Cotrim de Figueiredo de “pernas ao léu” antes da maratona em “areias movediças”

06-11-2019
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Os relógios ainda não marcavam as 7h50 e João Cotrim de Figueiredo (que acordara às 6h30 e deixara, de seguida, os filhos na escola) já estava sentado na esplanada do café do Estádio Universitário de Lisboa, no lado oposto ao Hospital Santa Maria. De blusão preto, calções cinzentos – “sempre calções, sempre de pernas ao léu”, brincou – e ténis laranja, o deputado da Iniciativa Liberal (IL) preparava-se para o ritual que, podendo, cumpre duas vezes por semana: uma corrida matinal naquele circuito. Com uma pequenina diferença: em dia de estreia no Parlamento, houve quem quisesse acompanhar a sessão de treino.

Despachado um direto para a TSF, eram 8h17 quando deu o último jeito ao equipamento, apertou os atacadores e deu corda às sapatilhas. Não foi até ao limite físico, é certo, mas completou uma volta ao traçado, em 15.47 minutos, sem que parecesse ter sido um esforço hercúleo. “Isto é metade do que costumo correr, mas vocês obrigam-me a fazer boa figura”, gracejou, pouco ofegante, o cabeça de lista da IL na capital, enquanto alongava apoiado num banco.

Ainda assim, o rosto dos liberais no Parlamento, de 58 anos, contornou as leituras subliminares daquela sessão de running. Haveria ali pelo meio alguma mensagem de que tencionava correr com eles (os partidos incumbentes, entenda-se)? “Não”, garantiu, após uma gargalhada. “É uma forma de dizer que temos de ter fôlego e resistência para aguentar mais quatro anos de desgoverno socialista”, explicou.

Ciente de que terá pela frente “quatro anos difíceis” face à “maioria socialista” puxou do léxico habitual do PCP. Sendo deputado único da IL, vai travar “uma luta contínua”, que terá início já com as discussões do programa do Governo e do Orçamento do Estado para 2020.

O ritmo acelerado é uma constante do dia a dia do antigo presidente do Turismo de Portugal. Depois do Estádio Universitário de Lisboa, foi a casa tomar um duche e adequar a indumentária à ocasião. Pelo meio, trocou a carrinha Mercedes Serie E (com suporte para bicicletas) pela moto BMW F800 GS, guardada religiosamente na sua “man cave”.

A chegada ao Parlamento foi feita sob um ambiente digno de primeiro dia de aulas, embora tenha sido muito mais normal do que para outros deputados que, por engano, quase entraram em salas de grupos parlamentares de partidos que não os seus. Acompanhado por Rodrigo Saraiva, dirigente da IL, desbravou como pôde a floresta de microfones, câmaras e cabos em que os corredores se transformaram esta sexta-feira, mas não conseguiu superar o batalhão de repórteres que ocupavam as laterais do hemiciclo. E foi dar início o processo burocrático no Salão Nobre, ainda antes da chamada para a sessão de instalação, onde se sentou entre os deputados do PSD e do CDS.

A receção, sublinhou à VISÃO, foi “o que esperava”, com “uma certa confusão saudável” e “muita gente a conhecer os cantos à casa”. Como ele próprio. Já depois de Eduardo Ferro Rodrigues ter dado posse aos novos representantes do povo, Cotrim de Figueiredo foi interpelado pelos jornalistas quando cruzava o corredor onde se situa a entrada para a sala do PSD. E aproveitou para repetir a estratégia de guerra total ao peso do Estado nas várias dimensões da vida de cada um. Vai “defender intransigentemente a liberdade individual” – “poder a poder, imposto a imposto, taxa a taxa, limitação a limitação”. Mesmo que as vitórias sejam poucas, por força dos equilíbrios partidários que resultaram das eleições de 6 de outubro (em que a esquerda obteve uma ampla maioria).

