António Guterres KO

07-03-2001
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António Guterres KO

Por EUNICE LOURENÇO E EDUARDO DÂMASO

Sexta-feira, 15 de Dezembro de 2000 A Procuradoria-Geral da República abriu na terça-feira um inquérito de natureza penal à Fundação Vara/Patrão. Ontem, na Assembleia, Guterres sofreu a sua maior derrota parlamentar de sempre, ficando sem respostas para a oposição. Vitimizou-se, como já tinha feito na reunião do secretariado, quando denunciara uma campanha contra a sua pessoa. Mas a Fundação sofre de ilegalidades e as suas contas são uma confusão. Entretanto, nasceu à sombra do Instituto Nacional da Administração a Fundação INA, presidida também por Correia de Campos, abençoada por Jorge Coelho e Luís Patrão, que duplica as funções do Instituto. Fernando Gomes, que já não vai ser embaixador da OCDE, também gostava de fundações. E Luís Patrão, ainda há pouco tempo, dizia que queria "moralizá-las". A Procuradoria Geral da República já abriu um inquérito de natureza penal à Fundação para a Prevenção para a Segurança (FPS). No passado dia 12 deu entrada uma queixa na PGR e o inquérito foi imediatamente aberto. Ao que o PÚBLICO apurou, a queixa não foi, no entanto, apresentada por nenhum partido, apesar de ontem, na Assembleia da República, o presidente do PSD, Durão Barroso, ter anunciado que já tinha enviado uma carta à procuradoria a pedir um inquérito. Um pedido que teve o apoio imediato do primeiro-ministro, António Guterres. Foi, contudo, um primeiro-ministro muito fragilizado aquele que ontem se apresentou ao plenário para dar explicações sobre a polémica Fundação. Perante uma oposição que, em bloco, pediu as demissões de Armando Vara e Luís Patrão, Guterres apresentou-se com um discurso autista, ignorando a questão da responsabilidade política e defendendo que até podem ter sido cometidas ilegalidades, mas nada foi feito com má fé, nem para beneficio próprio dos governantes envolvidos. O primeiro-ministro disse mesmo que só fará a avaliação política dos membros do Governo depois de entidades independentes, como a PGR, darem parecer sobre a legalidade da FPS. Guterres começou o debate, feito a pedido do CDS-PP, por dizer que estava ali no exercício de um direito fundamental, o direito dos inocentes, tentando, assim, apresentar-se no papel de vítima. E passou a explicar como é que teve conhecimento desta fundação, não se esquecendo de incluir o ministro Jorge Coelho nessa história. A primeira vez que ouviu falar da FPS, explicou Guterres, foi quando Fernando Gomes, enquanto ministro da Administração Interna, falou com ele, numa audiência no próprio gabinete do primeiro-ministro, na qual também estava presente Jorge Coelho, então ministro da Presidência e ex-ministro da Administração Interna, cargo que desempenhava quando Vara, seu secretário de Estado, apadrinhou a criação da FPS. "Felizmente [a conversa com Gomes] não foi apenas comigo", acrescentou Guterres, dando Coelho como sua testemunha. Nessa conversa, Gomes manifestou a sua preocupação pelas relações do MAI com a FPS e Guterres assegura que lhe disse para investigar, tendo também interpelado Vara sobre o assunto. O mesmo Vara terá telefonado a Gomes a dizer para que tudo fosse investigado. "Depois do testemunho de Armando Vara e não tendo recebido mais informações por parte do ministro, fiquei tranquilo, como qualquer um de vós ficava", afirmou Guterres, acrescentando que só voltou a ter notícias da fundação precisamente quando ela se tornou notícia. As explicações e a estratégia de vitimização, contudo, não resultaram. A oposição contra-atacou e esteve no seu melhor, enquanto o primeiro-ministro nunca antes tinha estado tão mal num debate parlamentar: entrou à defesa, não teve respostas para os factos com que foi confrontado pelos vários partidos e não conseguiu dar a volta ao discurso, acabando como começou, à defesa, muito à defesa. O primeiro ataque saiu do CDS-PP, com Paulo Portas, eficaz como é seu hábito, a dizer a Guterres que neste, como nos últimos casos que têm fragilizado o Governo, não pode queixar-se da