Suplemento Economia

01-11-2001
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Manual para cortejar multinacionais

Seduzir Ou Declinar

Por ISABEL SALAVISA

Segunda-feira, 30 de Julho de 2001

As condições de atracção de investimento estrangeiro são analisadas por quem, sendo académico, trabalhou num departamento ligado ao Banco Mundial que aconselha sobre o investimento estrangeiro. Indispensável para decisores políticos.

O título deste livro é verdadeiramente insuperável e muito sintomático. No novo contexto internacional, o lema para o crescimento converteu-se em seduzir ou declinar. Às políticas tradicionais, as nações aparentemente têm de substituir uma panóplia de ardis inesperados. Além da criação das condições indispensáveis à atracção de investimento estrangeiro, é preciso cuidar da imagem. Promovê-la, melhorá-la, alterá-la, quando necessário. O "marketing" chegou em força à política económica dos governos! À gestão do poder político, já todos sabíamos, quer se goste quer não se goste da superficialidade e redundância das mensagens e, inevitavelmente, a prazo, dos respectivos mensageiros. Mas que se trate a nação como um produto que se promove no estrangeiro, parece francamente demais. Que aparentemente um autor sério o faça, raia mesmo o limiar do escândalo.

Charles-Albert Michalet é um autor sério, no sentido de que dispõe de uma sólida reputação académica em França, e não só. Publicou um número muito considerável de obras sobre o capitalismo mundial. Fundou o CEREM, centro de investigação sobre as empresas multinacionais, da universidade de Paris X, em Nanterre. Integrou durante vários anos, em Washington, um departamento ligado ao Banco Mundial e dedicado ao aconselhamento sobre o investimento estrangeiro. E é actualmente professor da Universidade de Paris-Dauphine. Depois de tudo isto, não precisa de ser banal para chamar as atenções. E, portanto, convém examinar com maior detalhe "A sedução das nações".

Esta obra é, em certa medida, um estranho híbrido. Começa por apresentar algumas formulações teóricas próprias sobre a globalização. Prossegue, em seguida, pela descrição das estratégias das empresas à escala mundial, apresentando os resultados de um inquérito conduzido pelo Foreign Investment Advisory Service, adstrito ao Banco Mundial, e onde o próprio Michalet trabalhou. E termina com o enunciado de um conjunto de prescrições práticas sobre a atractividade das nações ou, mais rigorosamente, dos territórios.

Mas se os conselhos são úteis, e o material empírico é interessante, até pelo facto de englobar Portugal, a abordagem teórica merece a primeira palavra. A originalidade de Michalet consiste em esclarecer e ordenar um conjunto de conceitos próximos, frequentemente tomados como sinónimos, mas de facto distintos. A sua primeira tarefa é, pois, semântica, Assim, o fenómeno da mundialização teve início no século XVI, nos primórdios do capitalismo, e perdura até à actualidade. As suas configurações, contudo, foram variando, podendo distinguir-se três fases. A primeira, a economia internacional, até ao início dos anos 1960, com o predomínio das trocas de bens e serviços entre Estados-nações. A economia multinacional, em seguida, privilegiando os fluxos de investimento directo estrangeiro e a mobilidade das actividades produtivas das empresas multinacionais, as quais disputam o protagonismo dos Estados. E, a partir do princípio dos anos 80 do século XX, a economia global, isto é, a nossa.

Caracteriza-se a fase da globalização pela hegemonia da dimensão financeira, sem que, evidentemente, as outras dimensões tenham sido suprimidas. A desregulamentação e a dessegmentação das actividades são seus fundamentos. A crise do fordismo e a crise de endividamento internacional são os seus antecedentes. Ideologicamente, vem associada ao liberalismo económico exacerbado. Politicamente, é a era dos governos de Margaret Thatcher, no Reino Unido, e das presidências de Ronald Reagan, nos Estados Unidos. A difusão dos conceitos e práticas da esfera financeira à estratégia e organização das empresas industriais surge acompanhada, simbolicamente, pela ascensão dos responsáveis dos departamentos financeiros à direcção de topo. Não surpreende que as opções empresariais passem a ser tomadas numa lógica de gestão de carteira. Compram-se empresas, na febre das fusões e aquisições, para compor a carteira de activos. E vendem-se pelas mesmíssimas razões.

As escolhas de localização ou de deslocalização são actualmente mais complexas do que no passado. As empresas globais trabalham, agora, com base numa "short list" dos países ou regiões mais atraentes, os designados "países da nova fronteira", a que Portugal pertence. Este grupo acolhe o fundamental do investimento das multinacionais fora da tríade América do Norte-Europa-Japão. As condições para ingressar, ou permanecer, na "short list" são severas, visto que a concorrência é intensa. A análise destas condições, e os conselhos decorrentes, merecem toda a atenção devida a quem conhece profundamente de que fala. Algumas ideias feitas ficam seriamente abaladas, como a do papel dos incentivos fiscais e financeiros na captação de investimento estrangeiro. Em contrapartida, são apresentadas outras bastante arrojadas, como a da criação de uma verdadeira inteligência económica, na acepção anglo-saxónica do termo. É de presumir que os decisores políticos, a todos os níveis, e estejam eles onde estiverem, vão eleger "A sedução das nações", e já agora das regiões, como o próximo livro de cabeceira.

