EXPRESSO: País

01-03-2002
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A universidade de São Bento Antigo assistente do Instituto Superior Técnico, António Guterres parece ter uma predilecção especial pelos professores universitários na composição do seu gabinete governamental. Só entre os seus ministros (18 ao todo), são 12 os que contam no respectivo currículo com experiência na docência do ensino superior ... e só um não é licenciado Ilustração de João Catarino UMA elite intelectual sem grande apetência pelas decisões que geram o desenvolvimento dos países da União Europeia, originária maioritariamente do Direito, parece ter tomado conta do Governo socialista. Uma análise ponderada dos currículos governativos permite detectar a presença de 24 professores universitários entre os 60 ministros e secretários de Estado em funções. E, se adicionarmos à lista o número dos que passaram, sem se fixar, pela docência universitária, chegamos a 38. Ou a 40, se como membros do «clube» forem inscritos dois «ajudantes», contratados como investigadores pelas instituições académicas. UMA elite intelectual sem grande apetência pelas decisões que geram o desenvolvimento dos países da União Europeia, originária maioritariamente do Direito, parece ter tomado conta do Governo socialista. Uma análise ponderada dos currículos governativos permite detectar a presença de 24 professores universitários entre os 60 ministros e secretários de Estado em funções. E, se adicionarmos à lista o número dos que passaram, sem se fixar, pela docência universitária, chegamos a 38. Ou a 40, se como membros do «clube» forem inscritos dois «ajudantes», contratados como investigadores pelas instituições académicas. A conclusão parece óbvia: a Universidade é a verdadeira paixão de António Guterres. Não no sentido orçamental, ou não lhes negasse este ano qualquer aumento de verbas, mas no de se aproveitar os seus talentos. Este elevado nível de escolaridade não é, como se sabe, sinal de que o país tenha atingido um alto nível de desenvolvimento educacional. Bem pelo contrário, o panorama continua sombrio. O drama da iliteracia atinge mais de 50% da população adulta portuguesa. Ou seja, a aposta de Guterres nos professores universitários faz com que o indicador possa tornar-se enganoso. Oriundos da classe média e média-alta, os governantes socialistas fazem parte da excepção à regra. Mas a composição do Governo contém dados que permitem encontrar uma explicação hipotética para a tendência socialista para o adiamento de decisões: a predominância de docentes, mais virados para a reflexão e o estudo do que para a acção. A margem estreita da via de recrutamento, à luz desta ponderação, parece ser agravada por uma outra limitação, visível a olho nu: só cinco dos actuais governantes (António José Seguro, Acácio Barreiros, Cabrita Neto, José Apolinário e Rui Cunha) não têm licenciatura. E mesmos esses são originários de sectores favorecidos da sociedade. E acrescente-se que o ministro adjunto voltou aos estudos e está a tirar o curso de Relações Internacionais. Político-dependentes Contas feitas, para além dos cinco não licenciados, só 15 dos 60 membros do Governo não deram aulas em universidades. Esta minoria inclui os ministros Jaime Gama, António Costa, José Sócrates, Capoulas Santos e José Lello; e os secretários de Estado Fausto Correia, Leonor Coutinho, Diogo Machado, Luís Vieira, Carmen Pignatelli, Rui