expo

22-11-1999
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Homenagem a Sophia de Mello Breyner Uma musa no Teatro Camões A poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen foi homenageada na quarta-feira à noite, no Teatro de Camões da Expo-98, com um espectáculo de poesia encenado pelo também condecorado Luís Miguel Cintra e que culminou com a entrega pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, da Grã Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Esta condecoração foi justificada pela "obra de qualidade ímpar" de Sophia de Mello Breyner, uma obra onde o mar está presente "como um mito e como renovação da vida". Não foi em vão que Sophia escreveu em "Geografia" (1967) versos como estes: "A terra o sol o vento o mar/São minha biografia e são meu rosto". Uma enorme ovação foi dedicada pelo público e partilhada pela própria poetisa que subiu ao palco para aplaudir os actores da Cornucópia e abraçar Luís Miguel Cintra, o encenador e autor da excelente selecção dos textos de Sophia. O espectáculo - intitulado "Austeros Sinais" - permitiu dar uma ampla visão da obra da poetisa na sua temática centrada no mar, nos mitos gregos, na natureza, nos exílios, nas cidades, na liberdade, no sol, num "ofício de poeta para a reconstrução do mundo", numa constante "perseguição do real" como só Sophia sabe fazer: "A minha vida é o mar o Abril a rua/O meu interior é uma atenção voltada para fora/O meu viver escuta/A frase que de coisa em coisa silabada/Grava no espaço e no tempo a sua escrita/Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro/Sabendo que o real o mostrará(...). Foi um espectáculo sóbrio, despido, eficazmente sinalizado por um ambiente grego, de sugestão monumental, da responsabilidade de Cristina Reis, com um magnífico desenho de luz de Daniel Worm. A utilização do espaço e o movimento dos actores encheu o palco dessa dimensão poética de Sophia, esse cântico permanente à vida da poetisa que escreveu: "Quando eu morrer voltarei para buscar os momentos que eu vivi junto do mar". Pena que numa sala (Júlio Verne) com bastantes lugares vagos não fosse permitida a entrada de visitantes interessados em ouvir a poesia da nossa maior poetisa viva. Será que os convidados da Presidência, a quem foram distribuídos todos os bilhetes para a sessão, como disseram ao PÚBLICO responsáveis da Expo, não avisaram que não vinham? A política de convites dados exclusivamente ao mundo Vip já provou que as salas estão quase sempre em parte vazias e impede muita gente - aquela que está mesmo mesmo interessada - de assistir a acontecimentos de qualidade. Na segunda parte da sessão de quarta-feira 10 de Junho, a Orquestra e o Coro Gulbenkian desempenharam com mestria o "Requiem à memória de Camões, Op.23" de João Domingos Bomtempo (1775-1842), com destaque para o maestro Fernando Eldoro, a soprano Elisabeth Matos, a meio-soprano Lilian Bizineck, o tenor Mário Alves e o barítono Luís Rodrigues. Já no final, quando o maestro Eldoro atacava o "Agnus Dei et Communio" (Cordeiro de Deus e Comunhão), e o coro cantava "Requiem aeternam dona eis, domine" (Dá-lhes Senhor o eterno repouso), o fogo de artifício de Christophe Berthonneau rebenta, mesmo ao lado, na Doca dos Olivais. Parecia que o Teatro Camões se estava a desmoronar. Os músicos olharam uns para os outros, o coro sussurrou entre si, o público inquietou-se e o maestro seguiu galhardamente até ao fim, pensando certamente em Bomtempo e Camões, a sair dos seus túmulos. Segundos antes dos agradecimentos, ainda de costas, Fernando Eldoro não queria acreditar que isto lhe tinha acontecido. Abanava a cabeça com algum desalento. Bastava o espectáculo de fogo de artifício ter esperado uns escassos minutos, sabendo os responsáveis da Expo e do dito fogo que, ao lado, na sala Júlio Verne, ainda se celebrava Camões. Rui Ferreira e Sousa (c) Copyright PÚBLICO Comunicação Social, SA Email: publico@publico.pt

