Os berloques da esquerda

16-06-2000
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«Talvez uma cerveja em garrafa, e uns amendoins...» - sugeriu Francisco Louçã, também encostado ao balcão, ao lado de Fazenda.

«Cerveja em garrafa, sim...» - confirmou Sebastião, mais animado, dirigindo-se já para o frigorífico. - «E uns amendoins salgados também!»

«Não quero cerveja em garrafa, nem amendoins salgados!» - bramou Luís Fazenda, travando os movimentos do «barman». - «Um deputado do povo, eleito pelo povo, não tem de se vergar aos gostos burgueses!»

«Amendoins salgados e cerveja lourinha...» - repisou Fazenda, irónico. E voltando logo a afivelar uma expressão dura, resmungou: «Eu bem dizia que não devíamos pôr os pés nestas espeluncas capitalistas...»

«Mas não podemos passar a vida sempre no Frágil, a beber cervejas com o nosso eleitorado!» - desculpava-se Francisco Louçã, na defensiva. - «Agora, que somos deputados, temos de frequentar os centros do poder, e exercer aqui a nossa influência...»

«Eu borrifo-me para o Frágil e para o nosso eleitorado!» - clamou Luís Fazenda, impaciente. - «Eu quero ser um deputado do povo, e comportar-me como o povo!»

«E como é que se comporta o povo?» - inquiriu Sebastião, num sussurro perscrutador.

Fazenda descarregou sobre ele um olhar fulminante. E atirou, arrevesado: «Um bagaço! Sirva-me um bagaço!»

«Talvez uma boa bagaceira velha da Aveleda...» - propôs Sebastião, contrafeito.

«O povo não bebe bagaceiras - bebe bagaços!» -berrou Fazenda, enfastiado, fazendo com que vários clientes do bar se virassem para si. -«Irra! Não quero essas mariquices!»

«Chiu, chiu, chiu!» - alarmou-se Francisco Louçã, a puxar o companheiro, para o esconder dos olhares alheios. - «Além de estares a ser politicamente incorrecto, ofendes o nosso eleitorado. Por esse caminho, qualquer dia não nos deixam entrar no Frágil!»

«Já disse que me estou a borrifar para o nosso eleitorado e para o Frágil!» - cuspiu Fazenda, cada vez mais impaciente. - «Sou um deputado do povo! E detesto mariquices!»

«Mas nós somos uma esquerda moderna e tolerante, aberta a todas as mariquices!» - era a voz suave e persuasiva de Miguel Portas, que entrava nesse momento com Fernando Rosas.

«Até defendemos as uniões de facto para os maricas!» - apoiou-o Rosas.

«Maricas, não, que é politicamente incorrecto!» - apressou-se a ressalvar Louçã. - «Homossexuais! Nós defendemos as uniões de facto para os homossexuais, e por maioria de razão aceitamos as bebidas de que eles gostam, quer seja no Frágil quer seja no Grémio!»

«Tretas!» -desabafou Fazenda. - «O grande José Staline, se ainda pudesse, mandava-os todos para a Sibéria, e ainda fechava estes antros burgueses, e fazia deles creches gratuitas para os filhos do povo!»

«Mas os filhos não iam todos para Sibéria com os pais?» - quis saber Sabastião, com uma curiosidade serviçal.

Luís Fazenda conteve com esforço uma cólera faiscante. E ainda com os olhos semicerrados, a expressão toda arrepanhada, sibilou matraqueadamente: «Um copo de três! Arranje-me um carrascão alentejano, num copo de três!»

O «barman» alvitrou, com indisfarçável incómodo: «Talvez uma meia garrafinha de Monsaraz tinto, ou de Porta da Rave...»

«Irra!» - cortou Fazenda, numa indignação biliosa, virando-se para os seus companheiros de partido: «Porque é que quiseram vir fazer uma reunião num sítio onde só oiço insolências pequeno-burguesas?!»