Gonçalves, José Augusto Carvalho, Luís Amado, Teresa Pereira de Moura e Maria do Céu Cunha Rego. Muitos dedicam-se inteiramente, há muitos anos, à política e ao partido, o que poderá complicar a sua reintegração noutra actividade num cenário de perda de poder e influência. Um deles é o próprio António Guterres, que teve uma vida profissional bastante curta, que não foi além de uma breve passagem, em 1973, pela Divisão de Planeamento Industrial do Gabinete da Área de Sines. E mesmo essa em regime de duplo emprego, em acumulação com as aulas no Instituto Superior Técnico, de que foi assistente até 1975. Mas há mais: o ministro António José Seguro e o secretário de Estado José Apolinário, que apostaram na vida política logo que foram eleitos secretários-gerais da Juventude Socialista (Seguro sucedeu a Apolinário à frente da JS), nunca exerceram sequer sequer qualquer profissão. Défice de experiência parlamentar Da vasta equipa governativa, só 21 homens (pouco mais de um terço) e uma mulher se podem orgulhar da sua passagem pela Assembleia da República - o órgão de eleição por excelência do regime democrático instituído pelo 25 de Abril. António Guterres, que chegou a ser líder da bancada, é um dos que tem mais experiência parlamentar. Nesse «quadro de honra», em posição idêntica à do actual primeiro-ministro - e já com direito à reforma vitalícia que a lei confere aos deputados - figuram também os nomes de Guilherme d'Oliveira Martins, Jaime Gama, Ferro Rodrigues, Alberto Martins, José Lello, José Magalhães e Arons de Carvalho, todos eles com mais de 12 anos de deambulação pelos Passos Perdidos. Os outros 13 homens têm experiências parlamentares que vão dos mais de dez anos do secretário de Estado João Rui Almeida aos escassos meses do ministro da Saúde, Correia de Campos. A lista inclui, para além destes dois, António Costa, José Sócrates, Capoulas Santos, Rui Pena, Acácio Barreiros, José Junqueiro, Rui Cunha, Luís Amado, Carlos Zorrinho, António José Seguro e José Apolinário. Os «jovens» Apolinário e Seguro têm ainda a gratificante experiência, no duplo sentido do termo, de uma passagem pelo Parlamento Europeu. O primeiro foi pioneiro de uma estratégia de carreira que haveria de fazer escola, ao trocar o cargo de secretário-geral da Juventude Socialista por um lugar em Estrasburgo. O caminho apontado por Apolinário haveria de ser seguido pelos seus dois sucessores no «PS dos pequeninos» - António José Seguro, agora regressado prematuramente a pedido de Guterres; e Sérgio Sousa Pinto, que saiu inesperadamente para Estrasburgo, deixando a JS em dificuldades para a sua sucessão. Ressalvado o caso de Fausto Correia, que foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares de 1999 a 2000, há 37 membros do Governo que não tiveram qualquer experiência política no Parlamento. É um sinal da crescente desvalorização da instituição parlamentar. O historiador António Costa Pinto, especialista em História Contemporânea, considera esse facto o «símbolo do declínio do papel dos órgãos eleitos na selecção da elite governamental». Começar pelo topo A circunstância de o Parlamento estar em contínua perda de prestígio até poderia explicar o desinteresse do poder socialista por essa experiência. Mas a situação é ainda mais frágil quando se trata de Poder Local. Só 10 dos 60 membros do Governo desempenharam funções como presidentes de Câmara ou vereadores. São eles António