1º de Maio sem bandeira

09-05-2001
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1º de Maio Sem Bandeira

Por EMÍLIA MONTEIRO

Terça-feira, 1 de Maio de 2001 Desânimo no Vale do Ave Hoje, pela primeira vez, desde Abril de 1974, a bandeira vermelha não vai ondular ao vento em frente ao tasco do "Zé Miséria", na freguesia de Pousada, Famalicão. A já tradicional comemoração do 1º de Maio não conseguiu reunir adeptos. Talvez para o ano... "Será que já não há trabalhadores? Será que já não há motivo para lutar?", as perguntas feitas por José Magalhães, antigo operário têxtil e agora dono de um estabelecimento comercial em Pousada de Saramagos, em Famalicão, ganham particular importância no dia de hoje. É que, este ano, é a primeira vez - desde o 25 de Abril de 1974 - que, na freguesia de Pousada (onde estão sediadas empresas têxteis como o Grupo Riopele), não se comemora o 1º de Maio. Faz hoje um ano que, pela última vez, um grupo de jovens operários se deslocou, ainda de madrugada, até uma bouça nos arredores da freguesia e cortou o pinheiro mais alto para depois lhe colocar bem no cimo uma bandeira vermelha. O costume estava de tal modo arreigado que, embora sem nada combinado, as pessoas apareciam, cortavam o pinheiro e vinham colocá-lo bem em frente ao tasco do "Zé Miséria", o nome pelo qual é conhecido José Magalhães. Com a bandeira vermelha içada (que deveria permanecer ao alto até ao ano seguinte), era altura de lançar, "pelo menos, meia dúzia de foguetes", quase sempre pagos pelo comerciante, que depois oferecia ainda um lanche a todos os que tinham participado nas comemorações do Dia do Trabalhador. Embora fosse hora de pequeno almoço, as mesas do café enchiam-se de vinho, presunto, salpicão e um sem-fim de iguarias confeccionadas pela dona Adelaide, a esposa de Magalhães. "Bons tempos", recorda agora o comerciante que, não sabendo o que fazer numa data "tão importante como o 1º de Maio" e com a ausência anunciada dos amigos para as "tradicionais" comemorações, resolveu levar a família em romaria até ao "alto do Barroso". Apesar de Pousada de Saramagos se localizar no coração do Vale do Ave e de a junta de freguesia "até ser socialista", a verdade é que a bandeira vermelha (com cerca de três metros de comprimento) não caía lá muito bem na freguesia. "As pessoas comentavam, chamavam-nos comunistas e um estabelecimento comercial não pode estar sujeito a estas coisas", refere ainda o homem que tem fama de vender o melhor vinho e o melhor presunto da região. De resto, a tradição da "bandeira vermelha" trouxe mesmo alguns dissabores a José Magalhães e à família. Aos 71 anos, o comerciante não esquece a vez em que uma procissão com o andor de Nossa Senhora de Fátima lhe passou à porta. "Várias pessoas vieram-me dizer para tirar a bandeira, porque, pelo facto de ser vermelha, era uma afronta à Igreja", recorda o comerciante. Além de não retirar a bandeira, Magalhães, para mostrar que tem respeito "pelas coisas da Igreja", mandou pôr um enorme tapete de flores no chão da avenida em frente à sua casa e comprou "mais de uma dúzia de foguetes". "Aqueles que tinham medo que a bandeira caísse com a passagem da procissão, apanharam uma grande lição: é que o pau continuou em pé, mas a imagem de Nossa Senhora que ia aos ombros de alguns homens ficou enroscada num fio da electricidade, caindo e aleijando o padre". História que os operários daquela terra não esquecem. "Imagine que até há quem nos critique por lançarmos foguetes vermelhos", desabafa uma das filhas do antigo trabalhador têxtil. O facto de, nos últimos anos, o número de trabalhadores que participavam "no içar da bandeira" ter vindo a diminuir também contribuiu para que este ano não se realizasse "a cerimónia". Uma paragem que José Magalhães considera "provisória", porque, "enquanto houver trabalhadores e motivos para lutar", o 1º de Maio não será esquecido. "Vai ver que, para o ano, tudo volta ao normal." OUTROS TÍTULOS EM ÚLTIMA PÁGINA 1º de Maio sem bandeira

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