«Avante!» Nº 1366

16-03-2002
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Originalidades

A semana que agora termina brindou-nos com algumas originalidades, tanto domésticas como internacionais.

Em primeiro plano nos nossos telejornais, prosseguiu o espectáculo da liderança que o PSD mantém em cena com grande sucesso. Desta vez, o grande protagonista foi Eurico de Melo, que apresentou um quadro de recorte dental ao oferecer-se para candidato presidencial do partido. «Elegei-me e este estado de coisas há de morrer às minhas dentadas políticas!», rugiu ao jantar o patriarca, exibindo uma admirável confiança na sua dentadura com uns não menos invejáveis 75 anos de mastigação. Esta energia maxilar de Eurico de Melo deixou «este estado de coisas» na incerta posição de um bife com ovo a cavalo e foi expressamente apresentada, pelo próprio, ao serviço da recandidatura de Durão Barroso à chefia do partido.

Entusiasmado por um jantar de apoio que levava a solidariedade à expressão literal da dentada, o presidente da distrital do Porto do PSD, Valentim Loureiro, achou apropriado servir Durão Barroso com a bancária metáfora de que «você tem no Porto uma conta-corrente caucionada sem limite de crédito», isto após ter trocado o nome de Durão Barroso pelo de Pedro Santana Lopes.

Vendo-se assim apoiado pela pulsão carnívora de Eurico de Melo e o crédito ilimitado de Valentim Loureiro, consta que Durão Barroso mordeu a língua.

Quem não mordeu nem dobrou a língua foi Luís Marques Mendes, outro aspirante à liderança do PSD que, em mais uns jantares de apoio à sua candidatura, acusou Durão Barroso de «se entreter em jogos florais e querelas internas», coisa em que, pelos vistos, ele próprio não se entretém, pois pratica-o em dedicação exclusiva.

Quanto a Pedro Santana Lopes, o terceiro aspirante à liderança, continua igualmente a coleccionar jantares de apoio com lauta companhia e grande apetite, clamando aos quatro ventos que se constitui a si próprio como a «terceira via» do partido. Deve estar a referir-se ao seu hábito político de prometer tudo para melhor não cumprir nada, que é mais ou menos o que faz o pessoal das «terceiras vias» que joga à sua esquerda.

Perante isto, uma coisa é certa: se não se despacham a eleger um líder que se conserve mais de seis meses, um dia destes acabam os jantares de apoio no PSD porque ninguém cabe na porta.

Enquanto o PSD se entretém a si próprio e ao país com as suas jantaradas, o PS instala-se confortavelmente à mesa do Orçamento para mostrar como se comporta uma «terceira via» a sério: da prometida reforma fiscal que iria moralizar o sistema resultou uma proposta de Orçamento que onera os pagantes do costume e alivia os relapsos de todos os matizes.

Lá fora, avultou esta semana a deliberação da maior multinacional automóvel de França em eliminar seis mil postos de trabalho e «deslocalizar» várias das suas empresas para países de Leste e América Latina, onde a mão de obra é mais barata e os lucros maiores, a par da eminente subida ao poder na Áustria de um partido neonazi.

No primeiro caso, os despedimentos e a deslocalização das fábricas em França surgem na sequência da duplicação dos lucros obtidos o ano passado pela multinacional, enquanto o ascenso neonazi na Áustria assenta na demagogia xenófoba explorando eleitoralmente o aumento... do desemprego.

E agora digam lá se isto não anda tudo ligado. E pela «terceira via», que se está a confirmar como o atalho mais curto para velhos caminhos... — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1366 - 3.Fevereiro.2000

Originalidades

A semana que agora termina brindou-nos com algumas originalidades, tanto domésticas como internacionais.

Em primeiro plano nos nossos telejornais, prosseguiu o espectáculo da liderança que o PSD mantém em cena com grande sucesso. Desta vez, o grande protagonista foi Eurico de Melo, que apresentou um quadro de recorte dental ao oferecer-se para candidato presidencial do partido. «Elegei-me e este estado de coisas há de morrer às minhas dentadas políticas!», rugiu ao jantar o patriarca, exibindo uma admirável confiança na sua dentadura com uns não menos invejáveis 75 anos de mastigação. Esta energia maxilar de Eurico de Melo deixou «este estado de coisas» na incerta posição de um bife com ovo a cavalo e foi expressamente apresentada, pelo próprio, ao serviço da recandidatura de Durão Barroso à chefia do partido.

Entusiasmado por um jantar de apoio que levava a solidariedade à expressão literal da dentada, o presidente da distrital do Porto do PSD, Valentim Loureiro, achou apropriado servir Durão Barroso com a bancária metáfora de que «você tem no Porto uma conta-corrente caucionada sem limite de crédito», isto após ter trocado o nome de Durão Barroso pelo de Pedro Santana Lopes.

Vendo-se assim apoiado pela pulsão carnívora de Eurico de Melo e o crédito ilimitado de Valentim Loureiro, consta que Durão Barroso mordeu a língua.

Quem não mordeu nem dobrou a língua foi Luís Marques Mendes, outro aspirante à liderança do PSD que, em mais uns jantares de apoio à sua candidatura, acusou Durão Barroso de «se entreter em jogos florais e querelas internas», coisa em que, pelos vistos, ele próprio não se entretém, pois pratica-o em dedicação exclusiva.

Quanto a Pedro Santana Lopes, o terceiro aspirante à liderança, continua igualmente a coleccionar jantares de apoio com lauta companhia e grande apetite, clamando aos quatro ventos que se constitui a si próprio como a «terceira via» do partido. Deve estar a referir-se ao seu hábito político de prometer tudo para melhor não cumprir nada, que é mais ou menos o que faz o pessoal das «terceiras vias» que joga à sua esquerda.

Perante isto, uma coisa é certa: se não se despacham a eleger um líder que se conserve mais de seis meses, um dia destes acabam os jantares de apoio no PSD porque ninguém cabe na porta.

Enquanto o PSD se entretém a si próprio e ao país com as suas jantaradas, o PS instala-se confortavelmente à mesa do Orçamento para mostrar como se comporta uma «terceira via» a sério: da prometida reforma fiscal que iria moralizar o sistema resultou uma proposta de Orçamento que onera os pagantes do costume e alivia os relapsos de todos os matizes.

Lá fora, avultou esta semana a deliberação da maior multinacional automóvel de França em eliminar seis mil postos de trabalho e «deslocalizar» várias das suas empresas para países de Leste e América Latina, onde a mão de obra é mais barata e os lucros maiores, a par da eminente subida ao poder na Áustria de um partido neonazi.

No primeiro caso, os despedimentos e a deslocalização das fábricas em França surgem na sequência da duplicação dos lucros obtidos o ano passado pela multinacional, enquanto o ascenso neonazi na Áustria assenta na demagogia xenófoba explorando eleitoralmente o aumento... do desemprego.

E agora digam lá se isto não anda tudo ligado. E pela «terceira via», que se está a confirmar como o atalho mais curto para velhos caminhos... — Henrique Custódio

«Avante!» Nº 1366 - 3.Fevereiro.2000

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