oposição, deve queixar-se é "do seu partido e das pessoas que escolheu para o seu Governo". Portas defendeu que a única solução passa pelas demissões de Vara e Luís Patrão, que o substituiu como secretário de Estado da Administração Interna, e pela suspensão da nomeação de Fernando Gomes para a OCDE. "Para vossa excelência estar aqui a dizer a verdade ele tem de estar a mentir", disse ainda Portas, que já pediu uma audiência ao Presidente da República para discutir este caso e numa segunda intervenção desafiou o primeiro-ministro a apresentar uma moção de confiança na Assembleia. Guterres reafirmou que se estivesse "convencido da culpabilidade" de Vara e Patrão não hesitaria, mas não está. Mas, logo, o secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas recolocou a questão: "Está em causa a responsabilidade política e o sr. primeiro-ministro não pode aceitar a forma como foram geridos dinheiros públicos." Carvalhas deu como exemplos o caso do dinheiro pago para um concertos dos Delfins (ver texto nestas páginas), de 70 mil contos concedidos por Patrão à FPS, através da prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) e de mais uns milhares de contos entregues à Fundação mediante um parecer de Carla Costa, que é ao mesmo tempo assessora do secretário de Estado e membro da FPS. "Os senhores deputados sabem mais do que eu" Guterres entrou, então, no seu pior momento do debate. "Os senhores deputados sabem mais do que eu", disse o primeiro-ministro, garantindo que o último financiamento da FPS tinha sido a 27 de Março deste ano, o que é contrariado de imediato pelo presidente do PSD, Durão Barroso, que garante que o último financiamento, feito através da Prevenção Rodoviária, é de 13 de Setembro e é de 50 mil contos. Durão questionou-o ainda sobre o que pensava do facto de os cartões de boas festas do gabinete do secretário de Estado da Administração Interna, no ano passado, que custaram 234 contos, terem sido custeados pela Fundação. O primeiro-ministro ficou sem resposta, limitando-se a repetir aquela que foi a sua frase mais usada durante o debate: "Pode ter havido erros, mas não houve má-fé". Guterres diria ainda que não é por 234 contos que vai demitir membros do Governo. "Atónito" foi como Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, se declarou face às justificações do primeiro-ministro. Este deputado do BE fez questão de lembrar a Guterres como é que o PS chegou ao Governo: foi porque convenceu os portugueses de que tinha chegado o tempo de ultrapassar o consulado do PSD, que foi fértil em histórias como esta. E Isabel Castro de "Os Verdes" informou o Parlamento que já este ano pediu uma listagem das fundações que recebem apoios estatais, na qual não constava a FPS. Guterres terminaria o debate ainda mais à defesa do que o começou. "Podem acusar os membros do governo de não terem cumprido normas legais, mas não podem acusá-los de compadrio ou de favoritismo políticos", disse o primeiro-ministro, que foi acusado por Carvalhas de ter faltado à verdade neste debate, não por culpa própria, mas porque "lhe deram informações falsas". "O que foi demonstrado devia levá-lo imediatamente a tomar medidas", concluiu o líder comunista, aplaudido por toda a oposição. As medidas seriam as demissões de Vara e Patrão. O próprio Guterres disse que, para a sua imagem, seria bem mais fácil demitir os membros do Governo implicados neste caso, mas que não o faria. O que não disse é que seria mais fácil que eles próprios o fizessem. No PS e no Governo, é crescente o entendimento de que deveria ser o ministro a tomar a iniciativa de se demitir, invocando que quer preservar o Governo dos problemas que a sua presença está a causar. Mas Armando Vara e Luís Patrão não parecem dispostos a apresentar a sua demissão, optando por considerar que este caso é uma cabala contra o Governo (tese já adoptada por Guterres) e que o que é preciso é cerrar fileiras contra a oposição. À saída, Vara afirmou mesmo que, depois deste debate, se sentia "muito bem". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE António Guterres KO

