O Independente

19-06-2000
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Quem semeia brisas

Pedro Fernandes pfernandes@mail.soci.pt

O silêncio da Antram pago pelo Governo na forma de descontos nas portagens das auto-estradas pode custar, no limite, mais de 600 milhões de contos aos cofres do Estado. Este valor foi calculado por consultores exteriores à Brisa, com o seu apoio e a seu mandato, e faz parte de um conjunto de documentos sobre a matéria a que O Independente teve acesso, inclusivamente troca de correspondência entre a empresa e o secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, Luís Parreirão. Tudo na sequência da subida dos combustíveis e da exigências das empresas de transporte de mercadorias, que ameaçaram paralisar o país e ensurdecer a população com um megabuzinão.

Trata-se efectivamente do cenário mais dramático – mas que, em todo o caso, preocupa a empresa concessionária das auto-estradas e, portanto, mereceu uma análise pormenorizada e alguns alertas da Brisa ao Executivo socialista. Os consultores, para atingir aquele montante, ponderaram vários factores, entre os quais a concessão de 30 anos; o valor da indemnização já negociada pelo ministro Joaquim Pina Moura e executada pelo ministro Jorge Coelho para as classes 3 e 4 (transporte de mercadorias); o alargamento dos descontos a todas as classes, portanto também 1 e 2; desconto para todas classes de 24,3% e, em período nocturno de 50% para as classes 3 e 4.

Como é óbvio, os consultores admitem como hipótese uma contestação generalizada de todas as classes de utentes da Brisa, dado os descontos já aprovados pelo Executivo significarem, na prática, que os veículos da classe 3 pagam menos que os da classe 2, o que, “desvirtuando o princípio consignado no contrato de concessão e provocando sentimentos de desconforto nos proprietários dos veículos não contemplados” – refere o memorandum enviado pela Brisa a Luís Parreirão – pode levar, em última análise, ao alargamento dos descontos a todas as classes. É este o pressuposto dos estudos.

Por outras palavras, é previsível que quando os utentes das classes 1 e 2 se aperceberem de que os veículos da classe 3, com os descontos aprovados, pagam menos pelo mesmo serviço, venham a reclamar idêntico tratamento, ou seja, descontos proporcionais. Dificilmente o Governo poderá negar-lhes essa exigência, por incapacidade de argumentação. O contrário seria admitir que há dois pesos e duas medidas, o que politicamente parece impossível ou gerador de uma enorme movimentação popular com efeitos negativos na opinião pública portuguesa.

E a confirmar a movimentação das entidades interessadas no alargamento dos descontos, a Antram já reivindicou o abaixamento das tarifas para os veículos de 3500 kg, que se integram na classe 2, bem como a Antrop. Se o Governo vier a incluir a classe 2 nos descontos, com o argumento de que não se pode prejudicar a actividade económica, não tem espaço de manobra para negar igual medida dirigida aos utentes da classe 1, que utilizam a sua viatura em serviço.

E quanto mais abrangentes forem os descontos maior a indemnização compensatória que o Estado tem de pagar à Brisa, uma empresa privada, cotada em bolsa, onde o Estado é um accionista minoritário. Em 1999, recorde-se, as receitas da Brisa tinham a seguinte origem: classe 1 - 63,5%; classe 2 - 24,1%; classe 3 - 2,1%; classe 4 - 10,3%.

Naturalmente, Brisa e consultores admitem outra hipótese. A de que a aplicação dos descontos termine quando o preço do barril de crude baixe e permita a liberalização dos preços dos combustíveis, “o que já foi admitido pelo Senhor Ministro da Economia e Finanças. Isto é, o abaixamento do valor das tarifas seria expressamente temporário, e só duraria enquanto a crise motivada pelo aumento dos combustíveis o justificasse”, refere o estudo. O maior problema é que o preço do crude, depois de uma ligeira quebra, está novamente em alta, o que remete para as calendas a descida dos combustíveis e o fim dos descontos. Como a Brisa é privada e está cotada em bolsa, tem de equacionar todos os cenários, mesmo que especulativos, e obter do Estado a indemnização correcta.

Para além dos consultores exteriores, também o memorandum da Brisa a Luís Parreirão refere o cenário mais odioso para o Estado. Designadamente o alargamento dos “descontos agora aprovados para as classes 3 e 4 (no período nocturno 50% e entre as 10h00 e as 16h00 de 30%) à classe 2”. O que significa que “os valores a considerar seriam afectados de um multiplicador de cerca de 2,6: 382,2 milhões de contos, a preços correntes, até ao final do contrato (30 anos), e 79,1 milhões de contos de valor actualizado à taxa de 9% ao ano”.

Colateralmente às centenas de milhões de contos em jogo, a Brisa alerta para outro tipo de problemas, estes de ordem técnica: “O sistema Via Verde não está em condições de aplicar, no imediato, os descontos em mais de um período e com separação entre a Brisa, a AENOR e a Auto-Estradas do Atlântico. A curto prazo, estes descontos poderão ser processados também no período diurno, mas apenas se se considerarem as três concessionárias. A separação das respectivas receitas de portagem só deverá ser possível dentro de dois/três meses”, pode ler-se no memorandum, datado de São Domingos de Rana, 7 de Maio de 2000. Resumindo, ou o Estado paga, ou vai ter de aguentar uma revolução sem precedentes e memória.

