A Fundação está de volta

24-07-2001
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A Fundação está de volta

• António Filipe

A Fundação para a Prevenção e Segurança, também vulgarmente conhecida como Fundação "Vara-Patrão", está de volta, por via do Inquérito Parlamentar que presentemente decorre. É certo que os contornos essenciais dessa operação de ludibrio das regras mais elementares de gestão pública tornaram-se conhecidas há uns tempos atrás, quando o escândalo rebentou nas páginas dos jornais e quando se realizaram várias audições parlamentares sobre o assunto, e tiveram consequências políticas, traduzidas na demissão do criador da Fundação – Armando Vara – e de um dos seus mais fervorosos defensores – Luís Patrão. Porém, e sem quebrar qualquer dever de confidencialidade, na medida em que os depoimentos feitos perante o Inquérito em curso têm sido públicos, sempre vão aparecendo alguns elementos adicionais que confirmam cabalmente muito do que já se sabia ou suspeitava. Merece a pena por isso realinhar alguns elementos.

Como já se sabia, a Fundação para a Prevenção e Segurança foi uma criação de Armando Vara, ao tempo em que era Secretário de Estado da Administração Interna. Supostamente agastado com os trâmites morosos da gestão pública, o Secretário de Estado descobriu a forma de utilizar os dinheiros de que a sua Secretaria de Estado dispunha para lançar campanhas em torno da segurança rodoviária ou do combate aos fogos florestais, abrindo mão de um expediente tipo "ovo de Colombo". Assim, alguns dos seus directos colaboradores no Ministério e mais algumas pessoas da sua confiança recrutadas na "sociedade civil", trataram de constituir uma Fundação. Mas desde logo com uma diferença: É que, enquanto as Fundações se constituem para afectar um determinado património a determinadas finalidades, esta Fundação tinha a grande particularidade de não ter património, na medida em que só depois de constituída, e de constar da respectiva escritura a existência de um património de 10 mil contos, é que tal quantia lhe foi ofertada pelo MAI, como primeira tranche de um conjunto de transferências que totalizaram algumas centenas de milhares de contos.

Desta forma, as pessoas que deveriam trabalhar no MAI, na realização de acções de prevenção e segurança, faziam-no fora do MAI mas com dinheiros deste, e sem terem de se preocupar minimamente com concursos públicos ou outras maçadas obrigatórias para quem utiliza o dinheiro dos contribuintes. O Ministério da Administração Interna actuava assim, por interposta Fundação, como se fosse um simples particular que se dedicasse a patrocinar campanhas de prevenção, contratando o que muito bem quisesse e com quem quisesse, sem respeitar outras regras que não fossem os seus próprios critérios de escolha.

Sabe-se também que, chegado Fernando Gomes ao Ministério da Administração Interna veio a saber pelos jornais que existia uma Fundação a quem o seu Ministério entregava dinheiros públicos e veio a saber outras coisas, como por exemplo, o facto de uma Adjunta do Secretário de Estado Luís Patrão que emitia pareceres favoráveis à transferência de dinheiros para a Fundação, ser precisamente uma das pessoas habilitadas a movimentar esses dinheiros depois de transferidos. Tal estado de ignorância (extensiva pelos vistos ao seu antecessor Jorge Coelho) e certamente de incredulidade, terão levado Fernando Gomes a decidir suspender as transferências de dinheiros para a Fundação. Mas em vão. Já que o Secretário de Estado Luís Patrão, impedido por ordem ministerial de mandar dinheiro directamente para a Fundação, decidiu fazê-lo por via indirecta, procedendo a transferências para a Prevenção Rodoviária Portuguesa que por sua vez, através de protocolos com a Fundação, se encarregava de fazer o dinheiro chegar ao seu destino.

Dir-se-á que até aqui nada de novo. Estes factos foram revelados nas audições realizadas há uns meses atrás, permitindo mesmo ao ex-Ministro Fernando Gomes ficar a saber que as suas ordens de suspensão dos financiamentos para a Fundação eram torpedeadas pelo seu próprio Secretário de Estado. Porém, há algo que resulta de novo do Inquérito em curso.

Ficamos a saber que o critério de escolha dos fundadores e membros dos corpos gerentes da Fundação não era outro senão o grau de amizade e confiança pessoal com Armando Vara; que a Fundação gastava o dinheiro dos contribuintes com a maior descontracção e informalidade, prescindindo mesmo da existência de contratos escritos; que os corpos gerentes da Fundação tratavam dos assuntos estatutários à mesa do jantar, tendo mesmo Armando Vara como conviva, e se limitavam a assinar de cruz as formalidades estatutárias.

E já agora também ficamos a saber que tanto Luís Patrão como Armando Vara continuam a afirmar a sua convicção de que prestaram um enorme serviço ao país com a criação desta Fundação. E não falta quem o reconheça, já que Armando Vara, impossibilitado por razões óbvias de prestar mais serviços destes ao país como governante, sempre vai fazendo algo pela Pátria como coordenador do PS para as eleições autárquicas.