“Sabemos que há um longo caminho a fazer não só na implantação das ideias liberais na agenda política, mas também de ganho de causa das nossas propostas. Uma coisa é certa: não será pelas expectativa de, eventualmente, não poder aprovar uma ou outra medida que ela não será proposta. O eleitorado que em nós confiou espera isso, que sejamos intransigentes na defesa de uma sociedade com muito mais oportunidades de escolha para as pessoas. Isso implica lutar, mesmo que num momento inicial tenhamos menos hipótese de ganhar as votações”, realçou o economista.

No entanto, Cotrim de Figueiredo sublinhou que a estratégia de combate será balizada pelo respeito que todos os adversários merecem, venham eles de qualquer parte do espetro: “É perfeitamente possível ter uma discussão acalorada com uma pessoa e tomar uma imperial com ela a seguir.” Daí que não se incomode com a vizinhança no primeiro piso do edifício novo do Parlamento: André Ventura, do Chega, e Joacine Katar Moreira, do Livre.

Quando a sessão de instalação dos deputados terminou, o secretário-geral adjunto da Assembleia da República, José Manuel Araújo, conduziu Cotrim de Figueiredo até ao novo local de trabalho. Para já, serão dois gabinetes, algo apertados; dentro de um mês e meio, estimam os serviços, terá um gabinete na estrutura principal do palácio.

A outra cicerone foi Fátima Mendes, funcionária da casa, à beira da aposentação, que, pela disponibilidade e prontidão, impressionou o deputado. “Cá está, o primeiro projeto de resolução vai ser para impedir a reforma da dona Fátima!”, brincou. E lá pegou no exemplo para estender o elogio aos trabalhadores do setor público, sinalizando que a IL não os encara como empecilhos. “Também aqui se vê que há gente muitíssimo competente e capacitada para lidar com estes problemas, simples, de logística, mas presumo que com mais complicados também”, afirmou, para acrescentar de imediato: “Se os serviços não são melhores, tem a ver com a gestão, com organização, com a ausência de estímulos, de mecanismos de avaliação que detetem, promovam e recompensem os melhores desempenhos.”

Cotrim de Figueiredo, que terá à sua disposição um staff de quatro elementos para as lides parlamentares, adiantou que a IL não deixará cair as suas principais bandeiras – da fiscalidade à amplitude das escolhas dos cidadãos na Educação e na Saúde – e mostrou-se empenhado em encontrar “um consenso” para que, “ao contrário de outras iniciativas”, seja formada uma comissão eventual que “tivesse como objetivo obrigatório não dar por concluídos os trabalhos sem ter propostas concretas de combate à corrupção”.

Quanto ao programa de Governo, lamentou que o PS sacrifique a reforma do sistema político em nome de outros entendimentos com a sua esquerda. E regressou a 2002 e a António Guterres: “É a confirmação de que vão ser mais quatro anos daquilo que o primeiro-ministro não quer designar como pântano, mas nós designaremos como areias movediças. Vamos estar permanentemente a querer fugir desta situação de imobilismo em que nos encontramos e vai ser cada vez mais difícil.”

E se ficou evidente que ainda está “verde” no que toca às regras da casa da democracia – por ter dito que se oporia a esse programa, sendo que ele só é votado se um grupo parlamentar o requerer -, o deputado liberal fez mea culpa, garantiu que não vai pedir ao PSD ou ao CDS que solicitem a votação, mas não alterou o guião: “Foi, sobretudo, um statement político. Assumo perfeitamente a ignorância regimental, coisa que tenho tentado colmatar rapidamente. Culpa minha, devia ter sabido, mas o sentido político da resposta mantém-se totalmente.”

A acutilância vem, contudo, acompanhada de cautela. Rui Rio sugeriu ter dúvidas de que a legislatura dure quatro anos, mas, nesse capítulo, Cotrim de Figueiredo não arrisca. “Não faço futurologia. Não sei, depende muito da relação de forças entre os partidos à esquerda. Eles têm mostrado uma grande capacidade de sobrevivência, fazendo entendimentos à custa do futuro de Portugal. Por estes primeiros indicadores, penso que nos esperam quatro anos do mesmo. Não me espantaria que durasse a legislatura, infelizmente.”

O tempo, para a IL, é de arregaçar as mangas e de sujar os calções. Prognósticos, já dizia o outro, só no final do jogo.