Quem semeia brisas

Pedro Fernandes pfernandes@mail.soci.pt

O silêncio da Antram pago pelo Governo na forma de descontos nas portagens das auto-estradas pode custar, no limite, mais de 600 milhões de contos aos cofres do Estado. Este valor foi calculado por consultores exteriores à Brisa, com o seu apoio e a seu mandato, e faz parte de um conjunto de documentos sobre a matéria a que O Independente teve acesso, inclusivamente troca de correspondência entre a empresa e o secretário de Estado Adjunto e das Obras Públicas, Luís Parreirão. Tudo na sequência da subida dos combustíveis e da exigências das empresas de transporte de mercadorias, que ameaçaram paralisar o país e ensurdecer a população com um megabuzinão.

Trata-se efectivamente do cenário mais dramático – mas que, em todo o caso, preocupa a empresa concessionária das auto-estradas e, portanto, mereceu uma análise pormenorizada e alguns alertas da Brisa ao Executivo socialista. Os consultores, para atingir aquele montante, ponderaram vários factores, entre os quais a concessão de 30 anos; o valor da indemnização já negociada pelo ministro Joaquim Pina Moura e executada pelo ministro Jorge Coelho para as classes 3 e 4 (transporte de mercadorias); o alargamento dos descontos a todas as classes, portanto também 1 e 2; desconto para todas classes de 24,3% e, em período nocturno de 50% para as classes 3 e 4.

Como é óbvio, os consultores admitem como hipótese uma contestação generalizada de todas as classes de utentes da Brisa, dado os descontos já aprovados pelo Executivo significarem, na prática, que os veículos da classe 3 pagam menos que os da classe 2, o que, “desvirtuando o princípio consignado no contrato de concessão e provocando sentimentos de desconforto nos proprietários dos veículos não contemplados” – refere o memorandum enviado pela Brisa a Luís Parreirão – pode levar, em última análise, ao alargamento dos descontos a todas as classes. É este o pressuposto dos estudos.

Por outras palavras, é previsível que quando os utentes das classes 1 e 2 se aperceberem de que os veículos da classe 3, com os descontos aprovados, pagam menos pelo mesmo serviço, venham a reclamar idêntico tratamento, ou seja, descontos proporcionais. Dificilmente o Governo poderá negar-lhes essa exigência, por incapacidade de argumentação. O contrário seria admitir que há dois pesos e duas medidas, o que politicamente parece impossível ou gerador de uma enorme movimentação popular com efeitos negativos na opinião pública portuguesa.

E a confirmar a movimentação das entidades interessadas no alargamento dos descontos, a Antram já reivindicou o abaixamento das tarifas para os veículos de 3500 kg, que se integram na classe 2, bem como a Antrop. Se o Governo vier a incluir a classe 2 nos descontos, com o argumento de que não se pode prejudicar a actividade económica, não tem espaço de manobra para negar igual medida dirigida aos utentes da classe 1, que utilizam a sua viatura em serviço.

E quanto mais abrangentes forem os descontos maior a indemnização compensatória que o Estado tem de pagar à Brisa, uma empresa privada, cotada em bolsa, onde o Estado é um accionista minoritário. Em 1999, recorde-se, as receitas da Brisa tinham a seguinte origem: classe 1 - 63,5%; classe 2 - 24,1%; classe 3 - 2,1%; classe 4 - 10,3%.

Naturalmente, Brisa e consultores admitem outra hipótese. A de que a aplicação dos descontos termine quando o preço do barril de crude baixe e permita a liberalização dos preços dos combustíveis, “o que já foi admitido pelo Senhor Ministro da Economia e Finanças. Isto é, o abaixamento do valor das tarifas seria expressamente temporário, e só duraria enquanto a crise motivada pelo aumento dos combustíveis o justificasse”, refere o estudo. O maior problema é que o preço do crude, depois de uma ligeira quebra, está novamente em alta, o que remete para as calendas a descida dos combustíveis e o fim dos descontos. Como a Brisa é privada e está cotada em bolsa, tem de equacionar todos os cenários, mesmo que especulativos, e obter do Estado a indemnização correcta.

Para além dos consultores exteriores, também o memorandum da Brisa a Luís Parreirão refere o cenário mais odioso para o Estado. Designadamente o alargamento dos “descontos agora aprovados para as classes 3 e 4 (no período nocturno 50% e entre as 10h00 e as 16h00 de 30%) à classe 2”. O que significa que “os valores a considerar seriam afectados de um multiplicador de cerca de 2,6: 382,2 milhões de contos, a preços correntes, até ao final do contrato (30 anos), e 79,1 milhões de contos de valor actualizado à taxa de 9% ao ano”.

Colateralmente às centenas de milhões de contos em jogo, a Brisa alerta para outro tipo de problemas, estes de ordem técnica: “O sistema Via Verde não está em condições de aplicar, no imediato, os descontos em mais de um período e com separação entre a Brisa, a AENOR e a Auto-Estradas do Atlântico. A curto prazo, estes descontos poderão ser processados também no período diurno, mas apenas se se considerarem as três concessionárias. A separação das respectivas receitas de portagem só deverá ser possível dentro de dois/três meses”, pode ler-se no memorandum, datado de São Domingos de Rana, 7 de Maio de 2000. Resumindo, ou o Estado paga, ou vai ter de aguentar uma revolução sem precedentes e memória.

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