectos um exemplo acabado do herói wagneriano, muito próximo de Siegfried, o inocente cavaleiro, cuja vida é dedicada ao Graal, foi visto por muitos dos espectadores da ópera como uma espécie de "alter ego" do compositor. Independentemente do facto de a personagem manter as características próprias das narrativas medievais donde procede - sobretudo o seu carácter "itinerante" -, o certo é que muitos interpretaram a sua história como uma metáfora da vida do artista. Tal aconteceu com o próprio Wagner, que se identificava com a personagem, mas também com figuras tão distantes como o pianista e compositor português José Viana da Mota ou o pintor espanhol Pablo Ruiz Picasso. O próprio Friedrich Nietzsche, após a sua ruptura com o compositor, ficou comovido quando viu pela vez primeira a ópera, comparando o seu autor a Dante e considerando ser esta a obra onde melhor se manifestava o "génio sedutor" do compositor alemão.

A obra também teve os seus detractores, entre os quais é de referir o crítico e escritor G. B. Shaw, que, numa das suas célebres crónicas jornalísticas, afirmava que para apreciar "Parsifal" era preciso ser ou um fanático, ou um filósofo. A ópera foi até interpretada em termos políticos: chegou a correr a história de que o próprio Hitler pensava que era uma encarnação do Klingsor histórico, que supostamente tinha vivido no século IX.

Mas a última ópera de Wagner não se esgota no protagonista. Parsifal, juntamente com as outras personagens (tais como a eterna Kundry, que aspira ao consolo da morte, o culpado Amfortas, buscando a redenção, e o maldoso Klingsor, que cobiça o Graal), faz parte de uma complexa trama, formada por episódios cujo significado oculto transcende as meras anedotas. O compositor retirou inspiração de três lendas: "Parzival" de Wolfram von Eschenbach, "Percival le Gallois, ou Le Conte du Graal", de Chrétien de Troyes, e, por último, "Peredur", um anónimo do século XIV. Leu a obra de Eschenbach em 1845 e serviu-se dela para a criação de "Lohengrin", que se baseia na última secção do poema. Quando voltou ao mesmo texto, tendo como objectivo a composição de uma ópera sobre a personagem de Parsifal, sentiu a necessidade de procurar outros que abordassem o mesmo assunto. Wagner usou ainda diferentes modelos na construção das suas personagens, que foram assimilados de maneira sincrética: assim como Parsifal reúne características da figura de Cristo e de Buda, Kundry toma emprestados traços de Maria Madalena e de Pakriti, uma heroína tirada das lendas budistas, que interessaram o compositor ao ponto de ter tentado criar um drama sobre as mesmas, "Die Sieger".

A composição de "Parsifal" prolongou-se durante várias décadas. Wagner escreveu um primeiro guião para o libreto em 1857. O esboçof+b f-binicial do mesmo data de 1865, tendo sido concluído em 1877. O trabalho de composição durou dois anos, até 1879, a orquestração foi concluída em 1882. A versão final da ópera, denominada pelo seu autor "festival sacro dramático-solene", foi estreada em Bayreuth, a 26 de Julho de 1882. Chegou ao Teatro Nacional de São Carlos a 30 de Fevereiro de 1921, há exactamente 80 anos, e foi representada pela última vez em Portugal em 1980.

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