Relatos do PEDRO BRAGANÇA

«Talvez uma cerveja em garrafa, e uns amendoins...» - sugeriu Francisco Louçã, também encostado ao balcão, ao lado de Fazenda.

«Cerveja em garrafa, sim...» - confirmou Sebastião, mais animado, dirigindo-se já para o frigorífico. - «E uns amendoins salgados também!»

«Não quero cerveja em garrafa, nem amendoins salgados!» - bramou Luís Fazenda, travando os movimentos do «barman». - «Um deputado do povo, eleito pelo povo, não tem de se vergar aos gostos burgueses!»

«Amendoins salgados e cerveja lourinha...» - repisou Fazenda, irónico. E voltando logo a afivelar uma expressão dura, resmungou: «Eu bem dizia que não devíamos pôr os pés nestas espeluncas capitalistas...»

«Mas não podemos passar a vida sempre no Frágil, a beber cervejas com o nosso eleitorado!» - desculpava-se Francisco Louçã, na defensiva. - «Agora, que somos deputados, temos de frequentar os centros do poder, e exercer aqui a nossa influência...»

«Eu borrifo-me para o Frágil e para o nosso eleitorado!» - clamou Luís Fazenda, impaciente. - «Eu quero ser um deputado do povo, e comportar-me como o povo!»

«E como é que se comporta o povo?» - inquiriu Sebastião, num sussurro perscrutador.

Fazenda descarregou sobre ele um olhar fulminante. E atirou, arrevesado: «Um bagaço! Sirva-me um bagaço!»

«Talvez uma boa bagaceira velha da Aveleda...» - propôs Sebastião, contrafeito.

«O povo não bebe bagaceiras - bebe bagaços!» -berrou Fazenda, enfastiado, fazendo com que vários clientes do bar se virassem para si. -«Irra! Não quero essas mariquices!»

«Chiu, chiu, chiu!» - alarmou-se Francisco Louçã, a puxar o companheiro, para o esconder dos olhares alheios. - «Além de estares a ser politicamente incorrecto, ofendes o nosso eleitorado. Por esse caminho, qualquer dia não nos deixam entrar no Frágil!»

«Já disse que me estou a borrifar para o nosso eleitorado e para o Frágil!» - cuspiu Fazenda, cada vez mais impaciente. - «Sou um deputado do povo! E detesto mariquices!»

«Mas nós somos uma esquerda moderna e tolerante, aberta a todas as mariquices!» - era a voz suave e persuasiva de Miguel Portas, que entrava nesse momento com Fernando Rosas.

«Até defendemos as uniões de facto para os maricas!» - apoiou-o Rosas.

«Maricas, não, que é politicamente incorrecto!» - apressou-se a ressalvar Louçã. - «Homossexuais! Nós defendemos as uniões de facto para os homossexuais, e por maioria de razão aceitamos as bebidas de que eles gostam, quer seja no Frágil quer seja no Grémio!»

«Tretas!» -desabafou Fazenda. - «O grande José Staline, se ainda pudesse, mandava-os todos para a Sibéria, e ainda fechava estes antros burgueses, e fazia deles creches gratuitas para os filhos do povo!»

«Mas os filhos não iam todos para Sibéria com os pais?» - quis saber Sabastião, com uma curiosidade serviçal.

Luís Fazenda conteve com esforço uma cólera faiscante. E ainda com os olhos semicerrados, a expressão toda arrepanhada, sibilou matraqueadamente: «Um copo de três! Arranje-me um carrascão alentejano, num copo de três!»

O «barman» alvitrou, com indisfarçável incómodo: «Talvez uma meia garrafinha de Monsaraz tinto, ou de Porta da Rave...»

«Irra!» - cortou Fazenda, numa indignação biliosa, virando-se para os seus companheiros de partido: «Porque é que quiseram vir fazer uma reunião num sítio onde só oiço insolências pequeno-burguesas?!»

Relatos do PEDRO BRAGANÇA

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