EXPRESSO: Opinião

22-03-2002
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O Estado, o PS e a Igreja

«Com o PS republicano e laico dirigido por Mário Soares, nunca houve atritos com a Igreja Católica. Foram os socialistas republicanos e laicos, liderados por Edmundo Pedro, que defenderam a sede do Patriarcado quando esta foi atacada no verão de 75. Foi o I Governo socialista que indemnizou, por meu intermédio, a Rádio Renascença. E subsidiou, então, a Universidade Católica. O pior erro que o PS poderia cometer seria o de inventar um conflito com a Igreja Católica. Porquê agora?»

NÃO sou jacobino, nem fui eu quem tomou a iniciativa de suscitar a questão da liberdade religiosa. Também não sou adepto de soluções radicais nem desejo reeditar guerras arcaicas. Mas não pretendo ver renascer arcaísmos de sinal contrário.

Como afirma o professor Antunes Varela, citado por José Vera Jardim no Preâmbulo do Projecto de Lei de Liberdade Religiosa, «a Concordata é um instrumento jurídico-político que necessita de urgente revisão por assentar em pressupostos históricos ultrapassados pelas circunstâncias», razão pela qual, antes de legislar, «o primeiro passo deveria consistir nessa revisão». Por esse mesmo motivo, em 1970, Francisco Sá Carneiro perguntava ao Governo que diligências tinham sido efectuadas no sentido de se iniciarem negociações com a Santa Sé com vista à revisão da Concordata. E o Bispo do Porto, no seu exílio, chamou à Concordata de então uma Concordata clerical e ao regime salazarista uma ditadura católica. Não me parece que qualquer dos portugueses atrás citados possa ser considerado jacobino.

A Itália e a Espanha seguiram caminho inverso ao nosso: fizeram primeiro a revisão e substituíram as respectivas Concordatas por acordos com a Igreja Católica. Ora, o quadro legislativo que regula em Portugal as relações entre o Estado e as igrejas, designadamente a Igreja Católica, está claramente desactualizado e em contradição não só com a Constituição como com os princípios orientadores de uma sociedade livre, democrática e pluralista.

Por isso, uma nova legislação sobre a matéria não podia deixar de passar por uma revisão da Concordata. Só assim seria possível adaptar a nova legislação aos preceitos constitucionais - sem, pelo menos, os pôr ostensivamente em causa, mesmo interpretando-os à luz das necessidades de estabilidade nas relações entre o Estado e a Igreja Católica.

Ninguém pretende ressuscitar velhas querelas. Nem se confunde laicidade do Estado com laicidade da sociedade. Não se ignora o papel das religiões, nomeadamente o da Igreja Católica. Neutralidade e equidade do Estado não significam indiferença perante a esfera do sagrado na vida da sociedade e das pessoas. Mas essa atenção do Estado não deve ser confundida com qualquer tendência para a sua confessionalidade ou para a sua instrumentalização por uma ou várias confissões. A laicidade do Estado é condição da liberdade religiosa e de todas as outras liberdades.

A Concordata é um tratado. A sua validade é supra-legislativa e infra-constitucional. Está abaixo da Constituição, mas acima da Lei. O que significa que, sem revisão, a futura Lei não se aplicará à matéria constante da Concordata. Por isso, em devido tempo, propus a revisão prévia da Concordata. E afirmei que, em nenhum caso, deveria fazer-se uma votação final global da Lei antes de concluídas as negociações com a Santa Sé. A disponibilidade manifestada então pelo Episcopado português criou condições para que tal fosse possível sem dramatismos nem crispações desnecessárias. Outra qualquer solução enfraqueceria, em meu entender, a posição do Estado democrático e a sua natureza laica e tolerante.

Estas foram as opiniões que exprimi em reunião do Grupo Parlamentar do PS, em 3/2/00 e em carta ao primeiro-ministro, de 10/2/00, que terminava assim: «Ao fazer desta estou convencido que se trata de uma batalha perdida. O laicismo liberal, fonte de liberdade e tolerância política e religiosa, vai ser enterrado pelo partido que deveria ser o seu principal defensor».

Finalmente: com o PS republicano e laico dirigido por Mário Soares, nunca houve atritos com a Igreja Católica. Foram os socialistas republicanos e laicos, liderados por Edmundo Pedro, que defenderam a sede do Patriarcado quando esta foi atacada no verão de 75. Foi o I Governo socialista que indemnizou, por meu intermédio, a Rádio Renascença. E subsidiou, então, a Universidade Católica. O pior erro que o PS poderia cometer seria o de inventar um conflito com a Igreja Católica. Porquê agora? O excesso de zelo acaba por pôr em causa a autonomia política do Estado, a estabilidade de relações entre o Estado e a Igreja e a própria natureza do Partido Socialista.

alegre@ar.parlamento.pt

O Estado, o PS e a Igreja

«Com o PS republicano e laico dirigido por Mário Soares, nunca houve atritos com a Igreja Católica. Foram os socialistas republicanos e laicos, liderados por Edmundo Pedro, que defenderam a sede do Patriarcado quando esta foi atacada no verão de 75. Foi o I Governo socialista que indemnizou, por meu intermédio, a Rádio Renascença. E subsidiou, então, a Universidade Católica. O pior erro que o PS poderia cometer seria o de inventar um conflito com a Igreja Católica. Porquê agora?»

