Clandestinidade, uma profissão de família

09-09-2001
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Clandestinidade, Uma Profissão de Família

Segunda-feira, 23 de Julho de 2001

"Uma das coisas chatas da clandestinidade era não se ver os filhotes crescer", desabafa Sérgio Vilarigues, ao assumir que, na prática, só depois do 25 de Abril pôde conhecer o filho António da sua relação matrimonial com Maria Alda Nogueira, também dirigente do PCP que viveu igualmente na clandestinidade desde 1949 até ser presa em 15 de Outubro de 1959. A clandestinidade foi, aliás, uma espécie de profissão de família, já que António Vilarigues, a partir de 1970, vive clandestino.

Nascido em 27 de Dezembro de 1953, António Vilarigues foi registado legalmente por decisão do seu pai. "Era para nascer em casa, mas teve de sair de cesariana, deu trabalho a nascer, por isso foi para a Maternidade Alfredo Bensaúde [onde hoje funciona o Instituto de Reumatologia, em Lisboa], pois aí não era obrigatório fazer o registo", explica Sérgio Vilarigues e prossegue: "Eu não queria registá-lo com nome falso, sabia que isso criava muitos problemas. Como tínhamos tido uma casa em Albarraque, conhecia o clima, sabia que o homem encarregado do registo tinha o cartório mais uma horta e lembrei-me: 'É este que me convém'." E assim foi, António está registado em Albarraque.

Viveram juntos até António ter três anos e meio, na região de Lisboa, nomeadamente na Parede. Depois, a criança começou a fazer perguntas de mais, a ter de ir à escola. Foi entregue à avó materna e os pais continuaram clandestinos. António veio a saber quem era o pai e a sua real importância já depois dos dez anos, quando a mãe, então presa em Caxias, lhe contou de quem era filho. Uma história que guardou para si e assumiu. Ao ponto de uma vez, ao preencher a ficha de turma no Liceu D. João de Castro, onde perguntavam a profissão do pai, escrever: "Membro do Secretariado e da Comissão Política do Comité Central do PCP."

O peso do apelido sentiu-o ainda no D. João de Castro, quando José Hermano Saraiva esteve à frente daquele liceu. Foi chamado ao gabinete do reitor, o que causou alarido na turma. Então, relata, José Hermano Saraiva disse-lhe que conhecia a mãe e que o seu irmão - António José Saraiva - era até amigo de Maria Alda Nogueira. Isto, conta António Vilarigues, "antes de entrar em perguntas provocatórias".

Já antes do liceu, António fora assediado com interrogatórios sobre o paradeiro do pai. No Colégio Moderno - Maria Barroso funcionou como uma espécie de madrinha protectora de António Vilarigues durante a prisão e a clandestinidade de Maria Alda, de quem era amiga -, a PIDE chegou a montar um estratagema de gravações de discos com os alunos, para interrogar o menino Vilarigues. Valeu à criança as palavras em francês que o pai lhe ensinara enquanto coabitavam e o facto de o prudente Sérgio Vilarigues ter a mania de ensinar ao filho que as terras se chamavam "Biarritz" e "Costa Brava".

Até ao 25 de Abril, relata António Vilarigues, viu o seu pai três vezes. Em 1971, em Paris, quando nasceu a primeira das suas filhas com Lígia Calapez Gomes, Sérgio Vilarigues apareceu e conheceu a neta. A última e terceira vez que António viu o pai antes de 1974 foi em Portugal, em 1971, vivia então o jovem Vilarigues nas termas de São Vicente. Foi já um encontro entre dois clandestinos.

Quanto ao primeiro encontro, esse dera-se em 1969, depois de Maria Alda Nogueira ter sido libertada havia um ano. Maria Alda vivia com o filho, em casa da mãe, onde permaneceu até sair do país em 1970. Foi então organizado um encontro "no Mosteiro de Alcobaça, junto ao túmulo de Pedro e Inês", relata Sérgio Vilarigues. Depois do reencontro e após uma década de separação, seguiram os três para São Martinho do Porto, onde puderam conviver um dia e uma noite. Depois, conta Sérgio Vilarigues, separaram-se de novo: "Eu sabia para onde eles iam, mas eles não sabiam para onde eu ia."