Costa, Capoulas Santos e José Lello, vereadores em Loures, Montemor-o-Novo e Porto; Acácio Barreiros, Vítor Cabrita Neto, Fausto Correia, Leonor Coutinho e Luís Amado, vereadores em Vila Franca, Silves, Coimbra, Almada e Funchal; e Conde Rodrigues e José Augusto Carvalho, presidentes das Câmaras do Cartaxo e de Torres Vedras respectivamente. Pode, pois, concluir-se que as escolhas governativas de António Guterres não se regem propriamente pelo critério da experiência na Assembleia da República ou em qualquer órgão do Poder Local. O cientista Gago Funcionário público é, depois da docência universitária, a categoria profissional mais representada no Governo. São 15 os ministros e secretários de Estado que Guterres foi buscar aos serviços oficiais. A aritmética mais elementar permite chegar à conclusão que dois terços dos governantes socialistas foram recrutados na Universidade ou no Estado. Um conjunto tão vasto de profissões como gestor, auditor, empresário, médico, jornalista, bancário ou juiz não soma mais do que dez presenças ao todo. A seguir aos juristas, os homens da Economia, Finanças e Gestão de Empresas constituem o contingente mais numeroso: 12 pessoas. Engenheiros são dez. As especialidades mais requeridas são os engenheiros civis e os mecânicos. Entre os primeiros figuram os ministros Braga da Cruz e José Sócrates e o secretário de Estado Ricardo Magalhães, e entre os segundos o ministro José Lello e os secretários de Estado Pedro Lourtie e Oliveira Fernandes. Guterres e Mariano Gago são das chamadas correntes fracas - electrotécnicos. E há ainda um agrónomo (Vítor Barros) e um ambientalista (Rui Gonçalves). O ministro Mariano Gago, que no rescaldo do «Verão Quente» de 75 trocou a extrema-esquerda por um doutoramento de Estado em Paris, no campo da Física, é o cientista que António Guterres não dispensa desde a primeira hora nos seus Executivos. Cinco mulheres Só há cinco mulheres no Governo, o que corresponde a menos de 9% do total, reduzindo a retórica as repetidas promessas de António Guterres sobre a criação da quota mínima de 25% de mulheres em lugares elegíveis. Só uma delas é ministra: Elisa Ferreira, do Planeamento. As outras quatro são secretárias de Estado: Teresa Pereira de Moura (Assuntos Europeus), Leonor Coutinho (Habitação), Carmen Pignatelli (adjunta do ministro da Saúde) e Maria do Céu Cunha Rego (Igualdade). A média de idade dos membros do Governo é de 47 anos. Os mais velhos são os recéns-empossados ministros da Defesa, Rui Pena, que festejará 62 anos no dia de Natal, e da Economia, Luís Braga da Cruz, que completou 59 anos a 30 de Maio. Os mais novos são a já citada substituta de Maria de Belém na desaparecida pasta da Igualdade, agora transformada em mera Secretaria de Estado; e o «ajudante» de Elisa Ferreira no Planeamento, Nuno Mendes, ambos com 28 anos. O grupo dos jovens - etapa que na versão estatutária socialista termina aos 30 anos - fica completado com o secretário de Estado da Juventude, Miguel Fontes, que já leva sete meses fora do prazo, uma vez que completou os 30 anos a 26 de Março.

ORLANDO RAIMUNDO

HABILITAÇÕES Engenheiro electrotécnico, o primeiro-ministro escolheu mais nove engenheiros para o seu Governo, mas a maioria vem de Direito: Direito, 18; Engenharias, 10; Economia, 9; Sociologia, 7; Gestão, 2; Matemática, 2; Filosofia, 1; Finanças, 1; Geologia, 1; História, 1; Humanidades, 1; Medicina, 1; Química, 1.