NÃO sou jacobino, nem fui eu quem tomou a iniciativa de suscitar a questão da liberdade religiosa. Também não sou adepto de soluções radicais nem desejo reeditar guerras arcaicas. Mas não pretendo ver renascer arcaísmos de sinal contrário.

Como afirma o professor Antunes Varela, citado por José Vera Jardim no Preâmbulo do Projecto de Lei de Liberdade Religiosa, «a Concordata é um instrumento jurídico-político que necessita de urgente revisão por assentar em pressupostos históricos ultrapassados pelas circunstâncias», razão pela qual, antes de legislar, «o primeiro passo deveria consistir nessa revisão». Por esse mesmo motivo, em 1970, Francisco Sá Carneiro perguntava ao Governo que diligências tinham sido efectuadas no sentido de se iniciarem negociações com a Santa Sé com vista à revisão da Concordata. E o Bispo do Porto, no seu exílio, chamou à Concordata de então uma Concordata clerical e ao regime salazarista uma ditadura católica. Não me parece que qualquer dos portugueses atrás citados possa ser considerado jacobino.

A Itália e a Espanha seguiram caminho inverso ao nosso: fizeram primeiro a revisão e substituíram as respectivas Concordatas por acordos com a Igreja Católica. Ora, o quadro legislativo que regula em Portugal as relações entre o Estado e as igrejas, designadamente a Igreja Católica, está claramente desactualizado e em contradição não só com a Constituição como com os princípios orientadores de uma sociedade livre, democrática e pluralista.

Por isso, uma nova legislação sobre a matéria não podia deixar de passar por uma revisão da Concordata. Só assim seria possível adaptar a nova legislação aos preceitos constitucionais - sem, pelo menos, os pôr ostensivamente em causa, mesmo interpretando-os à luz das necessidades de estabilidade nas relações entre o Estado e a Igreja Católica.

Ninguém pretende ressuscitar velhas querelas. Nem se confunde laicidade do Estado com laicidade da sociedade. Não se ignora o papel das religiões, nomeadamente o da Igreja Católica. Neutralidade e equidade do Estado não significam indiferença perante a esfera do sagrado na vida da sociedade e das pessoas. Mas essa atenção do Estado não deve ser confundida com qualquer tendência para a sua confessionalidade ou para a sua instrumentalização por uma ou várias confissões. A laicidade do Estado é condição da liberdade religiosa e de todas as outras liberdades.

A Concordata é um tratado. A sua validade é supra-legislativa e infra-constitucional. Está abaixo da Constituição, mas acima da Lei. O que significa que, sem revisão, a futura Lei não se aplicará à matéria constante da Concordata. Por isso, em devido tempo, propus a revisão prévia da Concordata. E afirmei que, em nenhum caso, deveria fazer-se uma votação final global da Lei antes de concluídas as negociações com a Santa Sé. A disponibilidade manifestada então pelo Episcopado português criou condições para que tal fosse possível sem dramatismos nem crispações desnecessárias. Outra qualquer solução enfraqueceria, em meu entender, a posição do Estado democrático e a sua natureza laica e tolerante.

Estas foram as opiniões que exprimi em reunião do Grupo Parlamentar do PS, em 3/2/00 e em carta ao primeiro-ministro, de 10/2/00, que terminava assim: «Ao fazer desta estou convencido que se trata de uma batalha perdida. O laicismo liberal, fonte de liberdade e tolerância política e religiosa, vai ser enterrado pelo partido que deveria ser o seu principal defensor».

Finalmente: com o PS republicano e laico dirigido por Mário Soares, nunca houve atritos com a Igreja Católica. Foram os socialistas republicanos e laicos, liderados por Edmundo Pedro, que defenderam a sede do Patriarcado quando esta foi atacada no verão de 75. Foi o I Governo socialista que indemnizou, por meu intermédio, a Rádio Renascença. E subsidiou, então, a Universidade Católica. O pior erro que o PS poderia cometer seria o de inventar um conflito com a Igreja Católica. Porquê agora? O excesso de zelo acaba por pôr em causa a autonomia política do Estado, a estabilidade de relações entre o Estado e a Igreja e a própria natureza do Partido Socialista.

alegre@ar.parlamento.pt

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