Oposição aponta ilegalidades

EDITORIAL Apodrecimento

Músicos pagos a peso de ouro

Mais uma fundação Coelho-Patrão

Presidente da República com reticências

Diagnóstico sem tratamento

Mais longe da Câmara do Porto

As fundações de Gomes

Um congresso para indignados

António Guterres KO

Por EUNICE LOURENÇO E EDUARDO DÂMASO

Sexta-feira, 15 de Dezembro de 2000 A Procuradoria-Geral da República abriu na terça-feira um inquérito de natureza penal à Fundação Vara/Patrão. Ontem, na Assembleia, Guterres sofreu a sua maior derrota parlamentar de sempre, ficando sem respostas para a oposição. Vitimizou-se, como já tinha feito na reunião do secretariado, quando denunciara uma campanha contra a sua pessoa. Mas a Fundação sofre de ilegalidades e as suas contas são uma confusão. Entretanto, nasceu à sombra do Instituto Nacional da Administração a Fundação INA, presidida também por Correia de Campos, abençoada por Jorge Coelho e Luís Patrão, que duplica as funções do Instituto. Fernando Gomes, que já não vai ser embaixador da OCDE, também gostava de fundações. E Luís Patrão, ainda há pouco tempo, dizia que queria "moralizá-las". A Procuradoria Geral da República já abriu um inquérito de natureza penal à Fundação para a Prevenção para a Segurança (FPS). No passado dia 12 deu entrada uma queixa na PGR e o inquérito foi imediatamente aberto. Ao que o PÚBLICO apurou, a queixa não foi, no entanto, apresentada por nenhum partido, apesar de ontem, na Assembleia da República, o presidente do PSD, Durão Barroso, ter anunciado que já tinha enviado uma carta à procuradoria a pedir um inquérito. Um pedido que teve o apoio imediato do primeiro-ministro, António Guterres. Foi, contudo, um primeiro-ministro muito fragilizado aquele que ontem se apresentou ao plenário para dar explicações sobre a polémica Fundação. Perante uma oposição que, em bloco, pediu as demissões de Armando Vara e Luís Patrão, Guterres apresentou-se com um discurso autista, ignorando a questão da responsabilidade política e defendendo que até podem ter sido cometidas ilegalidades, mas nada foi feito com má fé, nem para beneficio próprio dos governantes envolvidos. O primeiro-ministro disse mesmo que só fará a avaliação política dos membros do Governo depois de entidades independentes, como a PGR, darem parecer sobre a legalidade da FPS. Guterres começou o debate, feito a pedido do CDS-PP, por dizer que estava ali no exercício de um direito fundamental, o direito dos inocentes, tentando, assim, apresentar-se no papel de vítima. E passou a explicar como é que teve conhecimento desta fundação, não se esquecendo de incluir o ministro Jorge Coelho nessa história. A primeira vez que ouviu falar da FPS, explicou Guterres, foi quando Fernando Gomes, enquanto ministro da Administração Interna, falou com ele, numa audiência no próprio gabinete do primeiro-ministro, na qual também estava presente Jorge Coelho, então ministro da Presidência e ex-ministro da Administração Interna, cargo que desempenhava quando Vara, seu secretário de Estado, apadrinhou a criação da FPS. "Felizmente [a conversa com Gomes] não foi apenas comigo", acrescentou Guterres, dando Coelho como sua testemunha. Nessa conversa, Gomes manifestou a sua preocupação pelas relações do MAI com a FPS e Guterres assegura que lhe disse para investigar, tendo também interpelado Vara sobre o assunto. O mesmo Vara terá telefonado a Gomes a dizer para que tudo fosse investigado. "Depois do testemunho de Armando Vara e não tendo recebido mais informações por parte do ministro, fiquei tranquilo, como qualquer um de vós ficava", afirmou Guterres, acrescentando que só voltou a ter notícias da fundação precisamente quando ela se tornou notícia. As explicações e a estratégia de vitimização, contudo, não resultaram. A oposição contra-atacou e esteve no seu melhor, enquanto o primeiro-ministro nunca antes tinha estado tão mal num debate parlamentar: entrou à defesa, não teve respostas para os factos com que foi confrontado pelos vários partidos e não conseguiu dar a volta ao discurso, acabando como começou, à defesa, muito à defesa. O primeiro ataque saiu do CDS-PP, com Paulo Portas, eficaz como é seu hábito, a dizer a Guterres que neste, como nos últimos casos que têm fragilizado o Governo, não pode queixar-se da oposição, deve queixar-se