Um exemplo de desleixo QUATRO meses depois da última remodelação governamental, os informáticos de S. Bento ainda não se deram ao trabalho de colocar no «site» do Conselho de Ministros qualquer informação sobre sete dos homens chamados a exercer funções por António Guterres. Continuam totalmente vazios os espaços destinados a divulgar as biografias do ministro da Educação, Júlio Pedrosa, e dos secretários de Estado Oliveira Fernandes (adjunto do ministro da Economia), Pedro Lourtie (Ensino Superior), Rogério Ferreira (Assuntos Fiscais), Ribeiro Mendes (Indústria, Comércio e Serviços), Rui Coimbra (Orçamento) e Pedro Silva Pereira (Ordenamento do Território e Conservação da Natureza). Estes dois últimos não têm sequer direito a fotografia, situação que de resto acontece também com o secretário de Estado da Cultura, Conde Rodrigues. Uma anotação do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo avisa que as páginas estão em actualização desde... 4 de Julho! QUATRO meses depois da última remodelação governamental, os informáticos de S. Bento ainda não se deram ao trabalho de colocar no «site» do Conselho de Ministros qualquer informação sobre sete dos homens chamados a exercer funções por António Guterres. Continuam totalmente vazios os espaços destinados a divulgar as biografias do ministro da Educação, Júlio Pedrosa, e dos secretários de Estado Oliveira Fernandes (adjunto do ministro da Economia), Pedro Lourtie (Ensino Superior), Rogério Ferreira (Assuntos Fiscais), Ribeiro Mendes (Indústria, Comércio e Serviços), Rui Coimbra (Orçamento) e Pedro Silva Pereira (Ordenamento do Território e Conservação da Natureza). Estes dois últimos não têm sequer direito a fotografia, situação que de resto acontece também com o secretário de Estado da Cultura, Conde Rodrigues. Uma anotação do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo avisa que as páginas estão em actualização desde... 4 de Julho! O desleixo e a omissão são, aliás, visíveis em múltiplos outros pormenores (a começar pelo facto de não haver coerência nos critérios): Jaime Gama, no jeito de quem não está para grandes maçadas, omite parte substancial da sua biografia, a começar pelo facto de não fazer sequer referência à profissão de origem: jornalista do «República»; Ferro Rodrigues esconde a militância no MES, como Mariano Gago na extrema-esquerda ou José Magalhães no PCP; José Augusto Carvalho apresenta-se como professor, sem esclarecer que é do ensino secundário que se trata; como José Lello se diz engenheiro, sem esclarecer que é a engenharia civil a sua especialidade. Em jeito de compensação, Leonor Coutinho leva os brios ao ponto de pôr os cidadãos a par do facto relevante de ter sido presidente... do Grupo Desportivo da Carris. O objectivo solenemente proclamado há ano e meio por Guterres na Cimeira de Lisboa - convocada sob o signo da Sociedade da Informação e do Conhecimento - de dotar o país e os serviços de infra-estruturas de comunicação modernas e expeditas afinal ainda nem sequer chegou... a S. Bento.

O.R.

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A universidade de São Bento Antigo assistente do Instituto Superior Técnico, António Guterres parece ter uma predilecção especial pelos professores universitários na composição do seu gabinete governamental. Só entre os seus ministros (18 ao todo), são 12 os que contam no respectivo currículo com experiência na docência do ensino superior ... e só um não é licenciado Ilustração de João Catarino UMA elite intelectual sem grande apetência pelas decisões que geram o desenvolvimento dos países da União Europeia, originária maioritariamente do Direito, parece ter tomado conta do Governo socialista. Uma análise ponderada dos currículos governativos permite detectar a presença de 24 professores universitários entre os 60 ministros e secretários de Estado em funções. E, se adicionarmos à lista o número dos que passaram, sem se fixar, pela docência universitária, chegamos a 38. Ou a 40, se como membros do «clube» forem inscritos dois «ajudantes», contratados como investigadores pelas instituições académicas. UMA elite intelectual sem grande apetência pelas decisões que geram o desenvolvimento dos países da União Europeia, originária maioritariamente do Direito, parece ter tomado conta do Governo socialista. Uma