A justiceira do futebol

09-12-2000
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Teresa Neto, 41 anos, é uma intrusa de sucesso no restrito clube de advogados do futebol

Clientes habituais desta advogada, que aprendeu a gostar de futebol na barra dos tribunais, são também os treinadores, vítimas predilectas de dirigentes em crise de resultados desportivos ou em apuros de tesouraria.

«Ano após ano, as histórias são sempre as mesmas. Os treinadores queixam-se invariavelmente de despedimentos sem justa causa e os jogadores de ordenados em atraso. Quase sempre, muito atrasados mesmo», conta Teresa Neto, salientando que até a época alta dos litígios-tipo de uma e outra classe se repete no tempo com a precisão de um relógio suíço.

«De Outubro a Março, são os meses das chamadas chicotadas psicológicas - tão frequentes nas divisões inferiores que até costumo dizer que deviam ter um subsídio de risco. No final da época, entre Maio e Junho, é a altura de os jogadores investirem judicialmente contra os seus clubes, cansados de falsas promessas de pagamentos que nunca chegam», remata a actual assessora jurídica da Associação Nacional de Treinadores.

Natural do Porto, Teresa Neto, a mais nova de três irmãos, nasceu e cresceu entre livros de Direito, que aprendeu a cobiçar quando ainda mal sabia ler. O pai, advogado de profissão e um conservador intransigente, tratou de abafar a vocação da filha, explicando-lhe desde cedo que a advocacia não era para mulheres. Se quisesse estudar e assegurar a sua independência, o melhor era matricular-se no Magistério Primário.

«O meu pai sempre achou que ser professora era a profissão mais adequada para uma mulher. Além do mais, para ele, era impensável que eu, com 17 anos, em plena agitação do 25 de Abril, fosse viver sozinha para Coimbra», recorda Teresa, que vencida mas não convencida começou a dar aulas com pouco mais de 20 anos. Persistente, já casada e mãe de dois filhos, a professora primária segue as pisadas dos irmãos e matricula-se na Universidade, em Coimbra, concluindo o curso de Direito em cinco anos.

Jorge Neto, o irmão mais velho e seu patrono, gaba-lhe «a enorme força de vontade», tendo-lhe confiado cada vez mais processos da alçada desportiva, à medida em que ele enveredava pela alta roda do Direito Comercial. Hoje, este deputado do PSD tem apenas entre mãos o mediático caso que opõe Manuel José ao Benfica, conflito em que o ex-treinador da Luz reclama perto de um milhão de contos de indemnização.

Depois de 12 anos a defender jogadores e treinadores, o peculiar universo da bola - onde nunca se sentiu discriminada - deixou de ter segredos para Teresa Neto. Persuasiva, 70% dos casos resolve-os longe dos tribunais. Os outros, com maior ou menor dificuldade, acaba por vencê-los: «Até hoje, 99,9% tenho-os resolvido com êxito. A grande dificuldade apresenta-se depois, na fase da cobrança, porque geralmente os clubes não têm receitas. Em matéria de gestão, o futebol português, principalmente nas divisões inferiores, é ainda uma actividade que anda muito aos pontapés».

Curiosamente, revela ser mais fácil chegar a acordo entre as partes quando as verbas em jogo se apresentam com muitos zeros à direita do que em litígios de tostões. «Quando há pouco dinheiro envolvido, os diferendos tornam-se uma questão de honra, de orgulho. No futebol, apesar de a credibilidade nem sempre ser uma referência, encontra-se muita gente boa».

Embora se feche que nem uma concha para falar de situações concretas, jamais se esquecerá do caso de Caetano, o antigo capitão do Tirsense que perdoou ao seu clube mais de 40 mil contos de salários em atraso, sensibilizado com a profunda crise que abalou este clube do Vale do Ave, despromovido aos campeonatos distritais após ter militado na I Divisão.

Por razões bem diferentes, quem também desistiu de cobrar uma dívida por incumprimento contratual foi Geraldão, jogador que preferiu sair das Antas com os bolsos mais vazios a comprar uma guerra com Pinto da Costa. Segundo Teresa Neto, são cada vez menos frequentes os litígios de jogadores contra clubes da I Liga que acabam no tribunal, «resultado de gestões obrigatoriamente mais profissionais. As situações mais dramáticas ocorrem nas divisões secundários, onde presidentes cheios de boa vontade mas sem formação capaz investem de forma cega em plantéis muito acima das possibilidades financeiras dos clubes. Em Dezembro já estão a derrapar...».

Entre alguns frequentadores assíduos dos tribunais, estão o Portimonense ou o Leixões, clubes com pergaminhos a quem se foram os anéis e os dedos. O Farense é outro caso paradigmático, já mais espanhol do que português para poder continuar a respirar.

Mãe de dois rapazes (15 e 10 anos) e de uma menina de sete, desdobra-se entre os afazeres profissionais e a casa das oito horas às duas da manhã. «Para dar atenção aos meus filhos, sou obrigada a levar 'dossiers' para casa e a sentar-me ao computador depois de eles irem dormir. Mas sinto-me realizada». Surpresa das surpresas na sua bem recheada vida foi o facto de ter aprendido a gostar de futebol, desporto que repudiou em jovem, agastada com as discussões entre os irmãos e o pai.

Portista, não disfarça a sua admiração pela forma como Pinto da Costa lidera com mão de ferro o seu clube. Não vai às Antas por não conseguir vencer a fobia das multidões, mas o marido e os filhos, sócios do FC Porto desde que nasceram, raramente perdem uma partida quando a equipa joga em casa.

«Vejo na televisão. Para mim, o futebol só tem uma coisa incompreensível: o fora de jogo. Por mais que me expliquem, continua a não fazer sentido».