é "do seu partido e das pessoas que escolheu para o seu Governo". Portas defendeu que a única solução passa pelas demissões de Vara e Luís Patrão, que o substituiu como secretário de Estado da Administração Interna, e pela suspensão da nomeação de Fernando Gomes para a OCDE. "Para vossa excelência estar aqui a dizer a verdade ele tem de estar a mentir", disse ainda Portas, que já pediu uma audiência ao Presidente da República para discutir este caso e numa segunda intervenção desafiou o primeiro-ministro a apresentar uma moção de confiança na Assembleia. Guterres reafirmou que se estivesse "convencido da culpabilidade" de Vara e Patrão não hesitaria, mas não está. Mas, logo, o secretário-geral do PCP, Carlos Carvalhas recolocou a questão: "Está em causa a responsabilidade política e o sr. primeiro-ministro não pode aceitar a forma como foram geridos dinheiros públicos." Carvalhas deu como exemplos o caso do dinheiro pago para um concertos dos Delfins (ver texto nestas páginas), de 70 mil contos concedidos por Patrão à FPS, através da prevenção Rodoviária Portuguesa (PRP) e de mais uns milhares de contos entregues à Fundação mediante um parecer de Carla Costa, que é ao mesmo tempo assessora do secretário de Estado e membro da FPS. "Os senhores deputados sabem mais do que eu" Guterres entrou, então, no seu pior momento do debate. "Os senhores deputados sabem mais do que eu", disse o primeiro-ministro, garantindo que o último financiamento da FPS tinha sido a 27 de Março deste ano, o que é contrariado de imediato pelo presidente do PSD, Durão Barroso, que garante que o último financiamento, feito através da Prevenção Rodoviária, é de 13 de Setembro e é de 50 mil contos. Durão questionou-o ainda sobre o que pensava do facto de os cartões de boas festas do gabinete do secretário de Estado da Administração Interna, no ano passado, que custaram 234 contos, terem sido custeados pela Fundação. O primeiro-ministro ficou sem resposta, limitando-se a repetir aquela que foi a sua frase mais usada durante o debate: "Pode ter havido erros, mas não houve má-fé". Guterres diria ainda que não é por 234 contos que vai demitir membros do Governo. "Atónito" foi como Luís Fazenda, do Bloco de Esquerda, se declarou face às justificações do primeiro-ministro. Este deputado do BE fez questão de lembrar a Guterres como é que o PS chegou ao Governo: foi porque convenceu os portugueses de que tinha chegado o tempo de ultrapassar o consulado do PSD, que foi fértil em histórias como esta. E Isabel Castro de "Os Verdes" informou o Parlamento que já este ano pediu uma listagem das fundações que recebem apoios estatais, na qual não constava a FPS. Guterres terminaria o debate ainda mais à defesa do que o começou. "Podem acusar os membros do governo de não terem cumprido normas legais, mas não podem acusá-los de compadrio ou de favoritismo políticos", disse o primeiro-ministro, que foi acusado por Carvalhas de ter faltado à verdade neste debate, não por culpa própria, mas porque "lhe deram informações falsas". "O que foi demonstrado devia levá-lo imediatamente a tomar medidas", concluiu o líder comunista, aplaudido por toda a oposição. As medidas seriam as demissões de Vara e Patrão. O próprio Guterres disse que, para a sua imagem, seria bem mais fácil demitir os membros do Governo implicados neste caso, mas que não o faria. O que não disse é que seria mais fácil que eles próprios o fizessem. No PS e no Governo, é crescente o entendimento de que deveria ser o ministro a tomar a iniciativa de se demitir, invocando que quer preservar o Governo dos problemas que a sua presença está a causar. Mas Armando Vara e Luís Patrão não parecem dispostos a apresentar a sua demissão, optando por considerar que este caso é uma cabala contra o Governo (tese já adoptada por Guterres) e que o que é preciso é cerrar fileiras contra a oposição. À saída, Vara afirmou mesmo que, depois deste debate, se sentia "muito bem". OUTROS TÍTULOS EM DESTAQUE António Guterres KO

Oposição aponta ilegalidades

EDITORIAL Apodrecimento

Músicos pagos a peso de ouro

Mais uma fundação Coelho-Patrão

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Mais longe da Câmara do Porto

As fundações de Gomes

Um congresso para indignados

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