Manual para cortejar multinacionais

Seduzir Ou Declinar

Por ISABEL SALAVISA

Segunda-feira, 30 de Julho de 2001

As condições de atracção de investimento estrangeiro são analisadas por quem, sendo académico, trabalhou num departamento ligado ao Banco Mundial que aconselha sobre o investimento estrangeiro. Indispensável para decisores políticos.

O título deste livro é verdadeiramente insuperável e muito sintomático. No novo contexto internacional, o lema para o crescimento converteu-se em seduzir ou declinar. Às políticas tradicionais, as nações aparentemente têm de substituir uma panóplia de ardis inesperados. Além da criação das condições indispensáveis à atracção de investimento estrangeiro, é preciso cuidar da imagem. Promovê-la, melhorá-la, alterá-la, quando necessário. O "marketing" chegou em força à política económica dos governos! À gestão do poder político, já todos sabíamos, quer se goste quer não se goste da superficialidade e redundância das mensagens e, inevitavelmente, a prazo, dos respectivos mensageiros. Mas que se trate a nação como um produto que se promove no estrangeiro, parece francamente demais. Que aparentemente um autor sério o faça, raia mesmo o limiar do escândalo.

Charles-Albert Michalet é um autor sério, no sentido de que dispõe de uma sólida reputação académica em França, e não só. Publicou um número muito considerável de obras sobre o capitalismo mundial. Fundou o CEREM, centro de investigação sobre as empresas multinacionais, da universidade de Paris X, em Nanterre. Integrou durante vários anos, em Washington, um departamento ligado ao Banco Mundial e dedicado ao aconselhamento sobre o investimento estrangeiro. E é actualmente professor da Universidade de Paris-Dauphine. Depois de tudo isto, não precisa de ser banal para chamar as atenções. E, portanto, convém examinar com maior detalhe "A sedução das nações".

Esta obra é, em certa medida, um estranho híbrido. Começa por apresentar algumas formulações teóricas próprias sobre a globalização. Prossegue, em seguida, pela descrição das estratégias das empresas à escala mundial, apresentando os resultados de um inquérito conduzido pelo Foreign Investment Advisory Service, adstrito ao Banco Mundial, e onde o próprio Michalet trabalhou. E termina com o enunciado de um conjunto de prescrições práticas sobre a atractividade das nações ou, mais rigorosamente, dos territórios.

Mas se os conselhos são úteis, e o material empírico é interessante, até pelo facto de englobar Portugal, a abordagem teórica merece a primeira palavra. A originalidade de Michalet consiste em esclarecer e ordenar um conjunto de conceitos próximos, frequentemente tomados como sinónimos, mas de facto distintos. A sua primeira tarefa é, pois, semântica, Assim, o fenómeno da mundialização teve início no século XVI, nos primórdios do capitalismo, e perdura até à actualidade. As suas configurações, contudo, foram variando, podendo distinguir-se três fases. A primeira, a economia internacional, até ao início dos anos 1960, com o predomínio das trocas de bens e serviços entre Estados-nações. A economia multinacional, em seguida, privilegiando os fluxos de investimento directo estrangeiro e a mobilidade das actividades produtivas das empresas multinacionais, as quais disputam o protagonismo dos Estados. E, a partir do princípio dos anos 80 do século XX, a economia global, isto é, a nossa.

Caracteriza-se a fase da globalização pela hegemonia da dimensão financeira, sem que, evidentemente, as outras dimensões tenham sido suprimidas. A desregulamentação e a dessegmentação das actividades são seus fundamentos. A crise do fordismo e a crise de endividamento internacional são os seus antecedentes. Ideologicamente, vem associada ao liberalismo económico exacerbado. Politicamente, é a era dos governos de Margaret Thatcher, no Reino Unido, e das presidências de Ronald Reagan, nos Estados Unidos. A difusão dos conceitos e práticas da esfera financeira à estratégia e organização das empresas industriais surge acompanhada, simbolicamente, pela ascensão dos responsáveis dos departamentos financeiros à direcção de topo. Não surpreende que as opções empresariais passem a ser tomadas numa lógica de gestão de carteira. Compram-se empresas, na febre das fusões e aquisições, para compor a carteira de activos. E vendem-se pelas mesmíssimas razões.

As escolhas de localização ou de deslocalização são actualmente mais complexas do que no passado. As empresas globais trabalham, agora, com base numa "short list" dos países ou regiões mais atraentes, os designados "países da nova fronteira", a que Portugal pertence. Este grupo acolhe o fundamental do investimento das multinacionais fora da tríade América do Norte-Europa-Japão. As condições para ingressar, ou permanecer, na "short list" são severas, visto que a concorrência é intensa. A análise destas condições, e os conselhos decorrentes, merecem toda a atenção devida a quem conhece profundamente de que fala. Algumas ideias feitas ficam seriamente abaladas, como a do papel dos incentivos fiscais e financeiros na captação de investimento estrangeiro. Em contrapartida, são apresentadas outras bastante arrojadas, como a da criação de uma verdadeira inteligência económica, na acepção anglo-saxónica do termo. É de presumir que os decisores políticos, a todos os níveis, e estejam eles onde estiverem, vão eleger "A sedução das nações", e já agora das regiões, como o próximo livro de cabeceira.

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