análise ponderada dos currículos governativos permite detectar a presença de 24 professores universitários entre os 60 ministros e secretários de Estado em funções. E, se adicionarmos à lista o número dos que passaram, sem se fixar, pela docência universitária, chegamos a 38. Ou a 40, se como membros do «clube» forem inscritos dois «ajudantes», contratados como investigadores pelas instituições académicas. A conclusão parece óbvia: a Universidade é a verdadeira paixão de António Guterres. Não no sentido orçamental, ou não lhes negasse este ano qualquer aumento de verbas, mas no de se aproveitar os seus talentos. Este elevado nível de escolaridade não é, como se sabe, sinal de que o país tenha atingido um alto nível de desenvolvimento educacional. Bem pelo contrário, o panorama continua sombrio. O drama da iliteracia atinge mais de 50% da população adulta portuguesa. Ou seja, a aposta de Guterres nos professores universitários faz com que o indicador possa tornar-se enganoso. Oriundos da classe média e média-alta, os governantes socialistas fazem parte da excepção à regra. Mas a composição do Governo contém dados que permitem encontrar uma explicação hipotética para a tendência socialista para o adiamento de decisões: a predominância de docentes, mais virados para a reflexão e o estudo do que para a acção. A margem estreita da via de recrutamento, à luz desta ponderação, parece ser agravada por uma outra limitação, visível a olho nu: só cinco dos actuais governantes (António José Seguro, Acácio Barreiros, Cabrita Neto, José Apolinário e Rui Cunha) não têm licenciatura. E mesmos esses são originários de sectores favorecidos da sociedade. E acrescente-se que o ministro adjunto voltou aos estudos e está a tirar o curso de Relações Internacionais. Político-dependentes Contas feitas, para além dos cinco não licenciados, só 15 dos 60 membros do Governo não deram aulas em universidades. Esta minoria inclui os ministros Jaime Gama, António Costa, José Sócrates, Capoulas Santos e José Lello; e os secretários de Estado Fausto Correia, Leonor Coutinho, Diogo Machado, Luís Vieira, Carmen Pignatelli, Rui Gonçalves, José Augusto Carvalho, Luís Amado, Teresa Pereira de Moura e Maria do Céu Cunha Rego. Muitos dedicam-se inteiramente, há muitos anos, à política e ao partido, o que poderá complicar a sua reintegração noutra actividade num cenário de perda de poder e influência. Um deles é o próprio António Guterres, que teve uma vida profissional bastante curta, que não foi além de uma breve passagem, em 1973, pela Divisão de Planeamento Industrial do Gabinete da Área de Sines. E mesmo essa em regime de duplo emprego, em acumulação com as aulas no Instituto Superior Técnico, de que foi assistente até 1975. Mas há mais: o ministro António José Seguro e o secretário de Estado José Apolinário, que apostaram na vida política logo que foram eleitos secretários-gerais da Juventude Socialista (Seguro sucedeu a Apolinário à frente da JS), nunca exerceram sequer sequer qualquer profissão. Défice de experiência parlamentar Da vasta equipa governativa, só 21 homens (pouco mais de um terço) e uma mulher se podem orgulhar da sua passagem pela Assembleia da República - o órgão de eleição por excelência do regime democrático instituído pelo 25 de Abril. António Guterres, que chegou a ser líder da bancada, é um dos que tem mais experiência parlamentar. Nesse «quadro de honra», em posição idêntica à do actual primeiro-ministro - e já com direito à reforma vitalícia que a lei confere aos deputados - figuram também os nomes de Guilherme d'Oliveira Martins, Jaime Gama, Ferro Rodrigues, Alberto Martins, José Lello, José Magalhães e Arons de Carvalho, todos eles com mais de 12 anos de deambulação pelos Passos Perdidos. Os outros 13 homens têm experiências parlamentares que vão dos mais de dez anos do secretário de Estado João Rui Almeida aos escassos meses do ministro da Saúde, Correia de Campos. A lista inclui, para além destes dois, António Costa, José Sócrates, Capoulas Santos, Rui Pena, Acácio Barreiros, José Junqueiro, Rui Cunha, Luís Amado, Carlos Zorrinho, António José Seguro e José Apolinário. Os «jovens» Apolinário e Seguro têm ainda a gratificante experiência, no duplo sentido do termo, de uma passagem pelo Parlamento Europeu. O primeiro foi pioneiro de uma