Clandestinidade, Uma Profissão de Família

Segunda-feira, 23 de Julho de 2001

"Uma das coisas chatas da clandestinidade era não se ver os filhotes crescer", desabafa Sérgio Vilarigues, ao assumir que, na prática, só depois do 25 de Abril pôde conhecer o filho António da sua relação matrimonial com Maria Alda Nogueira, também dirigente do PCP que viveu igualmente na clandestinidade desde 1949 até ser presa em 15 de Outubro de 1959. A clandestinidade foi, aliás, uma espécie de profissão de família, já que António Vilarigues, a partir de 1970, vive clandestino.

Nascido em 27 de Dezembro de 1953, António Vilarigues foi registado legalmente por decisão do seu pai. "Era para nascer em casa, mas teve de sair de cesariana, deu trabalho a nascer, por isso foi para a Maternidade Alfredo Bensaúde [onde hoje funciona o Instituto de Reumatologia, em Lisboa], pois aí não era obrigatório fazer o registo", explica Sérgio Vilarigues e prossegue: "Eu não queria registá-lo com nome falso, sabia que isso criava muitos problemas. Como tínhamos tido uma casa em Albarraque, conhecia o clima, sabia que o homem encarregado do registo tinha o cartório mais uma horta e lembrei-me: 'É este que me convém'." E assim foi, António está registado em Albarraque.

Viveram juntos até António ter três anos e meio, na região de Lisboa, nomeadamente na Parede. Depois, a criança começou a fazer perguntas de mais, a ter de ir à escola. Foi entregue à avó materna e os pais continuaram clandestinos. António veio a saber quem era o pai e a sua real importância já depois dos dez anos, quando a mãe, então presa em Caxias, lhe contou de quem era filho. Uma história que guardou para si e assumiu. Ao ponto de uma vez, ao preencher a ficha de turma no Liceu D. João de Castro, onde perguntavam a profissão do pai, escrever: "Membro do Secretariado e da Comissão Política do Comité Central do PCP."

O peso do apelido sentiu-o ainda no D. João de Castro, quando José Hermano Saraiva esteve à frente daquele liceu. Foi chamado ao gabinete do reitor, o que causou alarido na turma. Então, relata, José Hermano Saraiva disse-lhe que conhecia a mãe e que o seu irmão - António José Saraiva - era até amigo de Maria Alda Nogueira. Isto, conta António Vilarigues, "antes de entrar em perguntas provocatórias".

Já antes do liceu, António fora assediado com interrogatórios sobre o paradeiro do pai. No Colégio Moderno - Maria Barroso funcionou como uma espécie de madrinha protectora de António Vilarigues durante a prisão e a clandestinidade de Maria Alda, de quem era amiga -, a PIDE chegou a montar um estratagema de gravações de discos com os alunos, para interrogar o menino Vilarigues. Valeu à criança as palavras em francês que o pai lhe ensinara enquanto coabitavam e o facto de o prudente Sérgio Vilarigues ter a mania de ensinar ao filho que as terras se chamavam "Biarritz" e "Costa Brava".

Até ao 25 de Abril, relata António Vilarigues, viu o seu pai três vezes. Em 1971, em Paris, quando nasceu a primeira das suas filhas com Lígia Calapez Gomes, Sérgio Vilarigues apareceu e conheceu a neta. A última e terceira vez que António viu o pai antes de 1974 foi em Portugal, em 1971, vivia então o jovem Vilarigues nas termas de São Vicente. Foi já um encontro entre dois clandestinos.

Quanto ao primeiro encontro, esse dera-se em 1969, depois de Maria Alda Nogueira ter sido libertada havia um ano. Maria Alda vivia com o filho, em casa da mãe, onde permaneceu até sair do país em 1970. Foi então organizado um encontro "no Mosteiro de Alcobaça, junto ao túmulo de Pedro e Inês", relata Sérgio Vilarigues. Depois do reencontro e após uma década de separação, seguiram os três para São Martinho do Porto, onde puderam conviver um dia e uma noite. Depois, conta Sérgio Vilarigues, separaram-se de novo: "Eu sabia para onde eles iam, mas eles não sabiam para onde eu ia."

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