EXPRESSO: País

03-03-2001
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Mistério no rapto de Neto Valente

O silêncio rodeia o desaparecimento do principal advogado de Macau

Luiz Carvalho Jorge Neto Valente, em Macau. O advogado raptado é amigo pessoal e companheiro político de Soares e Sampaio

MAIS de 48 horas depois, o mistério adensa-se e a comunidade portuguesa de Macau (e não só) preocupa-se seriamente com o paradeiro de Jorge Neto Valente. O advogado de maior renome de Macau é, também, um veterano da política: ex-deputado da Assembleia Legislativa, ex-mandatário das candidaturas de Mário Soares e Jorge Sampaio, militante do PS, é detentor de algumas das mais altas condecorações do Estado português.

O desaparecimento de Valente foi relatado à polícia cerca das 21h40 de quarta-feira por uma testemunha que viu alguns motociclistas e pelo menos dois automóveis bloquearem a Av. da República (a poucos metros da residência do cônsul de Portugal), após o que retiraram à força do interior de uma viatura o respectivo ocupante. Perante o alarme, a polícia deslocou-se ao local, isolou a zona e rapidamente descobriu que o BMW em causa, com a matrícula MC-89-99, pertencia de facto a Neto Valente. Os óculos do advogado jaziam partidos no chão, bem como os seus sapatos.

As autoridades iniciaram de imediato operações, envolvendo todas as forças policiais, de modo a descobrir o paradeiro do advogado. Os primeiros frutos da mega-operação surgiram pouco depois, com a descoberta de um dos carros que terá sido utilizado no rapto, encontrado abandonado na zona industrial da Areia Preta, bairro com mais de cem mil habitantes.

A descoberta do automóvel foi a única notícia tornada pública pela PJ, que desde então lançou um espesso véu de silêncio sobre o caso. Em duas sucessivas conferências de imprensa, realizadas na quinta e sexta-feiras, a polícia não fez qualquer comentário e recusou-se inclusivamente a classificar o incidente como rapto. No entanto, o desaparecimento de Neto Valente tornou-se conhecido da maior parte da comunidade portuguesa e chinesa muito pouco tempo depois de ocorrido. Apesar disso, os jornais de língua chinesa silenciaram o caso nas suas edições do dia seguinte. O mesmo se verificou com as televisões e jornais de línguas chinesa e inglesa de Hong Kong, que só noticiaram o rapto na sexta-feira. Esta estratégia de silêncio está a dar azo a díspares e disparatados boatos nas conversas de esquina e de café por toda a cidade e ilhas.

Defensor dos oposicionistas

Até agora, parece não ter havido qualquer pedido de resgate. Tanto quanto é possível saber em situações deste melindre, nem o escritório de advogados nem a família foram contactados pelos raptores. Viúvo de uma macaense oriunda de Shangai, Neto Valente tem dois filhos: Cristina, de 26 anos, formada em Direito e a viver em Macau; e Jorge, de 22, a estudar na Europa.

Jorge Neto Valente veio para Macau no início da década de 70, como oficial miliciano. Recém-licenciado em Direito, foi autorizado a exercer advocacia nos tribunais civis e tornou-se conhecido como defensor de pobres, desprotegidos e principalmente de elementos tidos como suspeitos pelo regime de Marcelo Caetano.

Com o 25 de Abril de 1974, foi um dos fundadores do Centro Democrático de Macau (associação cívica ligada ao PS português), que esteve na base da alteração e saneamento das estruturas coloniais de Macau. Neto Valente chegou a deputado à Assembleia Legislativa, primeiro por eleição directa (com o apoio do CDM), depois como deputado nomeado pelos governadores Pinto Machado, Carlos Melancia e Rocha Vieira. O chefe do executivo da Região Administrativa Especial, Edmundo Ho, não o reconduziu como parlamentar. Aliás, com a transferência de soberania para a RPC, optou politicamente por uma atitude de «low profile».

Uma sólida fortuna

Detentor de uma vultuosa fortuna, nunca deixou de exercer advocacia, sendo conhecido pela sua capacidade de trabalho. Na sua vida profissional não se dedica ao direito criminal, que deixa aos colegas que com ele trabalham no seu escritório, situado no centro da cidade. O cerne da sua actividade é ocupado por questões cíveis, procuradoria e sobretudo pela chamada advocacia de negócios. É advogado de algumas das mais importantes instituições privadas de Macau, como o Banco Nacional Ultramarino, a Companhia de Telecomunicações de Macau e a Teledifusão de Macau (TDM). É também advogado e accionista da empresa Nam Wan, da construção civil. Com amplos interesses no sector imobiliário, é ainda advogado de alguns dos mais importantes empresários chineses, de Macau e da China. Homem com muitos amigos, mas também muitos inimigos, foi um personagem-chave em inúmeras disputas comerciais e legais durante os últimos vinte anos. Foi este protagonismo que, segundo muitos observadores, poderá ter dado azo ao rapto.