estratégia de carreira que haveria de fazer escola, ao trocar o cargo de secretário-geral da Juventude Socialista por um lugar em Estrasburgo. O caminho apontado por Apolinário haveria de ser seguido pelos seus dois sucessores no «PS dos pequeninos» - António José Seguro, agora regressado prematuramente a pedido de Guterres; e Sérgio Sousa Pinto, que saiu inesperadamente para Estrasburgo, deixando a JS em dificuldades para a sua sucessão. Ressalvado o caso de Fausto Correia, que foi secretário de Estado dos Assuntos Parlamentares de 1999 a 2000, há 37 membros do Governo que não tiveram qualquer experiência política no Parlamento. É um sinal da crescente desvalorização da instituição parlamentar. O historiador António Costa Pinto, especialista em História Contemporânea, considera esse facto o «símbolo do declínio do papel dos órgãos eleitos na selecção da elite governamental». Começar pelo topo A circunstância de o Parlamento estar em contínua perda de prestígio até poderia explicar o desinteresse do poder socialista por essa experiência. Mas a situação é ainda mais frágil quando se trata de Poder Local. Só 10 dos 60 membros do Governo desempenharam funções como presidentes de Câmara ou vereadores. São eles António Costa, Capoulas Santos e José Lello, vereadores em Loures, Montemor-o-Novo e Porto; Acácio Barreiros, Vítor Cabrita Neto, Fausto Correia, Leonor Coutinho e Luís Amado, vereadores em Vila Franca, Silves, Coimbra, Almada e Funchal; e Conde Rodrigues e José Augusto Carvalho, presidentes das Câmaras do Cartaxo e de Torres Vedras respectivamente. Pode, pois, concluir-se que as escolhas governativas de António Guterres não se regem propriamente pelo critério da experiência na Assembleia da República ou em qualquer órgão do Poder Local. O cientista Gago Funcionário público é, depois da docência universitária, a categoria profissional mais representada no Governo. São 15 os ministros e secretários de Estado que Guterres foi buscar aos serviços oficiais. A aritmética mais elementar permite chegar à conclusão que dois terços dos governantes socialistas foram recrutados na Universidade ou no Estado. Um conjunto tão vasto de profissões como gestor, auditor, empresário, médico, jornalista, bancário ou juiz não soma mais do que dez presenças ao todo. A seguir aos juristas, os homens da Economia, Finanças e Gestão de Empresas constituem o contingente mais numeroso: 12 pessoas. Engenheiros são dez. As especialidades mais requeridas são os engenheiros civis e os mecânicos. Entre os primeiros figuram os ministros Braga da Cruz e José Sócrates e o secretário de Estado Ricardo Magalhães, e entre os segundos o ministro José Lello e os secretários de Estado Pedro Lourtie e Oliveira Fernandes. Guterres e Mariano Gago são das chamadas correntes fracas - electrotécnicos. E há ainda um agrónomo (Vítor Barros) e um ambientalista (Rui Gonçalves). O ministro Mariano Gago, que no rescaldo do «Verão Quente» de 75 trocou a extrema-esquerda por um doutoramento de Estado em Paris, no campo da Física, é o cientista que António Guterres não dispensa desde a primeira hora nos seus Executivos. Cinco mulheres Só há cinco mulheres no Governo, o que corresponde a menos de 9% do total, reduzindo a retórica as repetidas promessas de António Guterres sobre a criação da quota mínima de 25% de mulheres em lugares elegíveis. Só uma delas é ministra: Elisa Ferreira, do Planeamento. As outras quatro são secretárias de Estado: Teresa Pereira de Moura (Assuntos Europeus), Leonor Coutinho (Habitação), Carmen Pignatelli (adjunta do ministro da Saúde) e Maria do Céu Cunha Rego (Igualdade). A média de idade dos membros do Governo é de 47 anos. Os mais velhos são os recéns-empossados ministros da Defesa, Rui Pena, que festejará 62 anos no dia de Natal, e da Economia, Luís Braga da Cruz, que completou 59 anos a 30 de Maio. Os mais novos são a já citada substituta de Maria de Belém na desaparecida pasta da Igualdade, agora transformada em mera Secretaria de Estado; e o «ajudante» de Elisa Ferreira no Planeamento, Nuno Mendes, ambos com 28 anos. O grupo dos jovens - etapa que na versão estatutária socialista termina aos 30 anos - fica completado com o secretário de Estado da Juventude, Miguel Fontes, que já leva sete meses fora do prazo, uma vez que completou os 30 anos a 26 de Março.