«Avante!» Nº 1433 - 17.Maio.2001

A Fundação está de volta

• António Filipe

A Fundação para a Prevenção e Segurança, também vulgarmente conhecida como Fundação "Vara-Patrão", está de volta, por via do Inquérito Parlamentar que presentemente decorre. É certo que os contornos essenciais dessa operação de ludibrio das regras mais elementares de gestão pública tornaram-se conhecidas há uns tempos atrás, quando o escândalo rebentou nas páginas dos jornais e quando se realizaram várias audições parlamentares sobre o assunto, e tiveram consequências políticas, traduzidas na demissão do criador da Fundação – Armando Vara – e de um dos seus mais fervorosos defensores – Luís Patrão. Porém, e sem quebrar qualquer dever de confidencialidade, na medida em que os depoimentos feitos perante o Inquérito em curso têm sido públicos, sempre vão aparecendo alguns elementos adicionais que confirmam cabalmente muito do que já se sabia ou suspeitava. Merece a pena por isso realinhar alguns elementos.

Como já se sabia, a Fundação para a Prevenção e Segurança foi uma criação de Armando Vara, ao tempo em que era Secretário de Estado da Administração Interna. Supostamente agastado com os trâmites morosos da gestão pública, o Secretário de Estado descobriu a forma de utilizar os dinheiros de que a sua Secretaria de Estado dispunha para lançar campanhas em torno da segurança rodoviária ou do combate aos fogos florestais, abrindo mão de um expediente tipo "ovo de Colombo". Assim, alguns dos seus directos colaboradores no Ministério e mais algumas pessoas da sua confiança recrutadas na "sociedade civil", trataram de constituir uma Fundação. Mas desde logo com uma diferença: É que, enquanto as Fundações se constituem para afectar um determinado património a determinadas finalidades, esta Fundação tinha a grande particularidade de não ter património, na medida em que só depois de constituída, e de constar da respectiva escritura a existência de um património de 10 mil contos, é que tal quantia lhe foi ofertada pelo MAI, como primeira tranche de um conjunto de transferências que totalizaram algumas centenas de milhares de contos.

Desta forma, as pessoas que deveriam trabalhar no MAI, na realização de acções de prevenção e segurança, faziam-no fora do MAI mas com dinheiros deste, e sem terem de se preocupar minimamente com concursos públicos ou outras maçadas obrigatórias para quem utiliza o dinheiro dos contribuintes. O Ministério da Administração Interna actuava assim, por interposta Fundação, como se fosse um simples particular que se dedicasse a patrocinar campanhas de prevenção, contratando o que muito bem quisesse e com quem quisesse, sem respeitar outras regras que não fossem os seus próprios critérios de escolha.

Sabe-se também que, chegado Fernando Gomes ao Ministério da Administração Interna veio a saber pelos jornais que existia uma Fundação a quem o seu Ministério entregava dinheiros públicos e veio a saber outras coisas, como por exemplo, o facto de uma Adjunta do Secretário de Estado Luís Patrão que emitia pareceres favoráveis à transferência de dinheiros para a Fundação, ser precisamente uma das pessoas habilitadas a movimentar esses dinheiros depois de transferidos. Tal estado de ignorância (extensiva pelos vistos ao seu antecessor Jorge Coelho) e certamente de incredulidade, terão levado Fernando Gomes a decidir suspender as transferências de dinheiros para a Fundação. Mas em vão. Já que o Secretário de Estado Luís Patrão, impedido por ordem ministerial de mandar dinheiro directamente para a Fundação, decidiu fazê-lo por via indirecta, procedendo a transferências para a Prevenção Rodoviária Portuguesa que por sua vez, através de protocolos com a Fundação, se encarregava de fazer o dinheiro chegar ao seu destino.

Dir-se-á que até aqui nada de novo. Estes factos foram revelados nas audições realizadas há uns meses atrás, permitindo mesmo ao ex-Ministro Fernando Gomes ficar a saber que as suas ordens de suspensão dos financiamentos para a Fundação eram torpedeadas pelo seu próprio Secretário de Estado. Porém, há algo que resulta de novo do Inquérito em curso.

Ficamos a saber que o critério de escolha dos fundadores e membros dos corpos gerentes da Fundação não era outro senão o grau de amizade e confiança pessoal com Armando Vara; que a Fundação gastava o dinheiro dos contribuintes com a maior descontracção e informalidade, prescindindo mesmo da existência de contratos escritos; que os corpos gerentes da Fundação tratavam dos assuntos estatutários à mesa do jantar, tendo mesmo Armando Vara como conviva, e se limitavam a assinar de cruz as formalidades estatutárias.

E já agora também ficamos a saber que tanto Luís Patrão como Armando Vara continuam a afirmar a sua convicção de que prestaram um enorme serviço ao país com a criação desta Fundação. E não falta quem o reconheça, já que Armando Vara, impossibilitado por razões óbvias de prestar mais serviços destes ao país como governante, sempre vai fazendo algo pela Pátria como coordenador do PS para as eleições autárquicas.

«Avante!» Nº 1433 - 17.Maio.2001

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