Homenagem a Sophia de Mello Breyner Uma musa no Teatro Camões A poetisa Sophia de Mello Breyner Andresen foi homenageada na quarta-feira à noite, no Teatro de Camões da Expo-98, com um espectáculo de poesia encenado pelo também condecorado Luís Miguel Cintra e que culminou com a entrega pelo Presidente da República, Jorge Sampaio, da Grã Cruz da Ordem Militar de Sant'Iago da Espada. Esta condecoração foi justificada pela "obra de qualidade ímpar" de Sophia de Mello Breyner, uma obra onde o mar está presente "como um mito e como renovação da vida". Não foi em vão que Sophia escreveu em "Geografia" (1967) versos como estes: "A terra o sol o vento o mar/São minha biografia e são meu rosto". Uma enorme ovação foi dedicada pelo público e partilhada pela própria poetisa que subiu ao palco para aplaudir os actores da Cornucópia e abraçar Luís Miguel Cintra, o encenador e autor da excelente selecção dos textos de Sophia. O espectáculo - intitulado "Austeros Sinais" - permitiu dar uma ampla visão da obra da poetisa na sua temática centrada no mar, nos mitos gregos, na natureza, nos exílios, nas cidades, na liberdade, no sol, num "ofício de poeta para a reconstrução do mundo", numa constante "perseguição do real" como só Sophia sabe fazer: "A minha vida é o mar o Abril a rua/O meu interior é uma atenção voltada para fora/O meu viver escuta/A frase que de coisa em coisa silabada/Grava no espaço e no tempo a sua escrita/Não trago Deus em mim mas no mundo o procuro/Sabendo que o real o mostrará(...). Foi um espectáculo sóbrio, despido, eficazmente sinalizado por um ambiente grego, de sugestão monumental, da responsabilidade de Cristina Reis, com um magnífico desenho de luz de Daniel Worm. A utilização do espaço e o movimento dos actores encheu o palco dessa dimensão poética de Sophia, esse cântico permanente à vida da poetisa que escreveu: "Quando eu morrer voltarei para buscar os momentos que eu vivi junto do mar". Pena que numa sala (Júlio Verne) com bastantes lugares vagos não fosse permitida a entrada de visitantes interessados em ouvir a poesia da nossa maior poetisa viva. Será que os convidados da Presidência, a quem foram distribuídos todos os bilhetes para a sessão, como disseram ao PÚBLICO responsáveis da Expo, não avisaram que não vinham? A política de convites dados exclusivamente ao mundo Vip já provou que as salas estão quase sempre em parte vazias e impede muita gente - aquela que está mesmo mesmo interessada - de assistir a acontecimentos de qualidade. Na segunda parte da sessão de quarta-feira 10 de Junho, a Orquestra e o Coro Gulbenkian desempenharam com mestria o "Requiem à memória de Camões, Op.23" de João Domingos Bomtempo (1775-1842), com destaque para o maestro Fernando Eldoro, a soprano Elisabeth Matos, a meio-soprano Lilian Bizineck, o tenor Mário Alves e o barítono Luís Rodrigues. Já no final, quando o maestro Eldoro atacava o "Agnus Dei et Communio" (Cordeiro de Deus e Comunhão), e o coro cantava "Requiem aeternam dona eis, domine" (Dá-lhes Senhor o eterno repouso), o fogo de artifício de Christophe Berthonneau rebenta, mesmo ao lado, na Doca dos Olivais. Parecia que o Teatro Camões se estava a desmoronar. Os músicos olharam uns para os outros, o coro sussurrou entre si, o público inquietou-se e o maestro seguiu galhardamente até ao fim, pensando certamente em Bomtempo e Camões, a sair dos seus túmulos. Segundos antes dos agradecimentos, ainda de costas, Fernando Eldoro não queria acreditar que isto lhe tinha acontecido. Abanava a cabeça com algum desalento. Bastava o espectáculo de fogo de artifício ter esperado uns escassos minutos, sabendo os responsáveis da Expo e do dito fogo que, ao lado, na sala Júlio Verne, ainda se celebrava Camões. Rui Ferreira e Sousa (c) Copyright PÚBLICO Comunicação Social, SA Email: publico@publico.pt

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