Agir por convicção: as políticas de apoio à família

02-05-2001
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OPINIÃO

Agir por Convicção: as Políticas de Apoio à Família

Por JOSÉ BARROS MOURA

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001

A posição do PS a propósito do projecto de lei da bases da família do PP, viabilizando-o desta vez, pela abstenção, ao contrário de posições tomadas no passado perante iniciativas idênticas, deu lugar a alguma perplexidade legítima, que justifica um esclarecimento, e a condenações sumárias, por motivos ideológicos, ou por evidente conveniência de "agenda política".

Importa, desde já, esclarecer as coisas: o PS não votou a favor deste projecto conservador, nem poderia aprová-lo na sua formulação actual, que, como eu próprio disse no debate, antes de mais ninguém, infringe vários preceitos da Constituição. Resumindo, o projecto é tributário de uma concepção organicista da família e, de diversas maneiras, conduziria a sobrepor a sua unidade e estabilidade aos direitos individuais fundamentais, sobretudo no que concerne à autodeterminação da mulher e à igualdade dos cônjuges, além de privilegiar a família tradicional constituída pelo casamento, o que não dá conta das novas realidades sociológicas e comporta o perigo de discriminações inadmissíveis. No final do debate na especialidade, e perante os seus resultados, se verá a posição a tomar.

Há na atitude do PS uma inflexão táctica que irritou profundamente muitos, a começar pelo PSD. A mudança visa, de facto: impedir que as políticas concretas de apoio às famílias realizadas pelos Governos PS fiquem ocultadas e minimizadas por detrás de um debate puramente ideológico sobre a família; neutralizar a campanha da direita que pretende ilegitimamente "marginalizar" o PS, reduzindo-o à defesa de formas atípicas de relação familiar e de interesses minoritários, em alegado detrimento da maioria das famílias, quando não à promoção de políticas "antifamília", sobretudo depois da abertura do sistema legal português a novas realidades sociais, como as relações de facto, as relações homossexuais, a economia comum, além das novas políticas de redução de riscos ligados à toxicodependência. Medidas necessárias e difíceis de tomar, que atestam o papel determinante do PS na modernização da sociedade portuguesa e na luta contra a discriminação e o preconceito.

Mas a táctica é legitimada por uma opção de fundo, o que é o contrário do oportunismo político.

Com efeito, ao contrário de uma fórmula muito usada nos últimos tempos, não há temas "fracturantes" de esquerda, que seriam o aborto, as relações homossexuais ou o antiproibicionismo em matéria de drogas, contrapostos a temas "fracturantes" de direita, como seria a família. Quase todas essas questões atravessam transversalmente a sociedade e o espectro político e só um conservadorismo extremo de ambos os lados poderia continuar a considerá-los temas de diferenciação ideológica entre a esquerda e a direita. O que há são políticas económicas, sociais e culturais de esquerda e outras de direita e é nesse terreno que a luta política continua a fazer sentido, como instrumento de luta pela igualdade de oportunidades e de transformação social. E não tanto pela chamada "legalização dos afectos": o Estado deve limitar-se aqui a garantir a liberdade dos indivíduos e a proibir a discriminação.

A família tem de ser uma prioridade para a esquerda, como o PS demonstrou por actos da sua governação: rendimento mínimo; diferenciação positiva na segurança social; protecção de crianças e jovens em perigo; programa creches 2000; plano Avô; programa Ser Criança; programa de apoio à família e à criança; centros de apoio a idosos; unidades de apoio domiciliário integrado e de apoio integrado para pessoas em situação de dependência; medidas de conciliação da vida profissional com a vida familiar, etc, etc.

Mas temos de ir mais longe e é nesse terreno que situaremos a nossa principal intervenção no debate agora aberto. A família (aqui, obviamente, a heterossexual) tem um papel determinante para a perpetuação da espécie. Não há políticas demográficas sérias que possam passar ao lado disso, num país e numa Europa que envelhece. A família é uma instituição social fundamental para o bem-estar, a socialização e educação das crianças e dos jovens. Razões de sobra para melhores políticas de apoio.

Antes do mais são indispensáveis políticas corajosas para garantir a efectiva igualdade entre as mulheres e os homens: não apenas, nem fundamentalmente, na partilha de tarefas na vida familiar, mas antes na vida social, económica, cultural, cívica e política. A igualdade continuará a ser uma banalidade "politicamente correcta", enquanto num país, como Portugal, com as maiores taxas de emprego femininas em toda a União Europeia, a mulher continuar sobrecarregada com as responsabilidades familiares máximas. A nossa prioridade vai, assim, para as políticas de reforma do mercado de trabalho, e do apoio social, para permitir a conciliação da vida profissional e cívica de ambos os cônjuges com a sua intensa participação na vida familiar, nomeadamente para a guarda e educação dos filhos.

deputado do PS

OPINIÃO

Agir por Convicção: as Políticas de Apoio à Família

Por JOSÉ BARROS MOURA

Quinta-feira, 19 de Abril de 2001

A posição do PS a propósito do projecto de lei da bases da família do PP, viabilizando-o desta vez, pela abstenção, ao contrário de posições tomadas no passado perante iniciativas idênticas, deu lugar a alguma perplexidade legítima, que justifica um esclarecimento, e a condenações sumárias, por motivos ideológicos, ou por evidente conveniência de "agenda política".

