Mais democracia na eleição do Papa

04-03-2001
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COMENTÁRIO

Mais Democracia na Eleição do Papa

Por ANTÓNIO MARUJO

Quarta-feira, 21 de Fevereiro de 2001

Entre os protagonistas das cerimónias de hoje e amanhã no Vaticano, há um que, seguramente, não estará no conclave que elegerá o próximo Papa: chama-se Karol Wojtyla. No entanto, será esse grande ausente quem mais influenciará a eleição do sucessor. É que, ao fim de 22 anos de pontificado, foi ele que escolheu quase todos (menos 11) os 185 membros do actual Colégio Cardinalício. Uma situação inadmissível para a Igreja Católica.

A função de cardeal foi instituída em 1050 (há menos de mil anos) pelo Papa Leão IX (que governou entre 1049-54), com o objectivo de ajudar o bispo de Roma no governo da Igreja Católica. Desde 1179, o colégio passou a ser o único órgão a eleger o Papa, substituindo-se assim à tradição sinodal e conciliar, até aí dominante nos processos de decisão da Igreja. Os bispos, incluindo o de Roma, eram eleitos pelos padres e pelos outros fiéis da respectiva diocese.

A instituição do cardinalato tentou resolver o problema da necessária reforma que a Igreja então enfrentava. O papado estava entregue a lutas intestinas entre várias famílias e nobres de Roma e Leão IX queria rodear-se de homens capazes de o apoiar no objectivo reformador. Chamou-lhes cardeais, nome dado aos padres que então celebravam a missa e os sacramentos nas diferentes igrejas romanas. São estes colaboradores, vindos de fora de Roma, que acabam por, ao longo dos séculos, assegurar cada vez mais o governo central da Igreja, substituindo mesmo a estrutura do Sínodo de Roma.

Hoje, é verdade que o Colégio Cardinalício está mais internacionalizado, e esse é um progresso. Esse caminho, iniciado por Paulo VI, fica a dever muito ao facto de João Paulo II ser um Papa polaco. Mas isso não chega: uma estrutura e um cargo que não tem raízes bíblicas nem teológicas deveria ser seriamente repensado pela Igreja Católica. E o argumento da tradição não colhe: instituições como a primeira comunhão têm pouco mais de cem anos e não foi pela falta da tradição que alguma vez deixou de haver comunhão.

Após o Concílio Vaticano II (1962-65) instituiu-se o Sínodo dos Bispos como órgão de consulta e aconselhamento do Papa. Faz todo o sentido, por isso, que seja o sínodo ou um colégio eleitoral de bispos delegados para esse efeito que passe a eleger o Papa. Para que o bispo de Roma, teologicamente entendido como garante da unidade, não seja escolhido por um conjunto de pessoas que afinal - e ainda que mais internacionalizado - não representa senão o Papa que os escolheu para tal cargo. Um sistema mais democrático na eleição do Papa não anula, antes aperfeiçoa, a colegialidade ao conjunto dos bispos.

P.S. - Em muitos casos, a comunicação social portuguesa manifesta a sua incompetência ou ignora factos importantes do universo religioso em geral ou do catolicismo, em particular. Essa atitude contrasta com o nacionalismo primário que se verifica em ocasiões como a visita do Papa ou, agora, a nomeação dos dois novos cardeais. É que, em razão do cargo que ocupam, D. José Policarpo e D. José Saraiva Martins seriam inevitavelmente nomeados para tal cargo. Um pouco mais de decoro e contenção não ficariam mal.

COMENTÁRIO

Mais Democracia na Eleição do Papa

Por ANTÓNIO MARUJO

Quarta-feira, 21 de Fevereiro de 2001

Entre os protagonistas das cerimónias de hoje e amanhã no Vaticano, há um que, seguramente, não estará no conclave que elegerá o próximo Papa: chama-se Karol Wojtyla. No entanto, será esse grande ausente quem mais influenciará a eleição do sucessor. É que, ao fim de 22 anos de pontificado, foi ele que escolheu quase todos (menos 11) os 185 membros do actual Colégio Cardinalício. Uma situação inadmissível para a Igreja Católica.

A função de cardeal foi instituída em 1050 (há menos de mil anos) pelo Papa Leão IX (que governou entre 1049-54), com o objectivo de ajudar o bispo de Roma no governo da Igreja Católica. Desde 1179, o colégio passou a ser o único órgão a eleger o Papa, substituindo-se assim à tradição sinodal e conciliar, até aí dominante nos processos de decisão da Igreja. Os bispos, incluindo o de Roma, eram eleitos pelos padres e pelos outros fiéis da respectiva diocese.

A instituição do cardinalato tentou resolver o problema da necessária reforma que a Igreja então enfrentava. O papado estava entregue a lutas intestinas entre várias famílias e nobres de Roma e Leão IX queria rodear-se de homens capazes de o apoiar no objectivo reformador. Chamou-lhes cardeais, nome dado aos padres que então celebravam a missa e os sacramentos nas diferentes igrejas romanas. São estes colaboradores, vindos de fora de Roma, que acabam por, ao longo dos séculos, assegurar cada vez mais o governo central da Igreja, substituindo mesmo a estrutura do Sínodo de Roma.

Hoje, é verdade que o Colégio Cardinalício está mais internacionalizado, e esse é um progresso. Esse caminho, iniciado por Paulo VI, fica a dever muito ao facto de João Paulo II ser um Papa polaco. Mas isso não chega: uma estrutura e um cargo que não tem raízes bíblicas nem teológicas deveria ser seriamente repensado pela Igreja Católica. E o argumento da tradição não colhe: instituições como a primeira comunhão têm pouco mais de cem anos e não foi pela falta da tradição que alguma vez deixou de haver comunhão.

Após o Concílio Vaticano II (1962-65) instituiu-se o Sínodo dos Bispos como órgão de consulta e aconselhamento do Papa. Faz todo o sentido, por isso, que seja o sínodo ou um colégio eleitoral de bispos delegados para esse efeito que passe a eleger o Papa. Para que o bispo de Roma, teologicamente entendido como garante da unidade, não seja escolhido por um conjunto de pessoas que afinal - e ainda que mais internacionalizado - não representa senão o Papa que os escolheu para tal cargo. Um sistema mais democrático na eleição do Papa não anula, antes aperfeiçoa, a colegialidade ao conjunto dos bispos.

P.S. - Em muitos casos, a comunicação social portuguesa manifesta a sua incompetência ou ignora factos importantes do universo religioso em geral ou do catolicismo, em particular. Essa atitude contrasta com o nacionalismo primário que se verifica em ocasiões como a visita do Papa ou, agora, a nomeação dos dois novos cardeais. É que, em razão do cargo que ocupam, D. José Policarpo e D. José Saraiva Martins seriam inevitavelmente nomeados para tal cargo. Um pouco mais de decoro e contenção não ficariam mal.

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