ORLANDO RAIMUNDO

HABILITAÇÕES Engenheiro electrotécnico, o primeiro-ministro escolheu mais nove engenheiros para o seu Governo, mas a maioria vem de Direito: Direito, 18; Engenharias, 10; Economia, 9; Sociologia, 7; Gestão, 2; Matemática, 2; Filosofia, 1; Finanças, 1; Geologia, 1; História, 1; Humanidades, 1; Medicina, 1; Química, 1.

Um exemplo de desleixo QUATRO meses depois da última remodelação governamental, os informáticos de S. Bento ainda não se deram ao trabalho de colocar no «site» do Conselho de Ministros qualquer informação sobre sete dos homens chamados a exercer funções por António Guterres. Continuam totalmente vazios os espaços destinados a divulgar as biografias do ministro da Educação, Júlio Pedrosa, e dos secretários de Estado Oliveira Fernandes (adjunto do ministro da Economia), Pedro Lourtie (Ensino Superior), Rogério Ferreira (Assuntos Fiscais), Ribeiro Mendes (Indústria, Comércio e Serviços), Rui Coimbra (Orçamento) e Pedro Silva Pereira (Ordenamento do Território e Conservação da Natureza). Estes dois últimos não têm sequer direito a fotografia, situação que de resto acontece também com o secretário de Estado da Cultura, Conde Rodrigues. Uma anotação do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo avisa que as páginas estão em actualização desde... 4 de Julho! QUATRO meses depois da última remodelação governamental, os informáticos de S. Bento ainda não se deram ao trabalho de colocar no «site» do Conselho de Ministros qualquer informação sobre sete dos homens chamados a exercer funções por António Guterres. Continuam totalmente vazios os espaços destinados a divulgar as biografias do ministro da Educação, Júlio Pedrosa, e dos secretários de Estado Oliveira Fernandes (adjunto do ministro da Economia), Pedro Lourtie (Ensino Superior), Rogério Ferreira (Assuntos Fiscais), Ribeiro Mendes (Indústria, Comércio e Serviços), Rui Coimbra (Orçamento) e Pedro Silva Pereira (Ordenamento do Território e Conservação da Natureza). Estes dois últimos não têm sequer direito a fotografia, situação que de resto acontece também com o secretário de Estado da Cultura, Conde Rodrigues. Uma anotação do Centro de Gestão da Rede Informática do Governo avisa que as páginas estão em actualização desde... 4 de Julho! O desleixo e a omissão são, aliás, visíveis em múltiplos outros pormenores (a começar pelo facto de não haver coerência nos critérios): Jaime Gama, no jeito de quem não está para grandes maçadas, omite parte substancial da sua biografia, a começar pelo facto de não fazer sequer referência à profissão de origem: jornalista do «República»; Ferro Rodrigues esconde a militância no MES, como Mariano Gago na extrema-esquerda ou José Magalhães no PCP; José Augusto Carvalho apresenta-se como professor, sem esclarecer que é do ensino secundário que se trata; como José Lello se diz engenheiro, sem esclarecer que é a engenharia civil a sua especialidade. Em jeito de compensação, Leonor Coutinho leva os brios ao ponto de pôr os cidadãos a par do facto relevante de ter sido presidente... do Grupo Desportivo da Carris. O objectivo solenemente proclamado há ano e meio por Guterres na Cimeira de Lisboa - convocada sob o signo da Sociedade da Informação e do Conhecimento - de dotar o país e os serviços de infra-estruturas de comunicação modernas e expeditas afinal ainda nem sequer chegou... a S. Bento.

O.R.

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