Os primeiros passos dos deputados estreantes

Os relógios ainda não marcavam as 7h50 e João Cotrim de Figueiredo (que acordara às 6h30 e deixara, de seguida, os filhos na escola) já estava sentado na esplanada do café do Estádio Universitário de Lisboa, no lado oposto ao Hospital Santa Maria. De blusão preto, calções cinzentos – “sempre calções, sempre de pernas ao léu”, brincou – e ténis laranja, o deputado da Iniciativa Liberal (IL) preparava-se para o ritual que, podendo, cumpre duas vezes por semana: uma corrida matinal naquele circuito. Com uma pequenina diferença: em dia de estreia no Parlamento, houve quem quisesse acompanhar a sessão de treino.

Despachado um direto para a TSF, eram 8h17 quando deu o último jeito ao equipamento, apertou os atacadores e deu corda às sapatilhas. Não foi até ao limite físico, é certo, mas completou uma volta ao traçado, em 15.47 minutos, sem que parecesse ter sido um esforço hercúleo. “Isto é metade do que costumo correr, mas vocês obrigam-me a fazer boa figura”, gracejou, pouco ofegante, o cabeça de lista da IL na capital, enquanto alongava apoiado num banco.

Ainda assim, o rosto dos liberais no Parlamento, de 58 anos, contornou as leituras subliminares daquela sessão de running. Haveria ali pelo meio alguma mensagem de que tencionava correr com eles (os partidos incumbentes, entenda-se)? “Não”, garantiu, após uma gargalhada. “É uma forma de dizer que temos de ter fôlego e resistência para aguentar mais quatro anos de desgoverno socialista”, explicou.

Ciente de que terá pela frente “quatro anos difíceis” face à “maioria socialista” puxou do léxico habitual do PCP. Sendo deputado único da IL, vai travar “uma luta contínua”, que terá início já com as discussões do programa do Governo e do Orçamento do Estado para 2020.

O ritmo acelerado é uma constante do dia a dia do antigo presidente do Turismo de Portugal. Depois do Estádio Universitário de Lisboa, foi a casa tomar um duche e adequar a indumentária à ocasião. Pelo meio, trocou a carrinha Mercedes Serie E (com suporte para bicicletas) pela moto BMW F800 GS, guardada religiosamente na sua “man cave”.

A chegada ao Parlamento foi feita sob um ambiente digno de primeiro dia de aulas, embora tenha sido muito mais normal do que para outros deputados que, por engano, quase entraram em salas de grupos parlamentares de partidos que não os seus. Acompanhado por Rodrigo Saraiva, dirigente da IL, desbravou como pôde a floresta de microfones, câmaras e cabos em que os corredores se transformaram esta sexta-feira, mas não conseguiu superar o batalhão de repórteres que ocupavam as laterais do hemiciclo. E foi dar início o processo burocrático no Salão Nobre, ainda antes da chamada para a sessão de instalação, onde se sentou entre os deputados do PSD e do CDS.

A receção, sublinhou à VISÃO, foi “o que esperava”, com “uma certa confusão saudável” e “muita gente a conhecer os cantos à casa”. Como ele próprio. Já depois de Eduardo Ferro Rodrigues ter dado posse aos novos representantes do povo, Cotrim de Figueiredo foi interpelado pelos jornalistas quando cruzava o corredor onde se situa a entrada para a sala do PSD. E aproveitou para repetir a estratégia de guerra total ao peso do Estado nas várias dimensões da vida de cada um. Vai “defender intransigentemente a liberdade individual” – “poder a poder, imposto a imposto, taxa a taxa, limitação a limitação”. Mesmo que as vitórias sejam poucas, por força dos equilíbrios partidários que resultaram das eleições de 6 de outubro (em que a esquerda obteve uma ampla maioria).

“Sabemos que há um longo caminho a fazer não só na implantação das ideias liberais na agenda política, mas também de ganho de causa das nossas propostas. Uma coisa é certa: não será pelas expectativa de, eventualmente, não poder aprovar uma ou outra medida que ela não será proposta. O eleitorado que em nós confiou espera isso, que sejamos intransigentes na defesa de uma sociedade com muito mais oportunidades de escolha para as pessoas. Isso implica lutar, mesmo que num momento inicial tenhamos menos hipótese de ganhar as votações”, realçou o economista.