Mistério no rapto de Neto Valente

O silêncio rodeia o desaparecimento do principal advogado de Macau

Luiz Carvalho Jorge Neto Valente, em Macau. O advogado raptado é amigo pessoal e companheiro político de Soares e Sampaio

MAIS de 48 horas depois, o mistério adensa-se e a comunidade portuguesa de Macau (e não só) preocupa-se seriamente com o paradeiro de Jorge Neto Valente. O advogado de maior renome de Macau é, também, um veterano da política: ex-deputado da Assembleia Legislativa, ex-mandatário das candidaturas de Mário Soares e Jorge Sampaio, militante do PS, é detentor de algumas das mais altas condecorações do Estado português.

O desaparecimento de Valente foi relatado à polícia cerca das 21h40 de quarta-feira por uma testemunha que viu alguns motociclistas e pelo menos dois automóveis bloquearem a Av. da República (a poucos metros da residência do cônsul de Portugal), após o que retiraram à força do interior de uma viatura o respectivo ocupante. Perante o alarme, a polícia deslocou-se ao local, isolou a zona e rapidamente descobriu que o BMW em causa, com a matrícula MC-89-99, pertencia de facto a Neto Valente. Os óculos do advogado jaziam partidos no chão, bem como os seus sapatos.

As autoridades iniciaram de imediato operações, envolvendo todas as forças policiais, de modo a descobrir o paradeiro do advogado. Os primeiros frutos da mega-operação surgiram pouco depois, com a descoberta de um dos carros que terá sido utilizado no rapto, encontrado abandonado na zona industrial da Areia Preta, bairro com mais de cem mil habitantes.

A descoberta do automóvel foi a única notícia tornada pública pela PJ, que desde então lançou um espesso véu de silêncio sobre o caso. Em duas sucessivas conferências de imprensa, realizadas na quinta e sexta-feiras, a polícia não fez qualquer comentário e recusou-se inclusivamente a classificar o incidente como rapto. No entanto, o desaparecimento de Neto Valente tornou-se conhecido da maior parte da comunidade portuguesa e chinesa muito pouco tempo depois de ocorrido. Apesar disso, os jornais de língua chinesa silenciaram o caso nas suas edições do dia seguinte. O mesmo se verificou com as televisões e jornais de línguas chinesa e inglesa de Hong Kong, que só noticiaram o rapto na sexta-feira. Esta estratégia de silêncio está a dar azo a díspares e disparatados boatos nas conversas de esquina e de café por toda a cidade e ilhas.

Defensor dos oposicionistas

Até agora, parece não ter havido qualquer pedido de resgate. Tanto quanto é possível saber em situações deste melindre, nem o escritório de advogados nem a família foram contactados pelos raptores. Viúvo de uma macaense oriunda de Shangai, Neto Valente tem dois filhos: Cristina, de 26 anos, formada em Direito e a viver em Macau; e Jorge, de 22, a estudar na Europa.

Jorge Neto Valente veio para Macau no início da década de 70, como oficial miliciano. Recém-licenciado em Direito, foi autorizado a exercer advocacia nos tribunais civis e tornou-se conhecido como defensor de pobres, desprotegidos e principalmente de elementos tidos como suspeitos pelo regime de Marcelo Caetano.

Com o 25 de Abril de 1974, foi um dos fundadores do Centro Democrático de Macau (associação cívica ligada ao PS português), que esteve na base da alteração e saneamento das estruturas coloniais de Macau. Neto Valente chegou a deputado à Assembleia Legislativa, primeiro por eleição directa (com o apoio do CDM), depois como deputado nomeado pelos governadores Pinto Machado, Carlos Melancia e Rocha Vieira. O chefe do executivo da Região Administrativa Especial, Edmundo Ho, não o reconduziu como parlamentar. Aliás, com a transferência de soberania para a RPC, optou politicamente por uma atitude de «low profile».

Uma sólida fortuna

Detentor de uma vultuosa fortuna, nunca deixou de exercer advocacia, sendo conhecido pela sua capacidade de trabalho. Na sua vida profissional não se dedica ao direito criminal, que deixa aos colegas que com ele trabalham no seu escritório, situado no centro da cidade. O cerne da sua actividade é ocupado por questões cíveis, procuradoria e sobretudo pela chamada advocacia de negócios. É advogado de algumas das mais importantes instituições privadas de Macau, como o Banco Nacional Ultramarino, a Companhia de Telecomunicações de Macau e a Teledifusão de Macau (TDM). É também advogado e accionista da empresa Nam Wan, da construção civil. Com amplos interesses no sector imobiliário, é ainda advogado de alguns dos mais importantes empresários chineses, de Macau e da China. Homem com muitos amigos, mas também muitos inimigos, foi um personagem-chave em inúmeras disputas comerciais e legais durante os últimos vinte anos. Foi este protagonismo que, segundo muitos observadores, poderá ter dado azo ao rapto.

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