Importa, desde já, esclarecer as coisas: o PS não votou a favor deste projecto conservador, nem poderia aprová-lo na sua formulação actual, que, como eu próprio disse no debate, antes de mais ninguém, infringe vários preceitos da Constituição. Resumindo, o projecto é tributário de uma concepção organicista da família e, de diversas maneiras, conduziria a sobrepor a sua unidade e estabilidade aos direitos individuais fundamentais, sobretudo no que concerne à autodeterminação da mulher e à igualdade dos cônjuges, além de privilegiar a família tradicional constituída pelo casamento, o que não dá conta das novas realidades sociológicas e comporta o perigo de discriminações inadmissíveis. No final do debate na especialidade, e perante os seus resultados, se verá a posição a tomar.

Há na atitude do PS uma inflexão táctica que irritou profundamente muitos, a começar pelo PSD. A mudança visa, de facto: impedir que as políticas concretas de apoio às famílias realizadas pelos Governos PS fiquem ocultadas e minimizadas por detrás de um debate puramente ideológico sobre a família; neutralizar a campanha da direita que pretende ilegitimamente "marginalizar" o PS, reduzindo-o à defesa de formas atípicas de relação familiar e de interesses minoritários, em alegado detrimento da maioria das famílias, quando não à promoção de políticas "antifamília", sobretudo depois da abertura do sistema legal português a novas realidades sociais, como as relações de facto, as relações homossexuais, a economia comum, além das novas políticas de redução de riscos ligados à toxicodependência. Medidas necessárias e difíceis de tomar, que atestam o papel determinante do PS na modernização da sociedade portuguesa e na luta contra a discriminação e o preconceito.

Mas a táctica é legitimada por uma opção de fundo, o que é o contrário do oportunismo político.

Com efeito, ao contrário de uma fórmula muito usada nos últimos tempos, não há temas "fracturantes" de esquerda, que seriam o aborto, as relações homossexuais ou o antiproibicionismo em matéria de drogas, contrapostos a temas "fracturantes" de direita, como seria a família. Quase todas essas questões atravessam transversalmente a sociedade e o espectro político e só um conservadorismo extremo de ambos os lados poderia continuar a considerá-los temas de diferenciação ideológica entre a esquerda e a direita. O que há são políticas económicas, sociais e culturais de esquerda e outras de direita e é nesse terreno que a luta política continua a fazer sentido, como instrumento de luta pela igualdade de oportunidades e de transformação social. E não tanto pela chamada "legalização dos afectos": o Estado deve limitar-se aqui a garantir a liberdade dos indivíduos e a proibir a discriminação.

A família tem de ser uma prioridade para a esquerda, como o PS demonstrou por actos da sua governação: rendimento mínimo; diferenciação positiva na segurança social; protecção de crianças e jovens em perigo; programa creches 2000; plano Avô; programa Ser Criança; programa de apoio à família e à criança; centros de apoio a idosos; unidades de apoio domiciliário integrado e de apoio integrado para pessoas em situação de dependência; medidas de conciliação da vida profissional com a vida familiar, etc, etc.

Mas temos de ir mais longe e é nesse terreno que situaremos a nossa principal intervenção no debate agora aberto. A família (aqui, obviamente, a heterossexual) tem um papel determinante para a perpetuação da espécie. Não há políticas demográficas sérias que possam passar ao lado disso, num país e numa Europa que envelhece. A família é uma instituição social fundamental para o bem-estar, a socialização e educação das crianças e dos jovens. Razões de sobra para melhores políticas de apoio.

Antes do mais são indispensáveis políticas corajosas para garantir a efectiva igualdade entre as mulheres e os homens: não apenas, nem fundamentalmente, na partilha de tarefas na vida familiar, mas antes na vida social, económica, cultural, cívica e política. A igualdade continuará a ser uma banalidade "politicamente correcta", enquanto num país, como Portugal, com as maiores taxas de emprego femininas em toda a União Europeia, a mulher continuar sobrecarregada com as responsabilidades familiares máximas. A nossa prioridade vai, assim, para as políticas de reforma do mercado de trabalho, e do apoio social, para permitir a conciliação da vida profissional e cívica de ambos os cônjuges com a sua intensa participação na vida familiar, nomeadamente para a guarda e educação dos filhos.

deputado do PS

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