No entanto, Cotrim de Figueiredo sublinhou que a estratégia de combate será balizada pelo respeito que todos os adversários merecem, venham eles de qualquer parte do espetro: “É perfeitamente possível ter uma discussão acalorada com uma pessoa e tomar uma imperial com ela a seguir.” Daí que não se incomode com a vizinhança no primeiro piso do edifício novo do Parlamento: André Ventura, do Chega, e Joacine Katar Moreira, do Livre.

Quando a sessão de instalação dos deputados terminou, o secretário-geral adjunto da Assembleia da República, José Manuel Araújo, conduziu Cotrim de Figueiredo até ao novo local de trabalho. Para já, serão dois gabinetes, algo apertados; dentro de um mês e meio, estimam os serviços, terá um gabinete na estrutura principal do palácio.

A outra cicerone foi Fátima Mendes, funcionária da casa, à beira da aposentação, que, pela disponibilidade e prontidão, impressionou o deputado. “Cá está, o primeiro projeto de resolução vai ser para impedir a reforma da dona Fátima!”, brincou. E lá pegou no exemplo para estender o elogio aos trabalhadores do setor público, sinalizando que a IL não os encara como empecilhos. “Também aqui se vê que há gente muitíssimo competente e capacitada para lidar com estes problemas, simples, de logística, mas presumo que com mais complicados também”, afirmou, para acrescentar de imediato: “Se os serviços não são melhores, tem a ver com a gestão, com organização, com a ausência de estímulos, de mecanismos de avaliação que detetem, promovam e recompensem os melhores desempenhos.”

Cotrim de Figueiredo, que terá à sua disposição um staff de quatro elementos para as lides parlamentares, adiantou que a IL não deixará cair as suas principais bandeiras – da fiscalidade à amplitude das escolhas dos cidadãos na Educação e na Saúde – e mostrou-se empenhado em encontrar “um consenso” para que, “ao contrário de outras iniciativas”, seja formada uma comissão eventual que “tivesse como objetivo obrigatório não dar por concluídos os trabalhos sem ter propostas concretas de combate à corrupção”.

Quanto ao programa de Governo, lamentou que o PS sacrifique a reforma do sistema político em nome de outros entendimentos com a sua esquerda. E regressou a 2002 e a António Guterres: “É a confirmação de que vão ser mais quatro anos daquilo que o primeiro-ministro não quer designar como pântano, mas nós designaremos como areias movediças. Vamos estar permanentemente a querer fugir desta situação de imobilismo em que nos encontramos e vai ser cada vez mais difícil.”

E se ficou evidente que ainda está “verde” no que toca às regras da casa da democracia – por ter dito que se oporia a esse programa, sendo que ele só é votado se um grupo parlamentar o requerer -, o deputado liberal fez mea culpa, garantiu que não vai pedir ao PSD ou ao CDS que solicitem a votação, mas não alterou o guião: “Foi, sobretudo, um statement político. Assumo perfeitamente a ignorância regimental, coisa que tenho tentado colmatar rapidamente. Culpa minha, devia ter sabido, mas o sentido político da resposta mantém-se totalmente.”

A acutilância vem, contudo, acompanhada de cautela. Rui Rio sugeriu ter dúvidas de que a legislatura dure quatro anos, mas, nesse capítulo, Cotrim de Figueiredo não arrisca. “Não faço futurologia. Não sei, depende muito da relação de forças entre os partidos à esquerda. Eles têm mostrado uma grande capacidade de sobrevivência, fazendo entendimentos à custa do futuro de Portugal. Por estes primeiros indicadores, penso que nos esperam quatro anos do mesmo. Não me espantaria que durasse a legislatura, infelizmente.”

O tempo, para a IL, é de arregaçar as mangas e de sujar os calções. Prognósticos, já dizia o outro, só no final do jogo.

Os primeiros passos dos deputados estreantes

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