ISABEL PAULO

Teresa Neto, 41 anos, é uma intrusa de sucesso no restrito clube de advogados do futebol

Clientes habituais desta advogada, que aprendeu a gostar de futebol na barra dos tribunais, são também os treinadores, vítimas predilectas de dirigentes em crise de resultados desportivos ou em apuros de tesouraria.

«Ano após ano, as histórias são sempre as mesmas. Os treinadores queixam-se invariavelmente de despedimentos sem justa causa e os jogadores de ordenados em atraso. Quase sempre, muito atrasados mesmo», conta Teresa Neto, salientando que até a época alta dos litígios-tipo de uma e outra classe se repete no tempo com a precisão de um relógio suíço.

«De Outubro a Março, são os meses das chamadas chicotadas psicológicas - tão frequentes nas divisões inferiores que até costumo dizer que deviam ter um subsídio de risco. No final da época, entre Maio e Junho, é a altura de os jogadores investirem judicialmente contra os seus clubes, cansados de falsas promessas de pagamentos que nunca chegam», remata a actual assessora jurídica da Associação Nacional de Treinadores.

Natural do Porto, Teresa Neto, a mais nova de três irmãos, nasceu e cresceu entre livros de Direito, que aprendeu a cobiçar quando ainda mal sabia ler. O pai, advogado de profissão e um conservador intransigente, tratou de abafar a vocação da filha, explicando-lhe desde cedo que a advocacia não era para mulheres. Se quisesse estudar e assegurar a sua independência, o melhor era matricular-se no Magistério Primário.

«O meu pai sempre achou que ser professora era a profissão mais adequada para uma mulher. Além do mais, para ele, era impensável que eu, com 17 anos, em plena agitação do 25 de Abril, fosse viver sozinha para Coimbra», recorda Teresa, que vencida mas não convencida começou a dar aulas com pouco mais de 20 anos. Persistente, já casada e mãe de dois filhos, a professora primária segue as pisadas dos irmãos e matricula-se na Universidade, em Coimbra, concluindo o curso de Direito em cinco anos.

Jorge Neto, o irmão mais velho e seu patrono, gaba-lhe «a enorme força de vontade», tendo-lhe confiado cada vez mais processos da alçada desportiva, à medida em que ele enveredava pela alta roda do Direito Comercial. Hoje, este deputado do PSD tem apenas entre mãos o mediático caso que opõe Manuel José ao Benfica, conflito em que o ex-treinador da Luz reclama perto de um milhão de contos de indemnização.

Depois de 12 anos a defender jogadores e treinadores, o peculiar universo da bola - onde nunca se sentiu discriminada - deixou de ter segredos para Teresa Neto. Persuasiva, 70% dos casos resolve-os longe dos tribunais. Os outros, com maior ou menor dificuldade, acaba por vencê-los: «Até hoje, 99,9% tenho-os resolvido com êxito. A grande dificuldade apresenta-se depois, na fase da cobrança, porque geralmente os clubes não têm receitas. Em matéria de gestão, o futebol português, principalmente nas divisões inferiores, é ainda uma actividade que anda muito aos pontapés».

Curiosamente, revela ser mais fácil chegar a acordo entre as partes quando as verbas em jogo se apresentam com muitos zeros à direita do que em litígios de tostões. «Quando há pouco dinheiro envolvido, os diferendos tornam-se uma questão de honra, de orgulho. No futebol, apesar de a credibilidade nem sempre ser uma referência, encontra-se muita gente boa».

Embora se feche que nem uma concha para falar de situações concretas, jamais se esquecerá do caso de Caetano, o antigo capitão do Tirsense que perdoou ao seu clube mais de 40 mil contos de salários em atraso, sensibilizado com a profunda crise que abalou este clube do Vale do Ave, despromovido aos campeonatos distritais após ter militado na I Divisão.

Por razões bem diferentes, quem também desistiu de cobrar uma dívida por incumprimento contratual foi Geraldão, jogador que preferiu sair das Antas com os bolsos mais vazios a comprar uma guerra com Pinto da Costa. Segundo Teresa Neto, são cada vez menos frequentes os litígios de jogadores contra clubes da I Liga que acabam no tribunal, «resultado de gestões obrigatoriamente mais profissionais. As situações mais dramáticas ocorrem nas divisões secundários, onde presidentes cheios de boa vontade mas sem formação capaz investem de forma cega em plantéis muito acima das possibilidades financeiras dos clubes. Em Dezembro já estão a derrapar...».

Entre alguns frequentadores assíduos dos tribunais, estão o Portimonense ou o Leixões, clubes com pergaminhos a quem se foram os anéis e os dedos. O Farense é outro caso paradigmático, já mais espanhol do que português para poder continuar a respirar.

Mãe de dois rapazes (15 e 10 anos) e de uma menina de sete, desdobra-se entre os afazeres profissionais e a casa das oito horas às duas da manhã. «Para dar atenção aos meus filhos, sou obrigada a levar 'dossiers' para casa e a sentar-me ao computador depois de eles irem dormir. Mas sinto-me realizada». Surpresa das surpresas na sua bem recheada vida foi o facto de ter aprendido a gostar de futebol, desporto que repudiou em jovem, agastada com as discussões entre os irmãos e o pai.

Portista, não disfarça a sua admiração pela forma como Pinto da Costa lidera com mão de ferro o seu clube. Não vai às Antas por não conseguir vencer a fobia das multidões, mas o marido e os filhos, sócios do FC Porto desde que nasceram, raramente perdem uma partida quando a equipa joga em casa.

«Vejo na televisão. Para mim, o futebol só tem uma coisa incompreensível: o fora de jogo. Por mais que me expliquem, continua a não fazer sentido».

ISABEL PAULO

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